Venezuela

Venezuela anula passaportes de críticos dentro e fora do país, diz oposição: "Nova forma de exílio"

Pelo menos 30 ativistas políticos tiveram o documento bloqueado, segundo coordenador da aliança opositora; maior parte teria sido emitida em 2023 e deveria valer por mais nove anos

Homem segura bandeira da Venezuela durante vigília convocada pela oposição exigindo liberdade para os presos políticos detidos em protestos contra Nicolás Maduro - Yuri Cortez/AFP

O governo da Venezuela anulou os passaportes de dezenas de opositores nos últimos dias, denunciou a oposição nesta sexta-feira. Apenas no estado de Zulia, mais de 30 ativistas políticos tiveram o documento bloqueado, de acordo com Rober Rubio, coordenador da Plataforma Unitária Democrática (PUD), aliança política da oposição venezuelana.

No início do mês, ele próprio foi aconselhado a verificar o status de seu passaporte e declarou que o documento foi anulado.

Rubio faz parte de um grupo crescente de ativistas de direitos humanos, acadêmicos, comunicadores e políticos da Venezuela que confirmaram nas últimas horas, por meio de notificações oficiais, que seus documentos de viagem foram invalidados pelo Serviço Administrativo de Informação, Migração e Estrangeiros (SAIME).

As medidas ocorrem no momento em que grupos opositores têm denunciado a intensificação da repressão no país, com prisões de manifestantes e de dirigentes da oposição.

De acordo com as denúncias, a maior parte dos passaportes foi emitida no ano passado e, portanto, deveria ter validade de mais 9 anos.

À Voz da América, Rubio, que atualmente vive no Chile, disse que o governo venezuelano busca introduzir "uma nova forma de exílio".

Embora o número exato de afetados ainda não seja conhecido, a associação Espaço Público, dedicada à promoção dos direitos de liberdade de expressão, disse ter documentado ao menos 16 casos, incluindo de jornalistas.

Rubio declarou, ainda, que a medida viola os direitos humanos e dificulta a migração de pessoas da Venezuela, além da mobilidade fora do país de vozes críticas ao governo do presidente Nicolás Maduro.

O governo venezuelano tem prendido centenas de opositores sob alegadas acusações de "terrorismo".

As medidas foram intensificadas após o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país, alinhado ao chavismo, ter anunciado a reeleição de Maduro para mais um mandato de seis anos.

A oposição, no entanto, declarou pouco depois que Edmundo González Urrutia derrotou Maduro por ampla margem (67% contra 30%).

De acordo com o jornal La Patilla, em 3 de agosto, o ativista e defensor dos direitos da comunidade LGBTQIAP+ Yendri Velásquez foi retido por seis horas no aeroporto Simón Bolívar de Maiquetía, em Caracas. Seu passaporte também foi anulado.

Um dia depois, a professora de ciências políticas Edni López informou ao seu parceiro que seu documento aparecia como "vencido" no sistema oficial de Maiquetía.

Seus familiares posteriormente denunciaram sua detenção por agentes militares.

No início desta semana, o jornalista Jefferson Díaz, que vive no Equador, denunciou que os passaportes de sua esposa, seus filhos e o seu próprio foram anulados.

Ele disse não ter uma explicação oficial para a medida.

Ao Voz da América, ele disse considerar a decisão como uma "coerção" para os venezuelanos de dentro e fora do país.

Aula Abierta, uma ONG de direitos humanos na Venezuela, comparou as anulações de passaportes com medidas semelhantes na Nicarágua. Nesta quarta-feira, a organização afirmou que a retenção arbitrária de passaportes faz parte de "medidas de repressão e assédio" por parte do governo no contexto das eleições.

O órgão disse, ainda, que isso remete às "táticas repressivas observadas em outros regimes autoritários" e que representa "uma grave violação das normas internacionais".

A R4V, uma plataforma que coordena 200 agências das Nações Unidas e organizações da sociedade civil para atender refugiados e migrantes da Venezuela, exortou nesta quarta-feira os países a aceitarem documentos de identidade vencidos dessa população.

Onda migratória
Nesta quinta-feira, a líder da oposição na Venezuela, María Corina Machado, disse que uma "onda migratória" sem precedentes pode ocorrer no país caso Maduro continue no poder.

A declaração foi feita durante entrevista coletiva virtual a veículos de imprensa mexicanos, ocasião em que ela também pediu ao governo de Andrés Manuel López Obrador que "compreenda a enorme responsabilidade" dele com a região, devido ao "canal de comunicação" com a administração chavista.

— Digo a AMLO (López Obrador) que se Maduro decidir agarrar-se pela força [ao poder], poderemos ver uma onda de migração como nunca vimos, com três, quatro, cinco milhões de venezuelanos [saindo do país] em muito pouco tempo — continuou a líder opositora, afirmando que o presidente venezuelano somente reconhecerá a derrota das urnas se houver pressão suficiente dentro e fora da Venezuela.

Segundo números da ONU, cerca de 7,7 milhões de venezuelanos emigraram nos últimos anos por causa da crise do país. Somados a centenas de milhares de imigrantes de outras nações, principalmente da América Central, muitos deles atravessam o México em direção aos EUA.

Após a comunidade internacional ter questionado os resultados eleitorais divulgados pelo CNE, sete países europeus, incluindo a Espanha, uniram-se aos EUA, Noruega, Colômbia, México, Brasil e outros que exigem do chavismo a divulgação pública das atas oficiais de todas as mesas de votação.

As divergências entre o governo venezuelano e a oposição desataram alguns dias de protestos no país, que estimularam uma repressão que deixou estimados entre mil e 2 mil presos e 24 mortos.