LITERATURA

Escritora Roseana Murray lança o livro 'O braço mágico' no Rio, quatro meses após ataque de pitbulls

Poeta transformou em obra infantil o episódio traumático de sua amputação após ser atacada por três cães, em abril

O grave incidente já inspirou a criação de um novo livro, escrito por Roseana Murray no hospital - Reprodução/Instagram

“A avó era poeta e tinha um braço invisível e mágico”. Na capa de seu novo livro, a escritora Roseana Murray é abraçada pelos dois netos, Luís e Gabi, e aponta, com o braço iluminado e cheio estrelas coloridas, para uma fênix voando no céu.

Desenhada ora com asas, ora com flores, Roseana parece uma fada nas ilustrações da obra — e na vida, para muita gente que se inspirou na doçura e na singeleza que ela esbanjou diante da perda do braço direito e de uma orelha após o ataque de três cães da raça pitbull sofrido em abril.

A perda do membro físico, do ponto de vista da poeta, levou ao nascimento do braço invisível, que virou livro, como ela prometeu ainda no hospital: “O braço mágico” ganha lançamento hoje, na Janela Livraria, no Shopping da Gávea, na Zona Sul do Rio.

Presentes em quase todas as páginas do livro, os netos chegaram a visitá-la durante a internação no Hospital Estadual Alberto Torres, em São Gonçalo, e foram fonte inesgotável de força.

— Eles precisavam me ver. Ficaram parados me olhando, foi muito emocionante. Já tivemos mais momentos juntos aqui em casa e na casa deles, em Visconde de Mauá. Eles lidam com isso com uma naturalidade total — conta a escritora, que os transformou em personagens, seguindo a sugestão do filho.

— Foi uma ideia do André, de colocar os netos como ajudantes, anjos. O texto estava na minha cabeça desde o hospital, mas ainda estava muito duro, muito difícil. Não conseguia achar o tom. E aí o André falou: “Mãe, põe os netos te ajudando”. E aí veio. Foi mágico — explica ela o processo de escrita, em que usou o bloco de texto do celular.

Livro O Braço Mágico, de Roseana Murray - Foto: divulgação

Flores, cores, “crianças-anjos”, fadas e magos ilustram a jornada da protagonista, a escritora com o braço mágico. Entre as metáforas criadas, chamam atenção as aranhas douradas simbolizando enfermeiras e técnicas que teceram com cuidado os curativos de Roseana. Os desenhos que remetem a um universo de sonhos são do artista plástico e educador Fernando Zenshô.

— São ilustrações oníricas, muito bonitas, sempre têm um movimento. O braço parece uma asa, às vezes parece flor. É lindo. O braço mágico me trouxe muita coisa — conta Roseana.

Em contraste com os desenhos coloridos, uma página preta com letras brancas anuncia que nem sempre havia sido daquela maneira: “Um acidente fez a avó perder um braço”. O impacto visual e poucas palavras promovem uma interrupção abrupta na narrativa: como o episódio trágico pelo qual passou Roseana. Mas a história, como se sabe, não acaba aí.

— Foi ideia do ilustrador. Eu achei que ficou espetacular, e muito impactante. Não precisa dizer muito — conta Roseana, que afirma ter dois aniversários: um no dia que veio ao mundo, em dezembro, e outro quando nasceu o braço mágico, em abril. — O lançamento do “Braço Mágico” vai ser como uma festa de aniversário do meu renascimento.

O livro retoma a narrativa explicando o que muda: para tarefas simples do dia a dia, como cozinhar, por exemplo, ela precisa de ajuda de outras pessoas.

— Os primeiros dias foram de muita, muita dor. As feridas abertas. Agora tem dias melhores e piores. Eu levo mais tempo para fazer as coisas. Ainda não me atrevi a cozinhar, preciso de alguém comigo — diz ela, que ainda estuda a adoção de uma prótese. — Talvez a gente consiga uma comum, para ajudar no apoio e no equilíbrio. Meu sonho é a prótese biônica, mas é muito cara.

Processo de adaptação
Os últimos quatro meses foram de adaptação. Ela explica que o braço amputado ainda dói, com espasmos e pontadas afiadas, como uma dor fantasma. Fisioterapia é prática semanal, assim como as aulas de italiano e francês.

A literatura tem ajudado. Além de escrever, ela lê outros livros em que os personagens passaram por amputações, em busca de referências.

Muito apoio da família e carinho de gente de todo o canto são parte do “remédio”. Autora premiada de literatura infantil, com mais de cem livros publicados, ela ganhou mais notoriedade depois do incidente.

— As pessoas vêm aqui em casa, me reconhecem na rua, mandam flores. Foram muitos anjos no meu caminho. Tinha uma criança que vinha quase todos os dias com a mãe e ficava esperando do outro lado da rua para me ver. Um dia nos encontramos. Ela só me abraçava — relata.

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Na última terça-feira, Roseana fez uma nova carteira de identidade e a rubricou com mão esquerda. “Assinatura ainda é difícil”, diz ela, que não tem treinado muito. Ao lado de Juan Arias, seu companheiro de vida, ela celebra animada o lançamento do livro novo.

— Acho que esse livro serve para várias idades. Uma criança com deficiência vai se encontrar, mas uma criança sem deficiência e um adulto também podem.