ELEIÇÕES

Eleições 2024: mais da metade dos municípios do Brasil só teve prefeitos homens em duas décadas

Localidades sem histórico de prefeitas inclui capitais como o Rio, BH, Porto Velho, Belém e Rio Branco

Eleitores votando - Fernando Frazão/Agência Brasil

Com uma das menores taxas de representatividade feminina no Congresso entre países do G20, o Brasil também tem deixado mulheres de fora do poder na esfera municipal.

Levantamento feito pelo jornal O Globo com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que em 3.555 cidades (63,8% do total do país), apenas homens comandaram as prefeituras nas últimas duas décadas. Além disso, 27 municípios não elegeram vereadoras no mesmo período, desde a eleição de 2000.

A lista das localidades sem histórico de prefeitas inclui capitais como o Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Velho, Belém e Rio Branco.

Em São Paulo, maior cidade do país, a última eleita foi Marta Suplicy (PT), em 2000. Neste ano, seu nome retornará às urnas, mas desta vez na posição de vice na chapa de Guilherme Boulos (PSOL).

Em 2020, data das últimas eleições municipais, 18% das cidades (ou 978 municípios) não elegeram nenhuma mulher para as Câmaras Municipais. O dado consta do estudo "Desigualdades de Gênero e Raça na Política Brasileira", produzido pelo Instituto Alziras, organização voltada para ampliar a participação de mulheres na política.

Já para as prefeituras, apenas 12% dos municípios passaram a ser comandados por mulheres em 2020. Em 2016, esse índice era de 11,5%. Neste ritmo, aponta o estudo, seria preciso 144 anos para alcançar a igualdade de gênero.

Nos dois últimos pleitos municipais, apenas duas capitais elegeram mulheres para o executivo municipal em todo o país: Palmas (TO), em 2020, e Boa Vista (RR), em 2016.

"Fiquei bastante surpresa em 2020 ao saber que era a única mulher eleita de todas as capitais. Foi um espanto saber que há partidos que ainda não incentivam essas candidaturas e que não é prioridade, ainda que saibam da responsabilidade e necessidade de se ter mulheres nesses espaços de poder. Torço para ampliarmos a presença de mulheres nas eleições municipais de 2024 e espero um cenário diferente neste ano", disse a prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro (PSDB), única mulher eleita em capital nas eleições de 2020.

No geral, as mulheres estão concentradas em municípios menores, governando apenas para 9% da população do país.

O número é ainda menor quando o recorte também inclui o fator racial. De acordo com o estudo, mulheres pretas comandam apenas 4% dos municípios do país. Já no recorte de vereadoras, 57% dos municípios não têm sequer uma vereadora preta eleita.

A diretora do Instituto Alziras, Michelle Ferreti, aponta que mesmo quando eleitas, as mulheres enfrentam dificuldade para impor suas pautas.

Ela avalia que uma mudança de cenário passa por mais acesso aos recursos financeiros de campanha, além das políticas de cotas para gênero e raça. Desde a disputa de 2020, é obrigatório que cada partido inclua, no mínimo, 30% de mulheres candidatas nas chapas de vereadores e de deputados.

"O que a gente vê é que, quando elas conseguem se eleger, são minoria nos espaços. E uma mulher sozinha tem mais dificuldade de colocar suas pautas, ocupar espaço nas mesas diretoras e presidir comissões importantes nos espaços legislativos", disse Ferreti.

"Diversificar esses espaços é muito necessário, porque não podemos falar de uma democracia forte se a maioria do nosso país não está ocupando os espaços de poder".

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, disse que sua pasta trabalha desde o ano passado para ampliar a participação de mulheres nos espaços de liderança, o que significa, também, fazer um trabalho de combate à violência política de gênero.

Gonçalves avalia que há questões mais específicas relacionadas ao gênero que impõem desafios para a participação de mulheres nas eleições. Entre eles, estão as responsabilidades domésticas e de cuidado, tarefas majoritariamente atribuídas às mulheres.

"As mulheres são responsáveis pelo cuidado da casa. Antes de serem candidatas, elas pensam como vai ficar a família e muitas vezes optam por não serem candidatas. Esse é um desafio que precisa ser trabalhado no país. Quais políticas de cuidado podem permitir que essas mulheres estejam nos espaços de disputa?", afirmou a ministra ao GLOBO.

De acordo com o Instituto Alziras, a divulgação de informações falsas, ataques, ofensas e discurso de ódio e constrangimento pela exposição da vida familiar aparecem entre as violências mais frequentes apontadas na campanha de 2020.

"Essa ausência está relacionada a assédio, violência patriarcal, violência política e como mulheres são violadas no seu direito ao trabalho. Muitas vezes as candidatas têm uma proposta inovadora e, pela violência política, perdem a possibilidade de exercer. As comunidades precisam estar atentas a essas denúncias", comenta a presidente da organização Elas no Poder, Thânisia Cruz.

Como mostrou o GLOBO, dados atualizados do Ministério Público Eleitoral mostram que os casos violência política contra mulheres aumentou três vezes neste ano em relação a última eleição. Em 2024, somente até agosto — ou seja, antes de as campanhas começarem —, 17 procedimentos já foram abertos. Há quatro anos, foram 6 ao todo.