Mensagens apontam uso informal de órgão do TSE por gabinete de Moraes para abastecer investigação
Ministro do Supremo Tribunal Federal diz que todos os procedimentos foram regulares e devidamente documentados, com participação da Procuradoria-Geral da República
Uma reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo nesta terça-feira afirma que um auxiliar do ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF) pediu, de forma não oficial, a produção de relatórios de investigação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para embasar decisões no chamado inquérito das fake news, instaurado pela Corte para apurar ataques a ministros.
Em nota, o gabinete do magistrado diz que “todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República”.
Segundo a reportagem, o foco desses relatórios eram postagens em redes sociais de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro com ataques à Corte, à lisura das eleições, além de incitar militares contra o resultado das urnas.
As mensagens obtidas pelo jornal são atribuídas a Eduardo Tagliaferro, então responsável pela Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE, e ao juiz Airton Vieira, auxiliar do gabinete de Moraes no STF.
As conversas, segundo o jornal, mostram que o órgão do TSE foi usado como braço investigativo do gabinete de Moraes com a produção de relatórios para embasar decisões do ministro contra bolsonaristas.
A reportagem cita como exemplo da "atuação informal" entre TSE e STF episódios envolvendo a produção de relatórios sobre postagens dos jornalistas Rodrigo Constantino, Paulo Figueiredo e do pastor André Valadão, apoiadores de Bolsonaro e investigados no inquérito das fake news que tramita no Supremo.
A Folha diz que os áudios dos auxiliares mostram que os pedidos para a produção dos relatórios partiam do próprio Moraes.
Em um dos diálogos divulgados pela reportagem, Vieira pede um complemento dos relatórios sobre Constantino, atendendo a um pedido do ministro do STF.
Dias depois dessa conversa, em janeiro de 2023, Vieira enviou para Tagliaferro cópia de duas decisões sigilosas de Moraes para quebra de sigilo bancário de Constantino e Figueiredo, bem como o cancelamento de seus passaportes, bloqueio de suas redes sociais e intimações para que fossem ouvidos pela Polícia Federal. As medidas foram tomadas dentro do inquérito das fake news.
Em outro caso, cerca de um mês antes, o próprio ministro teria feito pedidos que chegaram à Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, de acordo com o jornal, que mostra a reprodução de uma mensagem encaminhada em um grupo de aplicativo chamado "Inquéritos".
A mensagem mostra o ministro enviando postagens de Constantino, uma delas questionando o fato de o partido de Bolsonaro, o PL, não ter feito um questionamento ao TSE — não fica claro sobre qual tema.
"Peça para o Eduardo analisar as mensagens desse (Constantino) para vermos se dá para bloquear e prever multa", diz a mensagem de Moraes, cujos prints foram enviados a Eduardo Tagliaferro, segundo o jornal. "Já recebi" e "Está para derrubada", responde o assessor do TSE em duas mensagens revelada pela Folha.
Em outro diálogo, o juiz auxiliar do ministro do Supremo reconhece que o formato em que as solicitações estavam sendo realizadas poderia suscitar questionamentos futuros sobre a legalidade do compartilhamento de informações.
"Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda (um pedido) pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato", diz em áudio enviado em 10 de outubro de 2023, durante a campanha eleitoral daquele ano, de acordo com a Folha.
Em outro áudio, enviado três dias depois, em 13 de outubro de 2023, o juiz auxiliar afirma que Moraes determinara que o fluxo das informações se desse pelos meios formais, por meio de ofícios entre os tribunais.
"O ministro pediu que daqui pra frente todos os relatórios, ele quer que venham acompanhados dos respectivos ofícios de encaminhamento. Especialmente esses mais delicados, para que se evite qualquer questionamento futuro. Ele quer procedimentalmente tudo em ordem", diz Vieira.
Dias depois, em 19 de outubro, Vieira faz um novo pedido para produção de um relatório sobre o pastor André Valadão, mas com a ressalva de que teria que ser no novo formato. "Como combinamos? De origem do Dr Marco?", questiona Tagliaferro, em referência ao juiz Marco Antonio Vargas, que atuava no gabinete de Moraes no TSE.
Em nota, o gabinete de Moraes afirma que os "relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais". Também procurados, Vieira e Tagliaferro não se manifestaram.
Leia a íntegra da nota de Moraes:
"O gabinete do Ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das investigações do Inq 4781 (Fake News) e do Inq 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições. Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais. Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República. Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República".