Ex-primeira-dama da Argentina testemunha durante quase 4 horas sobre ataques de Alberto Fernández
A ex-primeira-dama descreveu três atos de violência física e aludiu a outros ataques constantes; Ele disse que começou a beber depois de um aborto que ele a incentivou a fazer
Era 15h09 em Madrid quando a ex-primeira-dama da Argentina Fabiola Yañez chegou ao consulado para depor pela primeira vez diante da Justiça sobre os graves atos de violência pelos quais denunciou o ex-presidente Alberto Fernández, seu ex-companheiro. Durante quase quatro horas, ela forneceu detalhes sobre diferentes episódios de agressões e comprometeu-se a apresentar novas provas, incluindo conversas e atestados médicos.
Segundo soube La Nacion, de fontes que acompanharam o depoimento, Yañez reiterou que o ex-presidente a agrediu e causou ferimentos graves; contou que a humilhava constantemente e que a ameaçava e assediava. Pela primeira vez diante da Justiça, relatou com detalhes três episódios de violência física e confirmou tudo o que havia denunciado no documento apresentado na segunda-feira no consulado, onde falava de ataques "constantes".
A ex-primeira-dama afirmou na sua apresentação desta terça-feira que as fotos que foram publicadas de seu rosto e braço com hematomas (que a Justiça conhece porque são as mesmas que estavam no telefone da secretária de Alberto Fernández) são resultado da violência que ele exerceu sobre ela em 2021 e ratificou também o conteúdo da conversa em que ela o acusa dos socos e ele não os nega. Yañez não apresentou novas fotos nem documentos, mas adiantou que possui elementos que entregará à Justiça. Como já havia dito publicamente, declarou que o pior momento, o mais violento, foi no último ano do governo de Fernández. Reiterou que o ex-presidente a fazia responsável pelos seus problemas políticos, incluindo a derrota eleitoral de 2021.
Em sua descrição sobre como ocorreram as agressões físicas, contou, por exemplo, que em um desses episódios ele a agarrou violentamente pelo pescoço. Também relatou que começou a consumir álcool após um aborto que ele a incentivou a fazer, em 2016, anos antes de Fernández ser eleito presidente. Além disso, falou sobre um tratamento psiquiátrico ao qual foi submetida.
A audiência, presidida pelo promotor Ramiro González, foi dividida em três blocos, segundo fontes judiciais. Informaram que em três momentos ela se emocionou, chorou e teve dificuldade em continuar, mas disseram que em todo momento ela parecia decidida a depor.
A ex-primeira-dama manifestou que havia pessoas do governo cientes do que estava acontecendo com ela. Uma delas era María Cantero, a secretária privada histórica de Fernández, para quem ela enviou as fotos com marcas em seu corpo; outra era Federico Saavedra, chefe da Unidade Médica Presidencial durante a gestão de Fernández, que segundo Yañez sabia das suas lesões e da origem; e a terceira era Ayelén Mazzina. Yañez já havia contado que pediu ajuda a Mazzina durante uma viagem que fizeram ao Brasil enquanto Mazzina era ministra das Mulheres, Gêneros e Diversidade. Segundo Yañez, a então funcionária de Fernández não fez nada.
O promotor González está agora preparando um parecer em que precisará os fatos que serão investigados no caso e tomará as primeiras medidas de prova, que incluirão a convocação de testemunhas, conforme informaram fontes judiciais.
A audiência desta terça-feira começou meia hora mais tarde porque Mariana Gallego, advogada de Yañez, pediu que fosse impedida a defesa de Alberto Fernández de participar do depoimento. Nesta terça de manhã, o juiz federal Julián Ercolini acatou esse pedido.
Estava claro que Fernández - acusado de agressões, abusos psicológicos, assédios e ameaças reiteradas - não poderia participar da audiência de hoje (ele tem uma proibição de qualquer tipo de aproximação com Yañez, mesmo virtual), mas Ercolini decidiu que sua advogada, Silvina Carreira, também não poderia estar presente, embora tenha se apresentado na promotoria com o intuito de participar da audiência.
O pedido que Ercolini acatou foi feito pela advogada de Yañez depois que a defesa foi notificada da audiência. O princípio é que a defesa de todo acusado em um caso penal pode assistir aos depoimentos e fazer perguntas. Mas em casos de violência de gênero costumam ser aplicadas regras especiais para garantir a proteção das vítimas, como que a defesa não esteja na mesma sala que a denunciante ou que não possa se comunicar diretamente com ela.
Na segunda-feira, quando a promotoria notificou a defesa sobre a audiência - antes do pedido da acusação e da decisão de Ercolini - a ideia era que Carreira pudesse participar ou apresentar uma lista de perguntas para que a promotoria as fizesse a Yañez. A advogada de Fernández denunciou que, finalmente, não foi permitido fazer nenhuma das duas coisas. Carreira voltou por volta das 11 à promotoria, no quinto andar do edifício Comodoro Py 2002. Disse que estava ali para deixar constância de que não a deixaram entrar nem apresentar seu questionário. Fez a mesma reclamação na mesa de entradas do tribunal de Ercolini, um andar abaixo. Fontes judiciais disseram, no entanto, que nunca foi impedida de apresentar seu questionário, que ela não o solicitou.
"O juiz diz que a presença da defesa na audiência poderia revitimizar a vítima", afirmou a advogada diante das câmeras de televisão que esperavam na porta do Comodoro Py 2002. E continuou: "Está muito bem não revitimizar, mas se ela pode dar uma entrevista televisiva de muitas horas, com detalhes, não a revitimiza tanto o depoimento."
A advogada de Fernández alertou: "Podem ser tomadas várias medidas, como perguntar por intermédio de outra pessoa, que não se me veja no Zoom. Por que não são permitidas as perguntas dessa defesa para que meu cliente possa exercer o direito constitucional que lhe é devido?"
Carreira disse estar convencida de que o depoimento de Yañez é nulo porque não foi permitida sua presença na audiência e, assim, foi violado o direito de defesa.
Em Madrid
O depoimento de Yañez foi via Zoom. Em Madrid estavam ela, sua advogada e as autoridades do consulado. Em Buenos Aires, o promotor González; o secretário da promotoria, Santiago Schiopetto; e duas funcionárias do Ministério Público Especializadas em temas de gênero e assistência às vítimas: Mariela Labozzetta, titular da Procuradoria Especializada em Violência contra as Mulheres (UFEM), e Malena Derdoy, responsável pela Direção Geral de Acompanhamento, Orientação e Proteção às Vítimas (Dovic).
Quando Yañez chegou na manhã de terça-feira ao consulado, veio de carro, acompanhada apenas por um motorista. Estava vestida com um terno branco, óculos de sol e cabelo preso. Sua advogada havia entrado a pé um minuto antes. Saíram juntas e a ex-primeira-dama evitou os meios de comunicação que a esperavam.
Gallego, sua advogada, disse: "Ela pôde depor, se sentiu muito bem, muito apoiada, muito acompanhada, especialmente pela promotoria e pelo tribunal que está intervindo. Agora, só resta confiar na Justiça e nos trâmites processuais. Agora é necessário seguir o processo judicial. Não acho que será necessário que ela volte a depor." Também nos tribunais de Comodoro Py acreditam que, a princípio, não voltarão a convocar Yañez. Dizem que com o depoimento desta terça-feira, a promotoria está em condições de precisar o objeto do caso e avançar com outras medidas de prova para determinar se Alberto Fernández é culpado ou não dos fatos que sua ex-companheira o acusa.