VENEZUELA

Proposta de novas eleições lançada por Amorim causa mal estar entre chavistas e opositores

Governo Lula analisa trechos do texto sobre violações dos direitos humanos

Proposta foi confirmada por Celso Amorim, chefe da assessoria especial da Presidência da República - Will Shutter/Câmara dos Deputados

Sem avanços na tentativa por parte de Brasil e Colômbia de iniciar um processo que permita abrir um espaço de negociação entre o governo de Nicolás Maduro e a oposição liderada pelo candidato presidencial Edmundo González Urrutia e María Corina Machado, a proposta de realizar novas eleições no país, lançada na última terça-feira pelo assessor internacional da Presidência, Celso Amorim, gerou confusão e mal estar em Caracas.

O Palácio Miraflores e sua oposição mais forte não querem, afirmaram ao Globo fontes de ambos os lados em disputa, repetir um pleito que os dois dizem ter certeza que ganharam.

Como resumiu o site de notícias Caracas Chronicles, a ideia que circula no Palácio do Planalto e foi confirmada por Amorim ao jornal Valor Econômico é "uma proposta fraca que nenhum dos lados estará disposto a aceitar, que apenas serve como prova de que as negociações não avançam”.

A realização de novas eleições é um dos cenários que o Brasil incluiu numa lista de possibilidades, em debate no Planalto e no Itamaraty nas últimas duas semanas.

Esse cenário foi mencionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa reunião ministerial semana passada e, perguntado sobre o assunto,

Amorim não apenas confirmou a ideia, como assumiu sua autoria. Suas declarações chegaram rapidamente a Caracas e provocaram uma enxurrada de comentários — na grande maioria negativos — sobre a proposta.

Repercussão 
Nas redes sociais, influenciadores ligados a dirigentes de peso do chavismo como Indira Urbaneja, para muitos uma espécie de porta-voz informal de Diosdado Cabello, presidente do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), expressaram fortes questionamentos às declarações de Amorim.

“Celso Amorim, um reconhecido diplomata brasileiro… a quem sempre admirei, defende a repetição das eleições. Talvez Celso não tinha entendido a fundo a questão. Podemos fazer 100 eleições e nas 100 dirão que houve fraude, porque na Venezuela uma eleição não se trata apenas de ganhar ou perder. Nas atuais circunstâncias, uma eleição na Venezuela é tudo ou nada, por isso a complexidade”.

Indira acrescentou: “Celso tampouco entendeu que nós temos de esperar um pronunciamento do Tribunal Superior de Justiça. Propor qualquer cenário antes disse é violar nossa ordem jurídica. Celso tampouco entendeu que este país votou e que pela simples teimosia de uma menina [em referência à María Corina] não teríamos por que desconhecer o resultado que todos conhecemos”.

O governo Maduro não se pronunciou oficialmente sobre as declarações de Amorim, mas após a fala do assessor presidencial houve contatos entre a embaixadora do Brasil em Caracas, Glivânia Maria de Oliveira, e autoridades da Chancelaria venezuelana.

Posicionamento da oposição
A oposição, por outro lado, já vinha descartado a realização de novas eleições. A própria María Corina disse, em entrevista recente ao Globo, que um dos pontos de partida para uma eventual negociação com o governo Maduro deve ser “o resultado da eleição deu 28 de julho”.

O diretor adjunto da campanha opositora nos Estados Unidos, David Smolansky, foi enfático em sua resposta a Amorim:

— Nós queremos uma transição, não uma repetição de eleições. Deve ser respeitado o mandato da maioria dos venezuelanos, expressado no dia 28 de julho.

Outro dirigente da oposição, próximo de González, afirmou que as declarações de Amorim também foram vistas como uma maneira de o Brasil “pressionar mais o governo Maduro". Mas parece pouco provável que o governo aceite a realização de novas eleições.

Analistas locais têm a mesma sensação. Hoje, os únicos interessados em realizar outro pleito são candidatos opositores não competitivos, que defendem, até mesmo, a não participação de Maduro e González.

Fontes diplomáticas brasileiras admitiram que a ideia lançada por Amorim “não decolou em Caracas, nem entre chavistas, nem entre opositores”. Os menos interessados, frisaram as fontes, são os representantes do governo Maduro.

Debate na OEA
Em paralelo, vários governos da região tentam aprovar na Organização Geral de Estados Americanos (OEA) um projeto de resolução sobre a situação na Venezuela.

As discussões estão intensas, e o governo Lula conseguiu algumas concessões por parte de outros governos, que poderiam facilitar o apoio do Brasil à iniciativa. Há pressões dos Estados Unidos para que a Colômbia de Gustavo Petro também apoie a resolução, mas o cenário ainda é incerto.

O Globo teve acesso a uma versão preliminar do texto, na qual fala-se sobre a situação em matéria de repressão — o ponto mais sensível para Brasil e Colômbia, que não querem arriscar o diálogo com o governo Maduro — e eleições.

No trecho referente a resoluções, o ponto 6, numa das versões preliminares, fala em “instar o Conselho Nacional Eleitoral da República Bolivariana da Venezuela a que publique de maneira rápida as atas com os resultados da votação das eleições presidenciais de cada mesa eleitoral e respeite o princípio fundamental da soberania popular através da verificação imparcial dos resultados, acordada por todos os atores políticos… e que garanta a transparência, credibilidade e legitimidade do processo”.

Com este ponto, disseram fontes diplomáticas brasileiras, o governo Lula está de acordo.

As dificuldades para Brasil e Colômbia surgem no ponto 2, no qual fala-se sobre repressão.

A mesma versão preliminar propõe “exigir com maior firmeza o respeito pelos direitos humanos e as liberdades fundamentais, o direito à vida, à liberdade e à segurança das pessoas, especialmente o direito a reunir-se pacificamente e aos plenos direitos civis e políticos sem retaliações, o direito a não ser submetido a detenções e prisões arbitrárias, o direito a um julgamento imparcial como prioridade absoluta”.

Neste ponto, países como Brasil e Colômbia estão em fase de consultas com seus governos.

Uma resolução na OEA não teria impacto algum na prática mas, caso seja apoiada por Brasil e Colômbia, e dependendo do teor do texto, poderia impactar na tentativa de uma futura mediação.