Venezuela

Crise na Venezuela: Brasil manteve contatos entre Itamaraty e María Corina em sigilo

Em audiência no Senado, assessor especial da Presidência, Celso Amorim, confirmou que a líder opositora tem interlocutores de alto nível no governo Lula

María Corina Machado denuncia fraude na contagem de votos em eleição presidencial - Federico Parra/AFP

Há pelo menos três meses, a líder opositora venezuelana María Corina Machado mantém contatos com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva através do Itamaraty, segundo confirmaram ao Globo fontes oficiais.

Em audiência na Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, nesta quinta-feira, o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, respondendo a perguntas do senador Sergio Moro (União Brasil-PR), admitiu contatos de María Corina "em nível alto" do governo brasileiro, sem dar detalhes.

Numa clara divisão de tarefas, esses contatos foram, desde um primeiro momento, com o Ministério das Relações Exteriores, seguindo orientações do próprio presidente.

As conversas da líder opositora venezuelana com o Itamaraty foram mantidas em sigilo para evitar tensões com o governo do presidente Nicolás Maduro, antes mesmo da eleição presidencial de 28 de julho.

María Corina admitiu, em entrevista recente ao Globo, que falava com representantes do governo Lula, mas não revelou quem era seu interlocutor.

Foi feito a ela o pedido de não dar informações sobre esses contatos, que fazem parte da tentativa do Brasil de ter canais fluidos de diálogo com os dois lados em disputa na Venezuela.

Uma disputa que se acirrou após a eleição de 28 de julho.

Desde então, os cuidados do governo brasileiro têm sido ainda mais rigorosos, para evitar qualquer situação que possa prejudicar a tentativa de criar um espaço de eventual negociação entre Maduro e a oposição liderada por María Corina.

Em Caracas, Amorim recebeu na residência da embaixadora brasileira, Glivânia Maria de Oliveira, o candidato presidencial da oposição Edmundo González Urrutia.

Naquele momento, um dia após a eleição, o convite foi feito apenas ao candidato.

O assessor especial da Presidência não quis incluir María Corina, situação que, comentaram fontes da oposição, irritou a líder opositora, mas não ao ponto de pedir a González Urrutia que não comparecesse ao encontro.

O candidato opositor foi, e a conversa, confirmou Amorim nesta quinta, foi boa.

María Corina já estava falando com o Itamaraty, e por isso aceitou ser excluída da reunião com o enviado de Lula a Caracas.

Falar com o Palácio do Planalto ou com o Itamaraty pode parecer a mesma coisa, mas não é.

O Brasil tomou o cuidado de evitar contatos entre os assessores de Lula e a líder opositora porque, nesse caso, a reação do Palácio Miraflores poderia ter sido, até mesmo, a interrupção das conversas com o governo Lula.

Já conversas com o Itamaraty são mais toleradas.

De qualquer forma, a cautela é a palavra de ordem.

Apesar de reconhecer a extrema dificuldade do panorama, o Brasil quer manter todos os canais de diálogo abertos.

— A solução [para a crise venezuelana] deve ser encontrada pelos venezuelanos e não imposta de fora — declarou Amorim na audiência na CRE do Senado.

O assessor de Lula acrescentou que “não adianta a pressão de países que não têm acesso [aos lados em disputa]”.

— A solução deve vir do diálogo, é difícil, mas deve ser tentado — frisou Amorim.

As conversas com María Corina fazem parte dessa tentativa, que hoje vive um cenário de impasse.

O telefonema entre Lula e o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, na última quarta-feira, não permitiu grandes avanços.

O chanceler Mauro Vieira está em Bogotá, onde terá conversas com seu par colombiano, Gilberto Murillo.

Segundo fontes do governo brasileiro, “ainda não há propostas sobre a mesa”.

Nesse sentido, Amorim assegurou que “é preciso pensar fora do quadrado”, e enfatizou:

— A impaciência não é boa conselheira —.