AMÉRICA CENTRAL

Falta de água, a grande ameaça ao canal do Panamá em seu aniversário de 110 anos

Estima-se que cerca de 6% do comércio marítimo mundial passe pela via panamenha, que é de água doce

Canal do Panamá - Arnulfo Franco/AFP

O Canal do Panamá enfrenta, 110 anos após sua inauguração, a ameaça de ficar sem água devido às mudanças climáticas, em meio aos conflitos internacionais e à concorrência de outras rotas comerciais, disseram seus principais responsáveis à AFP nesta quinta-feira (15).

A via panamenha, que funciona com água doce, comemorou seu aniversário nesta quinta enquanto se recupera de uma seca que, no final de 2023, forçou a redução de 38 para 22 no número diário de navios que transitam pelo canal.

As autoridades projetam construir um reservatório em um rio próximo para fornecer mais água ao canal, mas mais de 2.000 pessoas teriam que ser realocadas. A mesma bacia abastece com água potável metade dos quatro milhões de panamenhos.

O canal foi construído pelos Estados Unidos, que ajudaram o Panamá a conquistar sua independência da Colômbia em 1903.

Após uma batalha geracional, o Panamá recuperou a via em 1999, depois um acordo assinado em 1977 pelo líder nacionalista panamenho Omar Torrijos e pelo então presidente dos EUA, Jimmy Carter.

Estima-se que cerca de 6% do comércio marítimo mundial passe pela via panamenha, cujos principais usuários são os Estados Unidos e a China.

Em entrevistas à AFP, o administrador do Canal, Ricaurte Vásquez, e o ministro para Assuntos do Canal, José Ramón Icaza, abordam esses temas.

Pergunta: Quais são os grandes desafios do canal?

Vásquez: A questão da água é um desafio nacional. Existem formas de resolver isso para que não haja um conflito entre o consumo humano e o trânsito pelo Canal do Panamá. Calculamos que até o final do ano devemos retornar à normalidade [nos trânsitos] se o padrão de chuva se mantiver.

Icaza: O principal desafio é garantir a segurança hídrica e manter a confiança na rota para que nossos clientes e usuários sempre prefiram o Canal do Panamá. Nesse sentido, temos trabalhado, não de agora, mas há quase 90 anos, em várias alternativas.

P: Entre essas alternativas está o reservatório do Rio Indio. Como está esse projeto?

Vásquez: O respeito aos direitos das pessoas vem antes do desenvolvimento de qualquer projeto de infraestrutura. A Sustentabilidade começa pela sustentabilidade humana, e, para nós, respeitar os direitos das pessoas na bacia é a prioridade que temos em mente.

Icaza: Temos avançado em conversar primeiramente com as comunidades que poderiam ser afetadas caso o projeto seja realizado. Da mesma forma, estamos analisando outras alternativas para garantir a segurança hídrica para os próximos 50 anos.

P: O canal se sente ameaçado com projetos como o Trem Maya no México, o hipotético canal da Nicarágua ou o canal seco na Colômbia?

Vásquez: Sabemos que não estamos sozinhos no jogo. Existem ameaças de todo tipo, algumas mais visíveis que outras. Mas 110 anos de operação contínua e 500 anos de tradição comercial são elementos que nenhum outro país pode trazer à mesa.

Foto: Arnulfo Franco/AFP

Icaza: Essas ideias sempre existiram, e o que eu sempre comento é que, na medida em que o Canal do Panamá se concentre em realizar seus investimentos, em garantir a segurança hídrica e, por conseguinte, ter a confiança dos mercados, deve ter negócios e deve seguir em frente sempre.

P: Como os conflitos internacionais afetam o canal?

Vásquez: Tudo o que acontece na Ucrânia ou no Oriente Médio, ou um conflito comercial entre os Estados Unidos e a China nos afeta. [Com a guerra na Ucrânia] Todo o tráfego de gás natural liquefeito que passava do Golfo do México para a Ásia pelo Canal do Panamá foi perdido porque agora vai do Golfo do México para a Europa [devido às sanções contra a Rússia]. Haverá ameaças, sempre haverá ameaças, e devemos estar atentos.

Icaza: A guerra na Ucrânia nos afeta [...], mas também temos a situação que ocorre no Oriente Médio, que está afetando o Canal de Suez e toda a questão de segurança, o que gerou um certo benefício para o Panamá.

P: Como o Canal contribuiu para o comércio mundial?

Vásquez: Nós contribuímos ao mundo com nossa posição geográfica, mas além disso, acredito que deu sentido à razão de ser do país.

Icaza: O Canal do Panamá faz parte do nosso DNA como país desde que nós nascemos como República em 1903. Desde que éramos província da Colômbia já se falava em construir um canal. Portanto, representa um componente importante da nossa identidade como país.