Venezuela

Venezuela: mães criticam condições de detenção de filhos, alguns adolescentes, em meio à repressão

Mulheres e menores somam 373 dos 1.406 dos presos em meio às manifestações que varreram a Venezuela, segundo a ONG Foro Penal

Reunião com grupos locais de direitos humanos e parentes dos detidos durante os protestos após as eleições presidenciais - Juan Barreto/AFP

A jovem venezuelana Rosmery Gómez, de 25 anos, está presa no Centro de Formação de Mulheres Processadas "La Crisálida", em Los Teques, após ter sido detida no último dia 29, enquanto protestava contra a reeleição de Nicolás Maduro.

A mãe, Kegnia, pôde visitá-la na última segunda-feira, e ouviu da filha a descrição de uma rotina insalubre.

Na comida, "carne com minhocas" e "arepas com queijo podre".

O que resta para beber "é água suja". Para a mãe, nada disso é justo.

— Eles não são animais. São seres humanos e não é justo que estejam aí pelo simples facto de não concordarem com algo que não queriam — lamentou Kegnia ao jornal venezuelano El Pitazo, garantindo que a filha protestava pacificamente, inclusive ao lado de guardas nacionais. A jovem, informou o jornal, foi acusada de crimes de terrorismo, incitação ao ódio, resistência à autoridade e de perturbar a ordem pública.

Desde que Maduro foi proclamo vencedor das eleições pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, resultado contestado pela oposição, liderada por María Corina Machado, e parte da comunidade internacional, mais de 2,4 mil pessoas foram detidas durante as manifestações.

 Em seu último balanço, publicado na quinta-feira, a ONG Foro Penal afirmou que 1.406 pessoas foram presas, das quais 185 eram mulheres.

Rosmery é mãe de duas meninas, uma de 6 anos e outra de 8. Para Kegnia, uma das partes mais difíceis da detenção da filha é não saber como explicar às netas o que aconteceu, afirmando que "dói dizer que não sei se a mãe delas vai voltar pra casa".

A jovem foi detida com um primo de 18 anos, que foi transferido para o centro de reclusão de Yare, no estado venezuelano de Miranda.

Os jovens, segundo o jornal, trabalhavam em uma pré-escola.

— Não desejo isso a ninguém. É a pior coisa que nos pode acontecer como mães, tias, avós ou qualquer familiar — disse Kegnia.

"Eles são inocentes"
A dor e indignação também são partilhadas pela mãe do adolescente Adrián (nome fictício), de 16 anos.

Aos prantos, Letícia Torrealba contou ao jornal Voz da América que o filho, um estudante do ensino médio que alega ser inocente, não participava das manifestações contrárias ao regime, apenas "caminhava" em uma rua na capital Caracas quando foi detido por um grupo de policiais, sem provas.

Uma situação parecida ocorreu com a jovem Victória, de mesma idade.

A adolescente, que é membro da orquestra sinfônica de sua cidade e sabe tocar quatro instrumentos, foi detida no último dia 29, segundo sua mãe, Carmen Morrilo, quando "saiu para passear" com um primo.

A última vez que a viu foi em uma prisão.

A mãe pediu a liberação da filha, descrita por ela como "uma menina muito nobre, muito empática, muito humanitária", e negou qualquer culpa.

Adrián, por sua vez, ficou sem ver a mãe durante oito dias.

Passou muitas noites acordados em sua cela escura, em uma instalação policial, sem ventilação e ao lado de presos maiores de idade.

Duas semanas depois, ele ainda não sabia quem seria seu defensor público nem de que estava sendo acusado.

— Eles são inocentes, não sabem nada sobre isso. É uma coisa absurda — afirmou Torrealba ao jornal.

Entre os mais de mil presos registrados pela ONG Foro Penal, 117 são adolescentes (segundo a lei venezuelana, pessoas entre 12 e 17 anos).

De acordo com a ONG Victims Monitor, citada pelo jornal La Patilla, dos 23 mortos (o procurador-geral venezuelano, William Saab Tarek, fala em 25), um deles é adolescente.

Ele foi identificado como Isaías Fuenmayor, de 15 anos, baleado durante um protesto em Zulia, no dia 29. Segundo relatos da imprensa local, ele não participou das manifestações.

O jornal La Patilla também cita uma adolescente grávida entre os menores detidos.

Segundo o jornal, Mérida, de 16 anos, teria sido ameaçada pelos soldados da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), que afirmavam: "Vamos fazer você abortar! Para que você não tenha filhos terroristas!"

Crítica à detenção de menores
Muitos defensores de direitos humanos têm criticado as acusações contra adolescentes perante tribunais dedicados para lidar exclusivamente com crimes de terrorismo, a recusa de advogados privados ou de confiança, a falta de comunicação com suas famílias e as transferências para prisões comuns.

— A grande maioria dos 118 ainda está privada de liberdade por crimes como instigação ao ódio e terrorismo, apenas alguns foram libertados, incluindo a menina grávida de Mérida. São pessoas de muito baixa renda. A maior parte deles foram detidos porque estavam nas ruas, passando pela manifestação ou protestando pacificamente. Todos foram detidos em massa, incluindo menores e deficientes — explicou o presidente da ONG Foro Penal, Alfredo Romero, ao jornal El Mundo.

O coordenador de CECODAP, organização que atua a promoção e defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes na Venezuela desde 1984, Carlos Trapani, alertou ao jornal La Patilla sobre um "padrão" de criminalização das ações de protestos no país, reivindicando o direito de todos os cidadãos, incluindo crianças e adolescentes, de expressar sua opinião e manifestar-se de maneira pacífica, entre outras coisas.

Ele também destacou que é dever do Estado garantir esses direitos.

Trapani explicou que, no caso de adolescentes, os períodos de apresentação em tribunal devem durar "não mais de 24 horas".

O coordenador da organização também descreveu a falta de comunicação como "tratamento cruel e desumano" e lamentou a imputação de crimes por terrorismo "sem ter ocorrido um processo de investigação exaustivo" que o comprove.