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Durante onda de calor, altas temperaturas não são a única ameaça

"Quando há uma onda de calor, apenas 3% da mortalidade se deve a um golpe de calor. O calor mata agravando outras doenças", diz especialista

A Espanha experimentou em agosto de 2024 uma onda de calor de 21 dias em três das maiores cidades da Espanha - Madri, Barcelona e Zaragoza - Thomas Coex / AFP

A Espanha acaba de sair de uma onda de calor de 21 dias que sufocou três de suas grandes cidades - Madri, Barcelona e Zaragoza -, algo nocivo para a saúde, mas não apenas pelas altas temperaturas, explica Julio Díaz, pesquisador do Instituto Carlos III de Mudança Climática, Saúde e Meio Ambiente Urbano.

- O calor é a única causa de morte?
"No impacto que o calor tem na saúde, muitas coisas influem além da temperatura: influi, por exemplo, o nível de renda, a pirâmide populacional, as condições socioeconômicas, as sanitárias, a cultura do calor...

Dividimos toda a Espanha em 182 regiões (...) E em cada uma delas calculamos qual é a temperatura a partir da qual as pessoas começam a morrer de calor.

Em Sevilha, 40 ºC nem sequer é a temperatura que define uma onda de calor. No entanto, a temperatura que define uma onda de calor em La Coruña é de 26 graus.

Quando há uma onda de calor, apenas 3% da mortalidade se deve a um golpe de calor. O calor mata agravando outras doenças".

- Por que se costuma dizer que a primeira onda de calor é a mais perigosa?
"Na primeira onda de calor, há muito mais pessoas suscetíveis [de morrer] do que na segunda onda de calor porque a primeira onda de calor leva pela frente os mais ruinzinhos. Na segunda, ficam menos suscetíveis, na terceira ficam [ainda] menos suscetíveis....

Por isso se vê que a primeira onda de calor tem maior impacto na mortalidade. É o que em epidemiologia chamamos de efeito 'de colheita'".

- Por que o nível de vida é determinante?
"Sabe-se que nos bairros mais pobres o impacto do calor é maior.

Imagine, não é o mesmo passar por uma onda de calor em um quarto com três pessoas e uma janela, sem ar condicionado, sem ventilador, do que passar por uma onda de calor, a mesma, com as mesmas temperaturas, em um chalé com piscina.

Não se trata mais de ter ar condicionado ou não, mas de poder instalar um ou não. Nesta onda de calor [que atingiu o país entre 23 de julho e 12 de agosto], o preço da energia elétrica disparou na Espanha".

- O que é um golpe de calor?
"Um golpe de calor ocorre quando uma pessoa se expõe a altas temperaturas (...) e seu organismo não consegue regular essa temperatura.

Você se expõe ao sol a 42 ºC ou faz exercícios com essas temperaturas, e seu organismo, por mais que sue, que é o mecanismo que tem para regular o calor, não consegue baixar e manter a temperatura em 37 ºC.

Se o seu corpo não está mais a 37 ºC (...), seus órgãos param de funcionar como Deus manda, inclusive o cérebro. Então, ocorre uma hipertermia e essa pessoa pode falecer".

- O que é a "cultura do calor"?
"Em 2003, a Europa sofreu uma onda de calor brutal e houve 70.000 mortos em 15 dias. As pessoas não estavam preparadas, nem havia planos de prevenção, o que fez com que seu impacto fosse brutal na mortalidade. Agora, ninguém duvida que o calor mata.

As pessoas se adaptam: antes, no período de 1983 a 2003, a cada grau acima da temperatura considerada onda de calor, na Espanha a mortalidade aumentava 14%. Depois de 2003, aumenta apenas 3%.

Em uma cidade como Madri você não via ninguém de bermuda. Agora, todo mundo usa bermuda. Eu me refiro às pessoas mais velhas, quando saem para caminhar, levam seu boné, sua garrafa d'água.

Em um local onde estão acostumados a ter ondas de calor, primeiro há muitos mais aparelhos de ar condicionado; segundo, as casas estão mais adaptadas a esse calor.

As pessoas não saem nas horas centrais, a partir das 3 da tarde. Por isso existe a sesta na Espanha. Os povoados são brancos, as ruas são estreitas para que o vento circule bem".