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Networking: por que tantos profissionais temem algo tão natural para as crianças?

Fim de semana de sol, sem uma nuvem no céu azul: na praia ou no parquinho próximo, certamente haverá crianças com baldes e pás, bonecas e carrinhos. Após um tempo brincando com os pais ou sozinhas, a maioria olhará em volta e arranjará alguém do mesmo tamanho com quem brincar.

Talvez mais que um. E se no fim de semana seguinte todos se encontrarem no mesmo local, voltarão a brincar juntos e, a cada repetição, maiores as chances de vínculos duradouros se formarem.

Dando naturalmente vazão àquilo que, desde as cavernas, caracteriza o ser humano - a capacidade (e necessidade) de socialização - as crianças são um exemplo para os adultos com dificuldades de fazer algo que, quando ganhou nome em inglês, parece ter se transformado quase em física quântica.

Ao contrário dos pequenos que rapidamente superam qualquer estranhamento inicial, aproximando-se uns dos outros por compartilharem interesses em comum, muitos adultos travam só de ouvir a palavra networking.

Mas por que algo antes tão natural, como conhecer pessoas e cultivar relacionamentos, tornou-se um desafio, especialmente para os mais jovens?  Quais as razões por trás dessa dificuldade crescente de socializar em um mundo conectado cuja tecnologia, teoricamente, nos abriu a chance de conhecer e nos relacionarmos com muito mais gente que partilha conosco interesses e afinidades?

A origem do problema parece estar exatamente nessa conexão hiperveloz e exponencial, que trouxe embutido o medo da crítica, minando a capacidade natural de, simplesmente, puxar conversa.

A questão ganha contornos mais complexos no âmbito profissional, onde não é pequeno o número dos que se sentem desconfortáveis em abordar pessoas. Não estamos falando, claro, de mensagens indesejadas, propaganda inconveniente ou vendas daquilo que nunca se quis comprar. Mas sim do medo de ser rejeitado – sobretudo por não ser interessante.

Não à toa, pesquisa global da plataforma digital LinkedIn revelou, tempos atrás, que, mesmo com 80% dos entrevistados considerando o networking importante para o sucesso profissional, 39% se sentiam apreensivos em relação ao tema. 

Pior: quatro em cada dez, mesmo já tendo ultrapassado a fase das apresentações, não alimentam o relacionamento por não saber o que dizer ao reconectar. E aquilo que deveria ser simples, começa a se travestir de complexidade desnecessária.

A ponto de muitos passarem a achar que precisam de curadoria de conteúdo, alguns até contratando alguém para produzir materiais que os façam parecer mais interessantes. Tentam, assim, terceirizar algo “interceirizável”:  relações pessoais, baseadas em interesses em comum e trocas verdadeiras.

Voltemos às crianças no parquinho. O dono do brinquedo quer alguém para brincar com ele. Quem não tem brinquedo quer brincar com um. Brincar com alguém é mais divertido que sozinho - juntos podem inventar novas formas de brincar, mesmo descartando-se algumas sugestões. Quanto mais gente, mais ideias.

E a cada vez que se encontrarem para brincar, mais fluída será a brincadeira. Pois uma rede online de relacionamentos profissionais ou um evento presencial com pessoas do seu setor deveriam ser encaradas como um grande parquinho, onde sempre há algo a oferecer e a aprender. 

O primeiro passo para suplantar o desconforto é entender que todos estão ali pelo mesmo motivo: buscar conhecimento e conexões que possam ser benéficas para ambas as partes. Essa mentalidade colaborativa, semelhante à das crianças, pode reduzir a pressão e tornar as interações mais naturais e menos intimidadoras.

Claro que a rejeição faz parte do processo - nem todas as tentativas de conexão serão bem-sucedidas. Mas até uma abordagem rejeitada pode se transformar em lição para futuras tentativas, ajudando a aperfeiçoar a forma de se apresentar e se conectar com os outros.

Claro que existem algumas estratégias práticas que facilitam esse processo. É mais fácil conectar-se com alguém com quem se tem conhecidos em comum ou em ambientes onde já existe uma afinidade profissional ou, mesmo, abordando temas de sabido interesse comum.

ara tal, como em tantas outras situações da vida profissional, a empatia e a escuta ativa são essenciais. O interesse genuíno pelas histórias e experiências alheias abre portas para conversas mais profundas e significativas. Com o tempo e a prática, o networking pode se tornar tão natural quanto a brincadeira de uma criança.

* Vice-presidente de Marketing da Falconi.
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