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Setor elétrico: expansão, falta de planejamento e crise

Energia solar vem predominando sobre a eólica, devido aos preços dos equipamentos comprados no exterior

A energia solar vem alcançando uma produção significativa, que também se reflete na geração de empregos - Divulgação

A geração de energias renováveis garantiu ao Brasil a segurança no abastecimento elétrico. Tanto que o país tem hoje uma superoferta de energia. Mas, ao contrário do que parece, isso não está sendo bom, porque desencadeou uma série de problemas.

O país enfrenta hoje uma crise no setor eólico e tem problemas com a oferta de subsídios. E tudo isso pode ser incluído no pacote indigesto da falha no planejamento.

Até 2028, a oferta de energia no país crescerá quase o triplo do consumo, segundo estudo do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). E mesmo com energia de sobra, o país precisa ligar termelétricas, caras e muito poluentes.

Essa contradição se explica pelo fato de que o excedente de energia não é pleno, pois ele só ocorre durante o dia, em razão da geração de energia renovável, principalmente a solar, cuja oferta começa a cair no início da noite.

Fonte solar
No Brasil, a fonte solar ultrapassou, em maio passado, a marca de 43 gigawatts (GW) de potência instalada, número que corresponde a 18,2% ou quase 1/5 de toda a matriz energética do país.

Os dados são da Associação Brasileira de Energia Fotovoltaica (Absolar) e consideram tanto a geração centralizada (a das grandes usinas), quanto a distribuída, que é proveniente dos painéis solares instalados em diversas propriedades.

Os números do setor são impressionantes. Os investimentos na geração solar já somam R$ 202 bilhões, enquanto os empregos superaram 1,3 milhão de vagas.

Com tantos negócios prosperando, a arrecadação de impostos alcançou, no período entre 2012 e 2024, cerca de R$ 62 bilhões.

Desacarbonização
Os avanços dessa matriz energética, além de acelerar a descarbonização da economia e ajudar no combate ao aquecimento global, trazem alívio ao orçamento familiar, independência energética e prosperidade econômica.

Atualmente é a geração distribuída no segmento solar que mais cresce no Brasil. Sua potência total instalada chega a 29,2 GW e isso representa 68% da geração no setor fotovoltaico.

Considerando que 1 GW abastece em torno de 500 mil clientes, temos então, por baixo, o equivalente a 14 milhões de unidades consumidoras atendidas pela geração distribuída. 

Problemas
O problema é que esse crescimento na geração solar distribuída está impactando negativamente os negócios de outra fonte de energia, a eólica. Com tamanha oferta na geração distribuída, a demanda por energia eólica vem caindo. O desaquecimento começou no segundo semestre de 2022.

A parada de novas encomendas afetou a expansão de parques eólicos. A situação foi se deteriorando e atingiu os fabricantes de equipamentos para esses parques. A crise levou ao corte de mais de 2,5 mil postos de trabalho. A maior parte dos demitidos está no Nordeste.

Um dos principais fatores que contribuíram para essa crise é a crescente importação de painéis solares chineses, a preços cada vez mais baixos. Nos últimos anos, o preço caiu em 50%. Esse movimento tem estimulado uma expansão desenfreada da geração distribuída.

A solução do problema interessa principalmente ao Nordeste. A região é um dos maiores polos produtores de equipamentos eólicos do país e lidera a geração de energia a partir dos ventos. Dos seis estados que lideram a produção, cinco são nordestinos: Rio Grande do Norte (1º), Bahia (2º), Ceará (3º), Piauí (4º) e Pernambuco (6º). O Rio Grande do Sul fica na 5ª posição.

Soluções
Para estancar a crise, discute-se a concessão de incentivos para as exportações de equipamentos de geração a partir dos ventos. Assim as empresas brasileiras teriam outro mercado comprador.

O Custo Brasil é outra coisa a ser observada, já que para a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), ele inviabiliza a entrada dos fabricantes instalados no Brasil no comércio exterior.

A entidade também propõe um aperto nas regras dos bancos públicos para as operações de financiamento destinadas ao setor solar. Passaria a haver a exigência de um percentual de nacionalização de equipamentos, de forma a garantir “isonomia” e desestimular as importações.

Segundo a presidente da Abeeólica, atualmente existe uma “assimetria”, pois esses produtos têm apenas 20% de conteúdo nacional, enquanto, nos aerogeradores, os componentes fabricados no Brasil atingem 80%.

Também vem sendo analisada a possibilidade de um aumento na alíquota para importação de equipamentos chineses, decisão que passa pelo Ministério da Fazenda e já foi discutida pessoalmente pelos empresários com o ministro Fernando Haddad.

Subsídios
Mas, ainda que se equacione esse descompasso entre geração eólica e solar, há outro problema: o subsídio. Em entrevista ao portal G1, o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana, disse que os subsídios são os responsáveis pelo descompasso entre oferta e demanda de energia.

Os subsídios são “descontos” que o governo federal dá para incentivar as fontes de energia eólica e solar. Esses descontos são direcionados para as usinas nas tarifas de uso dos fios para distribuição e transmissão de energia. Mas, como não há almoço grátis, a conta acaba sendo paga pelos consumidores, como você que lê esse artigo agora.

Os subsídios foram mantidos mesmo depois de as novas fontes de energia se tornarem mais baratas, o que acabou incentivando a construção de mais usinas eólicas e solares. E isso deságua no outro problema: o planejamento.

Como em qualquer negócio, a oferta deve acompanhar a demanda. Quem produz mais do que o mercado quer comprar acaba ficando com estoque alto e dinheiro imobilizado, correndo sério risco de descer a ladeira indesejável do prejuízo.

Mas como foi dito acima, o Brasil terá 2,5 vezes mais energia do que precisa. Dados do ONS apontam para uma demanda de 110,98 gigawatts de energia, contra uma oferta que pode chegar a 281,56 gigawatts ao final de 2027.

Hidrogênio Verde
Mas, há algo que pode tirar o setor elétrico desta situação. A emergente indústria do hidrogênio verde (H2V), que vai demandar muita energia limpa.

A expectativa é que a futura produção de H2V consuma a energia que está sobrando no Brasil e ainda estimule a construção de mais plantas (de geração), porque é uma indústria eletrointensiva.

O presidente do Conselho da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), Luís Viga, disse ao Movimento Econômico, que para cada R$ 1 que se investir numa planta de hidrogênio verde, vai se gerar um investimento de R$ 1,30 na energia renovável, principalmente eólica e solar. A expectativa da entidade é de que ocorra um investimento de R$ 70 bilhões na produção do H2V até 2030 no País. 

Entre os executivos do setor, a expectativa é grande. Com a aprovação do marco legal do H2V, no último dia 20 de junho, muitos investimentos previstos para a implantação de fábricas do hidrogênio verde serão destravados.  

Somente no Nordeste, são quase 40 empreendimentos interessados em fazerem parte da cadeia de produção do hidrogênio verde. Desse total, dois estão no Piauí, dois em Pernambuco e mais de 30 no Ceará.

E a região pode ter um dos custos mais competitivos na produção de H2V, como já apontou um estudo da Bloomberg NEF, contribuindo, futuramente, para baixar o preço do produto no País. Agora, resta ao Brasil planejar esse crescimento para não ser surpreendido com novas crises.