De Chico Buarque a Buena Vista, ranking reúne 600 discos mais importantes da música latino-americana
Cinco jornalistas de países da região apresentam lista que traça panorama sonoro latino; Chico Buarque e João Gilberto aparecem no Top 10, com Willie Colón & Rubén Blades na primeira posição
Não foram poucas as tentativas de documentar a história e a identidade da América Latina a partir de sua música, seja a partir de estilos ou visões específicas.
Sabendo dos riscos de se fixar obras artísticas em um ranking, um grupo formado por cinco comunicadores e jornalistas de diferentes partes da América Latina se propôs há pouco mais de três anos a titânica tarefa de percorrer uma quilométrica lista de álbuns que poderiam funcionar como um panorama sonoro da riqueza musical de toda a região.
Contra todas as probabilidades, e após um longo caminho de discussões, escuta atenta e revisões, o projeto digital " Los 600 de Latinoamérica" finalmente foi lançado.
O projeto de José Luis Mercado (Peru), Jorge Cárcamo (Chile), José Juan Zapata (México), Felipe Figueroa (El Salvador) e Eduardo Rodríguez (México) aborda (como o próprio nome sugere) impressionantes 600 discos de diferentes países, épocas e estilos musicais incluídos em 102 anos de discos de 1920 a 2023.
Publicado no site 600discoslatam.com, a lista já despertou alegria, indignação e intensas discussões nas redes sociais, conquistando a atenção do público da região, bem como de críticos, jornalistas e artistas citados. Como Andrés Calamaro ou Rubén Blades, que ocupa o primeiro lugar com seu álbum de 1978, "Siembra", gravado com Willie Colón.
Veja o Top 40
- 40 "Clube da Esquina", Milton Nascimento & Lô Borges (1972)
- 39 "Mi tierra", Gloria Estefan (1993)
- 38 "Artaud", Pescado Rabioso (1973)
- 37 "Voice of the Xtabay", Yma Sumac (1950)
- 36 "Muerte", Canserbero (2012)
- 35 "Tropicália ou panis et circencis", Vários Artistas (1968)
- 34 "Canto a la mujer de mi pueblo", Los Kjarkas (1981)
- 33 "La voz de los ’80", Los Prisioneros (1984)
- 32 La candela viva", Totó La Momposina (1993)
- 31 "Barrio fino", Daddy Yankee (2004)
- 30 "Tonadas", Simón Díaz (1974)
- 29 "Camino del indio", Atahualpa Yupanqui (1955)
- 28 "Los Destellos", Los Destellos (1968)
- 27 "Samba Esquema Novo", Jorge Ben (1963)
- 26 "Chavela Vargas", Chavela Vargas (1961)
- 25 "Rosa", Agustín Lara (1958)
- 24 "Amor", Eydie Gormé & The Trio Los Panchos (1964)
- 23 "Alturas de Machu Picchu", Los Jaivas (1981)
- 22 "Acabou chorare", Novos Baianos (1972)
- 21 "Canción animal", Soda Stereo (1990)
- 20 "Tarimba negra", Chabuca Granda (1978)
- 19 "Ojalá que llueva café", Juan Luis Guerra y 4.40 (1989)
- 18 "Amor prohibido", Selena (1994)
- 17 "Nuevo Ritmo…!", Los Corraleros de Majagual (1966)
- 16 "Adiós Nonino", Astor Piazzolla y su Quinteto (1969)
- 15 "El Abayarde", Tego Calderón (2002)
- 14 "Hasta la raíz", Natalia Lafourcade (2015)
- 13 "Buscando América", Rubén Blades y Seis del Solar (1984)
- 12 "Mercedes Sosa en Argentina", Mercedes Sosa (1982)
- 11 "Buena Vista Social Club", - Buena Vista Social Club (1997)
- 10. "Dónde están los ladrones?", Shakira - (1998)
- 9. "Juan Gabriel en el Palacio de Bellas Artes", Juan Gabriel (1990)
- 8. "Son con guaguancó", Celia Cruz (1966)
- 7. "Chega de saudade", João Gilberto (1959)
- 6. "Clics modernos", Charly García (1983)
- 5. "Construção", Chico Buarque (1971)
- 4. "Al final de este viaje...", Silvio Rodríguez (1978)
- 3. "Re", Café Tacvba (1994)
- 2. "Las últimas composiciones de Violeta Parra", Violeta Parra (1966)
- 1. Siembra, "Willie Colón & Rubén Blades" (1978)
O chileno Cárcamo, um dos autores do ranking, explica que embora sua ordem não seja cronológica, o objetivo principal de contar a história da música latino-americana está presente nele de diferentes formas.
Isto permite que o índice aborde outros tipos de registros e atraia um número maior de leitores do que se tivesse sido proposta uma história muito mais sintetizada e convencional.
"Os critérios foram moldados aos poucos, mas o objetivo principal era trazer discos que contassem parte da história da música latino-americana, e tentar deixar de fora o mínimo possível ", explica Cárcamo.
"De repente estávamos escolhendo muito rock, ou havia muitos discos de rock argentino, dos quais todos somos fãs, mas tiveram que ficar de fora para poder contar uma maior variedade de histórias."
O trabalho pretende ser mais que apenas um compêndio ordenado de álbuns, expondo destaques da história musical da região, seu contexto geopolítico e evolução.
"Enquanto escrevíamos e revisávamos os diferentes artistas, percebemos como os gêneros são influenciados entre os países, por exemplo, como a cumbia chegou ao norte do México ", diz Cárcamo.
"Uma das resenhas de Andrés Landero também fala de quando ele chegou à Argentina na década de 80 e acabou influenciando o acordeão e a forma como hoje ouvimos a cumbia villera. No final percebe-se que a América Latina está bem conectada desde os anos 30, 40, desde Gardel... Por exemplo, Jorge Negrete visitou o Chile nos anos 40, chegou à estação ferroviária central e foi recebido como se fosse Elvis Presley. Você aprende coisas assim investigando todos os gêneros."
Nem melhores, nem absolutos
Como posicionar um álbum de Los Prisioneros, Shakira ou Emmanuel acima de outro de Charly García, Violeta Parra ou Caetano Veloso? Complexidades, ponderações e comparações à parte, o ranking (formato que não contou com o consenso dos envolvidos) apresenta-se como um jogo que provoca e estimula o diálogo, propósito que está sendo plenamente cumprido, revelando as fissuras do compêndio.
"Muita gente reagiu tanto a favor quanto contra, muitos elogiando, outros jogando algum ódio, mas dentro de todo esse barulho tem gente descobrindo músicas que chamam a atenção. Todo esse escândalo me permitiu descobrir músicas, lembrar algumas que tinha esquecido ", diz o mexicano José Juan Zapata.
"Os rankings são de fácil visualização, ajudam a divulgar a música latino-americana, para que as pessoas possam aprender mais, ampliar suas opções musicais por países, cenas ou músicas que não estavam acostumadas. Não se trata de estabelecer um cânone, mas sim de convidar as pessoas a brincar e a dialogar, a propor também as suas próprias listas e eleições."
Através de sua conta no X, @600DiscosLATAM, os envolvidos no projeto republicam e difundem todas as opiniões, fios e peças editoriais que surgem, sejam elas positivas ou não, sobre a lista.
Entre as críticas, destaca-se a menor presença de produções inteiramente digitais, de estilos muito mais recentes como o trap, bem como discos gravados em línguas indígenas, entre outros.
Enquanto as pessoas seguem ouvindo e discutindo a lista de disco, seus autores não descartam um futuro em que ela possa ser ampliada, convertida em uma lista de músicas, continuar viva com contribuições dos leitores, ou até mesmo tomar a forma de um livro de consulta, transcendendo seu âmbito digital.