SAÚDE

Mpox: "A principal via de transmissão é a relação sexual", alerta virologista

Professor da Universidade Autônoma de Madri, José Antonio López Guerrero considera emergência internacional um alerta para os governos e recomenda cautela com práticas sexuais de risco

Professor da Universidade Autônoma de Madri, José Antonio López Guerrero - Reprodução / Youtube

Ainda há muito a ser descoberto sobre o surto atual de mpox que se espalha pela África e que levou a Organização Mundial da Saúde ( OMS) a declarar uma emergência de saúde de importância internacional, seu nível mais alto de alerta.

Uma nova cepa, chamada de Clado 1b, levanta questões sobre sua transmissão e nível de gravidade que ainda serão respondidas com o tempo.

Mas o virologista José Antonio López Guerrero, professor de Microbiologia da Universidade Autônoma de Madri, na Espanha, destaca que as relações sexuais têm sido apontadas como principal forma de contágio.
 

Por isso, o especialista aconselha cautela principalmente para pessoas que se envolvem em práticas sexuais de risco, especialmente sem o uso de preservativos.

Você está preocupado com o surto de mpox?
Não são boas notícias. Como disse o prêmio Nobel Peter Medawar, os vírus são más notícias envoltas em proteínas. Os vírus pox são muito complexos, mas têm um lado positivo: é um vírus de DNA, então evolui menos e sofre menos mutações do que os de RNA, como o coronavírus.

Além disso, possui muitas partes que não podem sofrer grandes mutações, pois perderia sua viabilidade. Isso faz com que, por exemplo, aqueles que foram vacinados contra a varíola humana, pessoas com mais de 50 ou 60 anos, ainda tenham memória imunológica. Por isso, e devido a certas práticas sexuais de risco mais comuns em pessoas mais jovens, os surtos têm afetado principalmente pessoas abaixo dessa faixa etária.

Até agora, sabia-se que o vírus era transmitido principalmente por contato muito íntimo, quase sempre em relações sexuais, mas estamos vendo muitas crianças sendo infectadas no continente africano. Algo mudou?
Sim, sabe-se que essa a relação sexual é a principal forma de transmissão até agora, mas ela também ocorre por contato com as pústulas (bolhas) que a mpox gera, com roupas que estiveram em contato com essas bolhas, através das mucosas, por falar muito perto, através das gotículas que projetamos ao falar.
 


Pode passar para as crianças por meio desse tipo de contato com os pais. Mas, pelo que sabemos até hoje, não estamos falando dos aerossóis como do coronavírus, que flutuam no ambiente e podem se deslocar por metros. Essa é a boa notícia.

Parece que a nova cepa que provoca o surto na República Democrática do Congo é mais letal e perigosa, como enxerga esse cenário?
Eu tenho minhas dúvidas como virologista. A tendência dos vírus, quando estão em contato com uma espécie, é encontrar um equilíbrio. Parece que o Clado 1B, que é o que está se espalhando pela África no momento, tem uma letalidade em torno de 3%, até maior em crianças.

Mas esse cálculo é feito comparando o número de pessoas infectadas com o de mortes. O que acontece é que provavelmente há muito mais infectados que podem ser até assintomáticos ou que não apresentam gravidade e, portanto, não são notificados.

Alguém que desenvolva algumas pústulas na África talvez não vá ao médico, enquanto na Espanha provavelmente sim. Então, eu tomaria com certa precaução qual pode ser a real letalidade do vírus.

O que parece é que ele é mais transmissível, certo?
Sim, mas precisamos de mais dados. Há coisas que ainda não sabemos, como se uma pessoa assintomática durante todo o tempo, ou seja, que nunca desenvolva sintomas, pode ser contagiosa.

Parece que pode ser transmitido três ou quatro dias antes de apresentar sintomas, mas pelo que sabemos, essas pessoas que transmitem o vírus acabam desenvolvendo sintomas.

Pode ser que essas pessoas assintomáticas estejam impulsionando os contágios?
Pode, mas elas depois desenvolvem sintomas. Por isso, onde mais precisamos focar é em conscientizar as pessoas que realizam atividades de risco para que tenham cuidado, o que de certa forma foi o que controlou os surtos no Ocidente.

O problema é que a capacidade de persuasão e dissuasão na África é menor, porque lá milhões estão morrendo de malária, por exemplo, é mais difícil promover mudança de hábitos. Embora seja algo que conseguimos com o Ebola. Conseguimos, por exemplo, que eles não tivessem contato com os mortos infectados.

E a vacinação, é importante?
Claro que sim. Há empresas desenvolvendo vacinas recombinantes específicas para a mpox, diferentes da vacina tradicional contra a varíola humana que está sendo usada. Também precisamos conscientizar as pessoas de que as vacinas são em duas doses.

Agora, tente dizer a uma pessoa que percorra 300 quilômetros para ir a Kinshasa, ao hospital de referência na República Democrática do Congo, para se vacinar duas vezes. Também estão sendo investigados novos antivirais, incluindo um antibiótico que parece estar sendo eficaz, mas isso ainda precisa ser confirmado.

Está sendo estudada a combinação de antibióticos com imunoterapia usando anticorpos específicos contra o vírus. É por aí que as coisas estão indo.

É inevitável que a declaração de emergência internacional nos lembre da Covid, mas o vírus e a situação têm alguma relação?
São coisas completamente diferentes. O vírus da mpox não tem nada a ver com o da Covid ou com o Ebola. A emergência não significa que precisamos adotar medidas de restrição social, mas sim que as pessoas devem estar cientes dos riscos em suas práticas, como se, por exemplo, tiverem dor de cabeça, fadiga, erupções cutâneas, que devem ter cuidado.

Mas, como eu dizia, é mais fácil transmitir essa mensagem na Europa. Na África, até que as pessoas vejam o perigo mais de perto, como cadáveres nas ruas, é mais difícil conscientizá-las. Também deveríamos conscientizar os turistas, já que existem países africanos com muito turismo sexual, mais do que imaginamos.

Então, precisamos conscientizar sobre isso, porque, pelo que sabemos, a principal via de transmissão é o contato íntimo que ocorre durante as relações sexuais.

O Centro Europeu de Controle de Doenças elevou o risco para determinados grupos para “moderado”, e manteve o para a população geral como “baixo”. Você concorda?
Sim, atualmente, o risco continua nesse nível. Os surtos anteriores que ocorreram na Espanha, um dos países mais afetados, já foram controlados.

A declaração de emergência da OMS também serve como um alerta para que os governos comecem a se preparar, a investigar, a fazer vigilância epidemiológica, a verificar como e onde os aumentos de casos estão ocorrendo, acompanhar a evolução genética do vírus e começar a coordenar ações.

Mas não é o caso de dizer: "Meu Deus, vamos todos morrer", nem de nos trancarmos em casa com máscaras. Estamos muito longe disso no momento. Precisamos aprender com os erros do passado, e é bom que todos os alertas estejam ativados.

Mas eu não soaria o alarme além dos grupos que, devido às práticas de risco, deveriam ser mais cautelosos agora.