GUERRA NA UCRÂNIA

Soldado russo deserta para a Ucrânia após meses de espionagem para grupo de resistência

Jovem de 24 anos era um militar ativo da unidade Storm antes de se voluntariar para a Legião Liberdade para Rússia

Soldado russo conhecido como Silver aparece em vídeo do YouTube publicado pelo projeto Eu Quero Viver - Reprodução

Um soldado de 24 anos desertou para a Ucrânia – e explicou seus motivos numa entrevista publicada no YouTube pelo projeto "Eu Quero Viver", iniciativa do governo ucraniano que recebe apelos de militares russos que desejam se render.

Conhecido pelo codinome Silver, o jovem ingressou no Exército russo em 2021 e era um militar ativo da unidade Storm antes de se voluntariar para a Legião Liberdade para Rússia, um grupo de dissidentes que lutam por Kiev, neste ano.

— Eu queria servir no Exército, fiz um juramento de proteger minha pátria. Mas minha pátria está lá [na Rússia] e ninguém a atacou. Eu não queria servir à Rússia durante a guerra e não queria morrer pelo [presidente Vladimir] Putin — disse ele, que participou dos combates na área de Avdiivka, no leste da Ucrânia, operando drones do lado russo da fronteira. O soldado também já havia servido na fronteira com a China.

Em comunicado, a Legião Liberdade para a Rússia disse que Silver foi "membro da resistência por vários meses e transmitiu informações operacionais importantes para nós", como localização de forças e equipamentos, planos e tarefas em seções específicas da linha de frente. Ao fugir da unidade Storm, o soldado "ativou dispositivos explosivos" na sede militar russa, ferindo gravemente o comandante e vários oficiais superiores, de acordo com o grupo de dissidentes.

A Legião publicou no YouTube um vídeo gravado por uma câmera oculta que supostamente mostra a operação. Nele, homens aparecem em uniformes militares antes da explosão acontecer, causando um incêndio. O grupo afirmou que, durante a retirada, "Silver minou o caminho e seguiu a rota acordada". O comando da Legião, em parceria com a equipe do "Eu Quero Viver", organizou a saída dele da linha de combate. Agora o jovem passa por um curso de treinamento básico como recruta da Legião.

"O russo foi motivado a cooperar com a Ucrânia pelos crimes de guerra sistemáticos e outros crimes do comando, incluindo execuções extrajudiciais, espancamentos e roubos na unidade de ocupação", escreveu a Inteligência ucraniana nesta terça-feira no Telegram. Na entrevista publicada no YouTube, o militar afirmou que viu alguns soldados russos serem mortos por seu próprio comandante.

Desertores
Em dezembro de 2022, a Ucrânia lançou um programa de rendição de soldados russos por meio de drones. O programa teve sua origem no final de novembro daquele ano, quando militares ucranianos publicaram imagens de um soldado russo jogando sua arma no chão, levantando as mãos e seguindo o caminho traçado por um drone que o levou até soldados da Ucrânia. Semanas depois, o país divulgou um vídeo instrutivo explicando como agentes russos podem se render.

Desde então, vários casos de deserção de soldados russos na Ucrânia foram noticiados. Após o início da guerra na Ucrânia, Putin assinou emendas que preveem até 10 anos de prisão para russos que desertarem ou se recusarem a lutar. As medidas tiveram especial impacto após a convocação de 300 mil reservistas ainda em 2022. Na época, milhares de russos fugiram em massa do país para evitar o recrutamento.

Alguns desertores, no entanto, foram assassinados. Em fevereiro deste ano, Maxim Kuzminov, piloto russo que desertou em agosto e fugiu para a Ucrânia com seu helicóptero de combate Mi8, foi encontrado morto com meia dúzia de tiros na Espanha. Ele tinha deixado o país em agosto de 2023 e, em outubro, a televisão estatal russa mostrou que supostos membros do Departamento Central de Inteligência receberam a ordem de eliminá-lo. Segundo investigadores espanhóis, o crime teria sido cometido por pistoleiros, provavelmente matadores de aluguel.

Especialistas acreditam que é mais provável que a Embaixada da Federação Russa na Espanha tenha ficado à margem da operação para evitar ser implicada. Além dos autores materiais, o crime exigiu uma operação de vigilância prévia: os agentes russos tiveram que verificar a identidade da vítima e segui-la para conhecer seus horários e hábitos. Fontes familiarizadas com os serviços secretos de Moscou garantem que com frequência essas ações ocorrem com a colaboração de cidadãos russos residentes no país (na Espanha são mais de 80 mil) e de organizações mafiosas, sendo que estas últimas são preferência.

Dias após o anúncio da morte de Kuzminov, o chefe de espionagem da Rùssia, Sergei Naryshkin, disse que "este traidor e criminoso tornou-se um cadáver moral no exato momento em que planejou seu crime sujo e terrível". Ele não confirmou nem negou qualquer envolvimento russo na morte do ex-piloto.