opinião

Discurso do desembargador André Vicente Pires Rosa, o mais novo cidadão de Pernambuco

O desembargador André Vicente recebeu o título de cidadão pernambucano, na Alepe. Homenagem foi proposta pelo deputado Antônio Moraes | Foto: Giovanni Costa / Alepe




Meus queridos amigos, minhas queridas amigas.
 
No dia 20 de agosto de 2024, foi emitida a certidão de nascimento para um novo pernambucano. Segundo o último censo, ele é o cidadão de número 9.058.156. Mas, diferentemente do que ocorre normalmente, esse documento teve como origem não o nascimento de uma criança, mas, ao contrário, foi lavrada e entregue para um homem feito, já adulto. Mais uma curiosidade: ele não nasceu em algum município como todo mundo, mas veio à luz diretamente no Estado de Pernambuco. Seu nome, André Vicente Pires Rosa.

Esse cidadão sou eu.

O Direito não explica essa situação e nem pode explicá-la; ela não é jurídica. Deixemos as questões normativas longe dessa relação de amor, respeito e gratidão. De minha parte, tenho imensa gratidão, elevado respeito e grande amor por Pernambuco que, após minha escolha em aqui viver, aceitou-me, não abrindo seus braços, mas dizendo-me, “estás em casa”!
 
E eu realmente estava em casa; senti-me em casa desde sempre. Apesar de ter vindo de muito longe e aqui ter chegado muito jovem, nunca tive qualquer dúvida ou hesitação de que aqui era o meu lugar: era algo similar àquilo que Freud chama de estranho-familiar. Muitas coisas eram diferentes, mas ao mesmo tempo eram muito minhas, essencialmente minhas.

Compreendi, então, que as coisas que tocam o coração e o espírito não obedecem à lógica desse mundo em três dimensões: havia, há algo mais. Algo que não se explica, mas que se sente. Isso sempre me surpreendeu, mas hoje compreendo: é a insondável magnitude daquilo que simplesmente chamamos “destino”. Sabemos que algo era e é nosso destino, quando ele chega e com ele nos sentimos em paz e com a certeza de que é ali que bate nosso coração.

Sou pernambucano, há muito tempo; transformei-me quando aqui cheguei. Hoje, porém, recebo o Título honorífico de Cidadão Pernambucano.

Eu tenho outros títulos, alguns acadêmicos, outros decorrentes das minhas atuações profissionais, mas o título que hoje tenho a honra de receber, foi o único que não demandou nenhum esforço meu. Ao contrário, ele chegou como chega a grande colheita para o agricultor que ama trabalhar a terra: sem nenhum esforço, mas com imensa alegria. Assim foi para mim.

Pernambuco me deu quase tudo o que tenho. A “nova Roma de bravos guerreiros” é muito generosa com aqueles que a amam. E como eu a amo muito, muito me foi dado.
Aqui formei minha família. Aqui vivo e me realizo profissionalmente. Faço as coisas que mais gosto e que têm verdadeiro sentido para mim: tornei-me professor e juiz. Como docente, atuo junto à nossa gloriosa Faculdade de Direito do Recife; como magistrado desempenho a função de Desembargador em nosso bi secular Tribunal de Justiça.

Tenho um imenso orgulho de ser pernambucano. Nossa terra, além “de belezas, soberbo estendal”, é muito rica em história, tradição e no culto dos valores nobres que inspiraram e inspiram gerações por todo o Brasil. Sobejam-lhe os grandes personagens. Da miríade dos nossos exemplares antepassados, para não correr o risco de cometer injustificável injustiça, nomeio apenas um, a quem admiro profundamente: Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, nosso Joaquim Nabuco, patrono dessa egrégia Casa Legislativa que hoje nos acolhe.

Coincidência ou não, talvez não existam coincidências, ontem, dia 19 de agosto completaram-se 175 anos de seu nascimento. Que honra receber este título em data tão importante para todos aqueles que lutam pelo respeito à dignidade humana, e tão significativa para mim!

Conheci e vivi o sertão, o agreste, a zona da mata e o litoral. Quanto mais me integrava a cada uma dessas regiões, mais percebia que as cantorias, o chimarrão, o bode assado ou guisado, o churrasco, o bolo de rolo, as milongas, o maracatu e o xote, os pampas e o sertão fazem parte de uma só realidade para quem vê com o coração. São alguns aspectos das minhas duas pátrias – a gaúcha e a pernambucana – que para mim se fundiram para sempre. Vendo-os, percebi que o telúrico é muito... muito mais belo que o metafísico....

 ... É um privilégio assistir a uma cantoria sob o luar do sertão....

Por isso tudo, quero agradecer e agradecer muito. Antístenes, um quase desconhecido aluno de Sócrates, teria dito que “a gratidão é a memória do coração”. Essa frase é uma síntese que bem reflete o meu sentimento. Eu agradeço ao passado que foi e ao presente que é.

E agradeço a muita gente.

Agradeço aos meus conterrâneos: 9.058.155 pernambucanos e pernambucanas que me concederam este título, uma honraria inigualável, e agradeço também aos seus representantes democraticamente eleitos, excelentíssimos senhores deputados, que em seu nome e em nome do nosso povo, cumpriram as formalidades necessárias a que eu me torne um cidadão deste nosso glorioso Estado.

Agradeço em especial ao meu queridíssimo amigo, Desembargador Ricardo Paes Barreto, Presidente de nosso egrégio Tribunal de Justiça, que, juntamente com o eminente Deputado Antônio Moraes, foram as pessoas que deram início aos trâmites necessários à ocorrência desta grandiosa homenagem que hoje recebo.

Dizem que para que uma pessoa seja realizada, ela deve escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho. Aqui escrevi um livro, aqui plantei uma árvore e, sobretudo e o mais importante, aqui tive e tenho um filho.

Aqui constituí minha família. Minha amada esposa Alessandra, pernambucana que me mostra sempre outros belos “pernambucos” que eu ainda não conhecia. Meu filho Francisco. Ele me ensina, simplesmente por existir, que a vida é algo tão sublime, tão esplendorosa que os filósofos e os religiosos deveriam abster-se de tentar decifrá-la. Te amo muito filho... Meu querido Igor, um filho que me chegou antes de eu ser pai ...

A eles agradeço muito. Tornam-me um pernambucano mais feliz.

Agradeço aos meus pais Vicente e Zenir. Sempre foram meu apoio em todas as horas e estimularam-me a encontrar meu caminho. Aos meus irmãos, Alexandre, Fabiana e Guilherme. Eles me dão permanente orgulho: são pessoas excepcionais e profissionais que atingiram o cume. Muito obrigado a eles. Amo a cada um. Sempre compreenderam, como eu, que a dor da saudade, às vezes é a condição para que um siga seu caminho.

Aqui fiz os verdadeiros amigos: aqueles que estão juntos nas alegrias e nas tristezas; felizmente mais nas alegrias. Amigos são seres especiais: sem qualquer contribuição da genética tornam-se nossos irmãos. A eles meu total agradecimento.

Sou igualmente muito grato a todos que me auxiliaram e me auxiliam nessa já longa caminhada pelo nosso Poder Judiciário que tanto respeito e que tenho a honra e o orgulho de pertencer. Agradeço a todos os servidores e colegas com quem trabalhei em Tabira, Carnaíba, Sirinhaém, Camaragibe, e Recife, minhas queridas comarcas, e naquelas onde atuei eventualmente, e agora no Tribunal de Justiça.

Tenho igualmente grande gratidão aos meus colegas e servidores da Faculdade de Direito do Recife e em especial aos meus alunos de hoje e de ontem. Eles me estimulam dia-a-dia a continuar refletindo sobre as grandes questões do Direito e de suas implicações nas vidas de nossos conterrâneos. Juntos, tentamos acrescentar uma gota de esperança em dias melhores.
Agradeço vivamente a vocês todos que vieram a esta solenidade. O comparecimento de cada um significa para mim um grande ato de afeto; depois de um dia de trabalho e compromisso, enfrentaram engarrafamentos, deixaram seu lazer e vieram aqui prestigiar-me: muito obrigado, de verdade... agora que sou pernambucano, de fato e de direito, posso dizer:  ACHO ISSO ARRETADO...!!!!

Não quero mais cansá-los, mas não podia deixar de dizer algo mais, em menos de dois minutos.

Além da minha imensa honra e gratidão com esse título que ora recebo, queria dizer a todos os meus conterrâneos, e àqueles que eventualmente vivam em nosso Estado... que tenho um compromisso, um compromisso que foi tatuado para sempre no meu espírito e no meu coração. Quero que saibam e que nunca se arrependam de haver concedido a cidadania pernambucana a mim:

Meu compromisso é continuar lutando com todas as minhas forças para que façamos de nossa terra um lugar que nos dê cada vez mais orgulho. Não deixarei de buscar a justiça e a correção inflexível em minhas atuações como integrante de nosso Poder Judiciário e de exortar e auxiliar aos meus jovens alunos a buscar o correto e o direito, para que também eles façam parte dessa luta constante e que consigamos elevar cada vez mais o nome do nosso Estado, fazendo com que ele seja mais alto, muito mais alto do que “os altos coqueiros da nossa terra”.
 
Muito obrigado a todos.

Muito obrigado, Pernambuco.


* Desembargador do pleno do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).