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Não é só no Brasil: veja como o Reino Unido tenta (e não consegue) combater onda de golpes digitais

Instituições financeiras do país terão de aumentar a segurança das transações financeiras e ressarcir vítimas em cinco dias. Fraudes somaram R$ 3,3 bi no ano passado e envolveram até Taylor Swift

Golpe bancário - Joedson Alves/Agência Brasil

Centenas de empresas financeiras britânicas correm para cumprir um novo regime no Reino Unido criado para combater golpes em pagamentos on-line antes do prazo de 7 de outubro dado pelas autoridades do país, após uma das piores ondas de fraudes digitais no país.

Os cibercriminosos têm tirado o sossego dos britânicos, num grau similar ao que tem sido registrado no Brasil. Para aumentar a segurança em transações financeiras e impedir prejuízo aos cidadãos, o Reino Unido vai adotar novas regras traçadas pelo Regulador de Sistemas de Pagamento (PSR, na sigla em inglês).

As novas normas exigem que todos os bancos britânicos, fintechs e empresas de pagamento reembolsem as vítimas de fraude em cinco dias. Mas muitas companhias financeiras não estão preparadas para ter sistemas adequados, dizem pessoas envolvidas nas tratativas à agência Bloomberg.

 

'Esclerótico'
Alguns players do setor dizem que não tiveram tempo suficiente para se adequar. Muitos estão frustrados com o processo de consulta e criticam as políticas finais, incluindo um teto alto para reembolsos.

— O processo inteiro foi esclerótico e ambíguo — reclamou Charles McManus, CEO da ClearBank.

O regulador britânico discorda. "Consultamos extensivamente essas medidas por mais de dois anos e continuamos a nos envolver profundamente com a indústria para garantir uma implementação oportuna e eficaz", afirmou Kate Fitzgerald, chefe de programa do órgão de vigilância por e-mail,

A executiva acrescentou que, no longo prazo, a agência gostaria de ver as empresas migrarem para o novo regime, para o qual tinham até terça-feira para se registrar.

Responsabilidade dividida
Outras mudanças no novo sistema: a responsabilidade, que antes recaía exclusivamente sobre a parte originadora, agora será dividida igualmente entre as instituições que enviam e recebem o pagamento fraudulento, com o reembolso máximo definido em 415 mil libras esterlinas (cerca de US$ 540 mil).

Para rejeitar uma queixa, o ônus será do banco ou da empresa de pagamentos para provar negligência grosseira do cliente.

Quase todos no setor financeiro britânico reconhecem que algo precisa ser feito sobre o aumento dos golpes conhecidos pela sigla APP (authorized push payment), em que criminosos induzem as pessoas a enviarem dinheiro para uma conta fora de seu controle.

Golpes até no show da Taylor Switft
Só no Reino Unido, milhões de consumidores foram enganados por golpistas usando essas táticas, com perdas de 460 milhões de libras esterlinas (R$ 3,3 bilhões) no ano passado.

A atual temporada de verão no hemisfério norte foi particularmente ruim, com avisos repetidos de bancos aos clientes de que fraudadores encontraram mais desculpas para se aproveitar deles.

Um exemplo foram os recentes shows de Taylor Swift no Wembley Stadium em Londres. O Lloyds Banking Group alertou que mais de 600 de seus clientes relataram terem sido vítimas de golpistas que prometiam ingressos para os shows, com cada consumidor perdendo cerca de 332 libras esterlinas (R$ 2,3 mil).

Ceticismo
Mas ninguém concorda em como resolver o problema.

— Queremos que as vítimas genuínas de crimes sejam reembolsadas — disse Ben Donaldson, diretor-gerente de crimes econômicos do grupo de lobby UK Finance. — O problema com a forma como foi abordado é que priorizar o reembolso em detrimento da prevenção de crimes pode realmente piorar o problema. E acho que haverá um aumento das fraudes.

Enquanto reguladores em outras partes da Europa buscam um terreno comum com bancos sobre o reembolso de vítimas e enfrentam questões como o papel das big techs e como definir “negligência grosseira”, esta é a primeira vez que uma estrutura que possa servir como modelo global está sendo testada.

Incentivo à prevenção
O PSR afirma que sua abordagem incentiva bancos e outras empresas de pagamento a prevenir tais crimes desde o início, ao mesmo tempo que garante que as vítimas sejam protegidas de maneira consistente.

Alguns dos críticos mais evidentes são as partes que normalmente recebem mais pagamentos considerados fraudulentos para cada milhão de libras de transação. Isso porque, sob o sistema anterior, empresas receptoras não eram obrigadas a pagar nenhum reembolso, mas isso vai mudar, com 50% saindo de seus bolsos.

Alguns dizem que o valor proposto do reembolso prejudicaria a inovação e levaria empresas em estágio inicial à falência. Executivos financeiros também alertam para consequências indesejadas, dizendo que consumidores têm mais probabilidade de agir imprudentemente sabendo que quaisquer perdas seriam cobertas, levando a mais fraudes.

Nos seis principais mercados de pagamento em tempo real (EUA, Reino Unido, Índia, Brasil, Austrália e Emirados Árabes Unidos), as perdas com golpes de aplicativos devem somar quase US$ 8 bilhões até 2028, equivalente a uma taxa de crescimento anual composta de 12% entre 2023 e 2028, de acordo com relatório conjunto da fabricante global de software de pagamentos ACI Worldwide, de Miami, e GlobalData.