ARGENTINA

Três homens são presos por tráfico de pessoas e exploração sexual de 21 mulheres na Argentina

Vítimas têm entre 19 e 30 anos e eram obrigadas a participar de transmissões eróticas ao vivo na internet

As vítimas foram obrigadas a gerar conteúdo erótico para transmissões online - Reprodução

Eles prometiam uma carreira de modelo e aproveitavam-se da fragilidade econômica das vítimas para convencê-las a gravar conteúdo erótico em troca de remuneração em dólares. Mas até essa promessa era falsa. As mulheres que caíam nessa rede, localizada em San Juan, acabavam sem poder sair.

Eram exploradas sexualmente em transmissões ao vivo, que geravam dólares diários para os responsáveis pelo desonesto empreendimento chamado “Belle Argentina”, enquanto as mulheres, que precisavam cumprir ordens de “clientes” frente a uma webcam, recebiam uma compensação irrisória em pesos, insuficiente para escapar da armadilha em que haviam caído. Três homens, incluindo um advogado, foram acusados de tráfico de pessoas.

Assim decidiu o juiz federal de San Juan, Leopoldo Rago Gallo, que decretou a prisão preventiva dos três acusados, em um caso no qual 21 mulheres em situação de vulnerabilidade foram resgatadas.
 



A investigação começou com uma denúncia em 2022 e ganhou força com a apresentação feita por uma mulher que o grupo havia tentado recrutar. Inclusive, utilizou-se a figura do agente revelador para que membros da Gendarmeria pudessem se infiltrar e determinar os papéis de cada suspeito.

Segundo informações do Ministério Público Fiscal em seu portal de notícias, “a decisão foi tomada em consonância com o pedido do procurador-geral Francisco Maldonado, do procurador federal Fernando Alcaraz e da procuradora cotitular da Procuradoria de Tráfico e Exploração de Pessoas (PROTEX), Alejandra Mángano”.

 

As vítimas foram obrigadas a gerar conteúdo erótico para transmissões online — Foto: Reprodução

“A vulnerabilidade básica das vítimas teria sido a chave que permitiu que suportassem, por um determinado tempo, o maltrato e as condições de trabalho que se revelaram muito diferentes das prometidas. Isso resultou em jornadas exaustivas, obrigando-as a realizar pornografia digital contra sua vontade ou sob violência psicológica, mantendo-as em uma estrutura de exploração por meio de mecanismos de retenção como dívidas relacionadas ao material inicial ou kit sexual de início, multas e gastos diversos derivados de seu trabalho, descontados de seus pagamentos (quiosque e manicure). Como resultado, elas não recebiam o que havia sido originalmente acordado, em um círculo vicioso difícil de escapar, mesmo tendo liberdade de locomoção e podendo sair do trabalho”, explicou o juiz ao decretar as prisões.

De acordo com os investigadores, essa organização criminosa captava vítimas por meio de ofertas de emprego enganosas publicadas em redes sociais, nas quais se mencionava a busca por talentos entre mulheres que quisessem “dar uma guinada em suas vidas”.

As candidatas eram entrevistadas pelos principais acusados, e nesse momento descobriam que a oferta estava relacionada à realização de streamings eróticos para usuários de diferentes países, em troca de 50% do dinheiro produzido - em dólares - nessas transmissões. Tudo não passava de uma armadilha.

À medida que as vítimas começavam a gerar esses conteúdos eróticos, os agora acusados as mantinham presas por meio de um sistema de dívidas projetado para não ter fim. Primeiro, cobravam das mulheres pelo material usado nas transmissões - conectadas a sites pornográficos hospedados no exterior - e, dada a extrema situação econômica dessas mulheres, ofereciam-lhes moradia coletiva em dois apartamentos, cuja renda deveria ser paga por meio de contatos sexuais fora do ambiente digital.

A investigação determinou que os “clientes” dos serviços de webcam pagavam em criptomoedas, com um valor médio de 200 dólares. O negócio para os organizadores era lucrativo, enquanto o calvário das vítimas não aparecia na câmera. Nas buscas realizadas pela Gendarmeria em 3 de julho, foram encontrados registros de que as mulheres eram punidas com multas “por horas não cumpridas, licença médica, cansaço e atrasos”. Esse esquema fazia parte do processo de escravidão ao qual as vítimas, de 19 a 30 anos, eram submetidas.

O Ministério Público Fiscal indicou em seu site que, ao decretar as prisões, o juiz considerou que as mulheres “eram constantemente objetificadas e ultrajadas”. Especificou que as ações podiam ser ainda mais agressivas quando um cliente pagava por uma “sala privada”, que era cobrada em dólares e por minuto.

O magistrado sanjuanino enfatizou que os termos “sexo virtual” ou “streaming erótico” são eufemismos para a “oferta de serviços sexuais de terceiros, cujo único propósito era obter lucros financeiros com o material produzido pelas vítimas”.

Em consonância com o Ministério Público Fiscal, o juiz acrescentou que termos como “monitores”, para quem dirige e controla os comportamentos diante da câmera; “sócios” ou “donos”, para quem obtém os lucros da exploração; ou “modelagem”, para se referir à oferta de sexo virtual para terceiros, visam dar à exploração sexual da prostituição alheia “uma aparência de sofisticação, e portanto de pertencimento e exclusividade para as vítimas, que não passava de uma forma de engano para sustentar sua exploração”.

Para as vítimas, tudo era um círculo do qual não conseguiam sair. Relatórios de órgãos de assistência às vítimas revelaram “uma situação de vulnerabilidade psicossocial, emocional e econômica marcada por redes de apoio escassas ou inexistentes, falta de oportunidades de trabalho e de recursos econômicos que facilitassem um rendimento estável e permitissem progresso na vida de forma integral”.

Em sua decisão, o juiz Rago Gallo detalhou que “a captação ocorria por meio de um engano consistente em uma falsa promessa de trabalho em troca da oferta de grandes ganhos em dólares, proposta inicial que não foi cumprida pelos acusados”.

Nos argumentos da acusação, o magistrado considerou o testemunho de integrantes do Programa Nacional de Resgate de Vítimas de Tráfico - que entrevistaram as vítimas -, que afirmaram que “apesar de as páginas faturarem em moeda estrangeira - dólares ou euros -, as mulheres eram pagas em pesos” e que “segundo o relato de uma delas, os chefes usavam a cotação de sexta-feira para fazer a conversão, mas era uma situação que prestava a confusões e diferenças na liquidação”, de modo que “poderia haver manipulação da taxa de câmbio em benefício dos chefes e em detrimento das mulheres”.

Conforme mencionado, 21 mulheres foram libertadas desse sistema que as retinha por meio de dívidas para sua exploração sexual, e os três suspeitos foram acusados com prisão preventiva.

A investigação também segue a pista de uma possível conexão entre esse grupo criminoso e uma rede baseada na Colômbia.