Conselheiro de Biden chega a Pequim em visita com pauta espinhosa
A menos de seis meses do fim do mandato do democrata, Sullivan quer deixar claras as diferenças entre as visões dos países, mas deixando abertas portas para a diplomacia
O conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, chegou a Pequim nesta terça-feira para aquela que pode ser sua última viagem à China no mandato do presidente americano, Joe Biden.
Apesar da pauta espinhosa, que inclui as preocupações de Washington com Taiwan e com os laços chineses com a Rússia, Sullivan também quer mostrar que, ao menos por enquanto, é do interesse da Casa Branca manter abertos os canais de diálogo, ainda mais em momentos de tensão regional: na véspera, o Japão afirmou que uma aeronave de reconhecimento chinesa invadiu deu espaço aéreo.
Estão previstas conversas com o chanceler chinês, Wang Yi, durante os três dias em que ele deve permanecer na capital chinesa, sendo que a primeira já ocorreu nesta terça — não há confirmação de um encontro com o presidente, Xi Jinping.
Sullivan levou uma pauta volumosa, que inclui temas de interesse nacional dos EUA, mas sem qualquer garantia de compromissos do lado chinês.
A começar pela situação em Taiwan: em abril, após meses de impasse, o Congresso americano aprovou um pacote de defesa de US$ 8 bilhões (R$ 44 bilhões) para a ilha, como parte de um plano mais amplo que incluiu a Ucrânia e Israel.
Na ocasião, as autoridades taiwanesas disseram que a medida “fortalecia o poder de dissuasão contra o autoritarismo no Pacífico Ocidental”.
A China considera Taiwan parte de seu território, apesar de ter sistemas jurídico, político e econômico distintos dos chineses, e disse que o pacote americano mandava um “sinal errado para as forças separatistas”.
Os EUA negam apoiar a independência da ilha, embora tenham um compromisso de décadas de apoiar a defesa local, especialmente com equipamentos militares. Nos últimos anos, Pequim tem incrementado a presença de suas forças na região, e Xi Jinping sugeriu, em dezembro do ano passado, que a reunificação era “inevitável”.
Outro ponto delicado é a aliança entre a China e a Rússia. Apesar dos chineses não terem envolvimento militar na guerra de Vladimir Putin na Ucrânia, os americanos veem a parceria como base para manter a economia russa funcionando, mesmo diante das sanções ocidentais: de acordo com dados de comércio exterior da China, as exportações para a Rússia somaram, em 2023, US$ 111 bilhões, 67% a mais do que em 2021. Pelo lado russo, 31% das exportações — especialmente petróleo e gás — vão para o mercado chinês.
Sullivan vai pressionar os chineses por controles sobre a exportação de produtos usados na fabricação de fentanil, uma droga extremamente letal e que está por trás de uma verdadeira epidemia nos Estados Unidos — em abril, durante visita a Pequim, o secretário de Estado, Antony Blinken, pressionou a China por ações para barrar o fluxo desses produtos para cartéis, especialmente no México.
Em troca, deve ouvir críticas às restrições impostas a itens de alta tecnologia, como semicondutores, as quais Washington credita a preocupações com sua segurança nacional.
Durante conversa com jornalistas, na semana passada, um representante da Casa Branca afirmou, em caráter de anonimato, que a viagem reforça um “canal importante” de diálogo, e que, no momento, a abordagem em relação à China segue de uma “relação competitiva”.
— Estamos comprometidos em fazer os investimentos, fortalecer nossas alianças e tomar as medidas comuns, medidas de bom senso em tecnologia e segurança nacional que precisamos tomar. Estamos comprometidos em administrar essa competição de forma responsável, no entanto, e evitar que ela se transforme em conflito — disse o funcionário da Casa Branca.
A China parece não concordar com a abordagem.
“Para seguir adiante, Washington deve romper com sua mentalidade ultrapassada de Guerra Fria. Sem dúvida, há competição e cooperação entre a China e os Estados Unidos, particularmente nas esferas econômica e tecnológica. A China não aceita a noção de que os laços devem ser definidos unicamente pela competição”, afirmou um editorial do jornal Global Times, ligado ao Partido Comunista Chinês, nesta terça-feira.
“Para relações sólidas e estáveis entre China e EUA, Washington deve apoiar seu compromisso de estabilizar as relações com medidas concretas que demonstrem respeito genuíno pelos principais interesses e soberania da China.”
Enquanto Sullivan estava reunido com os representantes chineses, o jornal Washington Post denunciou que hackers baseados na China estão se infiltrando em servidores de internet nos EUA para espionar os usuários, citando agentes do governo americano e especialistas de empresas de tecnologia.
Os alvos incluem, segundo a reportagem, civis e militares que podem atuar em setores de interesse dos chineses dentro dos EUA.
— É um negócio comum para a China, mas isso aumentou dramaticamente de onde costumava ser. É uma ordem de magnitude pior — disse Brandon Wales, que até o início deste mês era diretor executivo da Agência de Cibersegurança e Segurança de Infraestrutura dos EUA, a CISA, ao Washington Post.
A embaixada chinesa em Washington negou qualquer ligação com o grupo que estaria por trás dos ataques, e disse que as acusações contra a China são uma forma da “comunidade de inteligência dos EUA e empresas de ciberseguranças” receberem “maiores orçamentos e contratos do governo”.
Um dia antes da chegada de Sullivan a Pequim, o Japão afirmou que uma aeronave de reconhecimento chinesa invadiu seu espaço aéreo, chamando o incidente de “completamente inaceitável”.
— A violação do nosso espaço aéreo por aeronaves militares chinesas não é apenas uma violação grave da nossa soberania, mas também uma ameaça à nossa segurança e é totalmente inaceitável — disse o porta-voz do governo, Yoshimasa Hayashi, a jornalistas.
— Nós não daremos uma resposta definitiva quanto à intenção da ação da aeronave chinesa. No entanto, as recentes atividades militares da China perto do Japão têm uma tendência a se expandir e se tornar cada vez mais ativas.
Segundo o Ministério da Defesa, a aeronave de vigilância Y-9 violou o espaço aéreo japonês por dois minutos, na manhã de segunda feira, perto de Nagasaki, e caças foram enviados para acompanhar a situação.
Não foram usadas medidas como disparos de advertência. Em reposta, a China sinalizou que a incursão não foi intencional.
— Autoridades competentes estão reunindo e verificando informações relevantes sobre o incidente — disse Lin Jian, porta-voz da chancelaria chinesa, afirmando ainda que os dois governos estavam se comunicando “por meio de canais de trabalho existentes”.