A inveja transcende tempo e categoria
A inveja, uma emoção antiga como a humanidade, foi descrita há mais de 2.300 anos como um transtorno de personalidade disfuncional, estando alinhada com outras características negativas como a arrogância. Hoje, no DSM-5 (Manual de Diagnósticos e Estatística de Doenças Mentais), a inveja é classificada como uma característica dos Transtornos de Personalidade dos grupos B e C, indicando que, apesar da mudança na nomenclatura, a essência desta emoção continua a assombrar a psique humana. Por que essa emoção não foi erradicada? O que isso revela sobre a condição humana?
Desde os primórdios da tradição judaico-cristã, a inveja é retratada como uma força destrutiva. No Antigo Testamento, a inveja de Caim contra Abel resultou no primeiro assassinato da história (Gênesis 4:1-16). Esse ato fratricida é um símbolo da capacidade da inveja de corroer laços fraternos e de levar a comportamentos reprováveis. O livro de Provérbios traz: "O coração em paz dá vida ao corpo, mas a inveja apodrece os ossos" (Provérbios 14:30).
Na tradição católica, a inveja é classificada como um dos sete pecados capitais, uma das raízes de todos os outros. Santo Tomás de Aquino descreveu-a como uma tristeza pelo bem do outro, que leva à ação maliciosa contra o próximo.
A transição da inveja, de uma condição moral e espiritual para uma característica reconhecida em manuais psiquiátricos, reflete uma mudança na abordagem da condição humana. No DSM-5, a inveja é associada a Transtornos de Personalidade dos clusters B e C, que incluem o Transtorno de Personalidade Narcisista, o Transtorno de Personalidade Antissocial e o Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsivo. Estes são caracterizados por padrões persistentes de comportamento disfuncional, que afetam as relações interpessoais e a adaptação social.
A inveja não é apenas um pecado ou uma falha moral, mas um sintoma de distúrbios mais profundos da personalidade. Essa mudança de classificação não significa que a inveja tenha perdido seu poder destrutivo. Ela continua a ser uma força que pode destruir relacionamentos, corroer a autoestima e minar a paz interior.
O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard descreveu a inveja como um "pecado demoníaco", porque ela não só deseja o mal do outro, mas também o bem de si mesmo de uma maneira distorcida. Para Kierkegaard, a inveja é uma expressão de desespero, uma negação da própria individualidade e da possibilidade de alegria genuína. Jean-Paul Sartre disse que a inveja é uma forma de negação da liberdade do outro. Quando invejamos alguém, estamos negando a sua liberdade de ser quem é, porque desejamos possuir o que ele possui ou ser o que ele é.
A razão para sua persistência é uma luta contra a própria imperfeição, uma batalha interna que reflete a condição humana de estar sempre em busca de algo mais, que só pode ser encontrado na aceitação de si mesmo e no amor ao próximo.
* Jornalista, radialista, filósofo.
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