CRIME ORGANIZADO

PF vê indícios de empresa de ônibus ser cliente de fintech usada pelo PCC para fugir de penhora

A UPBus já é investigada no âmbito da Operação Fim da Linha por suposta lavagem de dinheiro

Ministério Público Federal (MPF) - Wikimedia Commons

A empresa UPBus, que presta serviço de transporte público na capital paulista, é suspeita de ser cliente de uma fintech para escapar de possíveis penhoras, aponta trecho da Operação Concierge, deflagrada nesta quarta-feira, 28, pela Receita Federal, Polícia Federal e Ministério Público Federal (MPF).

A empresa já é investigada no âmbito da Operação Fim da Linha por suposta lavagem de dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC) e está sob intervenção da Prefeitura de São Paulo, ao lado de outra empresa, a Transwolff, depois de determinação das 1ª e a 2º Varas de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital.

De acordo com a investigação da PF, pessoas físicas e jurídicas teriam criado contas invisíveis nas operadoras de pagamentos T10 Bank e I9Pay para evitar rastreamento das autoridades públicas, o que permite lavagem de dinheiro e evita bloqueio de valores.

As fintechs, segundo a PF, mantinham-se hospedadas em instituições financeiras de grande porte autorizadas pelo Banco Central (Bonsucesso e Rendimento). O método é chamado de "conta bolsão", o que era utilizada pela facção criminosa PCC. Procuradas, a T10 Bank não respondeu até a publicação desta matéria.

A I9Pay negou as acusações. Os bancos afirmaram que colaboram com as autoridades (leia mais abaixo). O Estadão não conseguiu contato com a defesa da UPBus. O espaço está aberto para manifestação.

A motivação para criação de subconta junto ao T10 Bank, suspeitam os investigadores, é a dívida milionária da empresa com a União. A operação financeira, portanto, seria para evitar possíveis bloqueios judiciais.

"O fato de a empresa UPBus possuir mais de R$ 61 milhões em débitos tributários inscritos em dívida ativa da União, justificaria (indícios) a utilização dos 'serviços' fornecidos pela T10 Bank, de 'impenhorabilidade' de suas contas bancárias", diz trecho da investigação citada na decisão da juíza Valdirene Ribeiro de Souza Falcão, da 9ª Vara Criminal Federal de Campinas, que determinou prisões preventivas, temporárias e buscas e apreensões.

"A autoridade policial explica que por se tratar de uma conta bolsão, a seguinte informação deve ser entendida como: a empresa UPBus Qualidade em Transportes S.A. enviou, por meio de suas contas, R$ 3.011.419,98 para clientes que mantêm uma subconta na T10 Bank. Além disso, a UPBus recebeu, nas contas referidas, R$ 1.554.231,00 que tiveram como origem clientes da T10 Bank. Essas transações ocorreram no curto período de tempo de 14 de setembro de 2023 a 30 de novembro de 2023?", cita trecho da decisão.

A UPBus é apontada como a 11ª no ranking de maiores remetentes da T10 Bank. "Observou-se, portanto, que ao que tudo indica a subconta da UPBus no T10 Bank serviu como intermediária à movimentação dos recursos, quebrando a cadeia de análise do percurso dos recursos, considerando que, para o sistema financeiro oficial, a conta era titularizada pelo T10 Bank e não pela UPBus", diz trecho do documento.

Como funcionava suposto esquema, segundo a investigação
De acordo com a Receita Federal, uma pessoa física A tem uma conta de pagamento garantida aberta com a fintech e comanda suas operações através de um aplicativo digital.

A fintech, por sua vez, tem uma conta corrente, do tipo bolsão, em seu próprio nome em um banco comercial. A pessoa física A, de seu aplicativo, comanda uma transferência de R$150 mil para pessoa física B. Como a pessoa física A não tem vínculo com o banco comercial, seu nome não aparecerá no extrato, mas sim a fintech, titular da conta. A transferência para pessoa física B aparece no extrato tendo como origem a fintech e não a pessoa física A.

Neste esquema, a pessoa física A é invisível a um bloqueio judicial e pode manter seu patrimônio livre de restrições.

Quando a Justiça determinava bloqueio de bens de um investigado, por exemplo, não havia como rastrear contas pelo fato de ficarem invisíveis.

"As fintechs serviram aos interesses de pessoas jurídicas sonegadoras contumazes que, por causa de suas altas dívidas tributárias, fraudavam a execução fiscal usando as fintechs especialmente pelo oferecimento de uma 'conta garantida'", diz a Receita.

A Operação Concierge atingiu pessoas físicas e jurídicas localizadas nas cidades de São Paulo, São Caetano do Sul, Osasco, Barueri, Santana de Parnaíba, Embu-Guaçu, Jundiaí, Valinhos, Paulínia, Campinas, Americana, Sorocaba, Votorantim, Ilhabela e Belo Horizonte (MG).

A UPBus foi alvo da operação Fim da Linha deflagrada em abril último, ao lado da Transwolff. As empresas são acusadas de serem criadas com o dinheiro do PCC.

A operação do primeiro semestre deste ano foi a maior já feita até hoje contra a infiltração do crime organizado no poder público municipal no País. Trata-se do resultado de uma investigação de quatro anos feita pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), pela Receita Federal e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Na ocasião, foi decretado o bloqueio de R$ 684 milhões em bens dos investigados para o ressarcimento das vítimas e em razão de danos coletivos provocados pela atuação das empresas. À época, a defesa da UPBus informou que a origem financeira é lícita e comprovaria o fato no decorrer das investigações.

Com a palavra, a Inove Global Group
Os advogados do Inove Global Group ainda não tiveram acesso integral ao conteúdo da investigação. A empresa nega veementemente ter relação com os fatos mencionados pelas autoridades policiais e veiculados pela imprensa. Também ressalta total disposição em colaborar com as investigações. Importante ressaltar que o Inove Global Group é uma empresa de tecnologia ligada a meios de pagamento. E não uma Instituição financeira e nem banco digital.

Com a palavra, o BS2 (antigo Banco Bonsucesso)
O Banco BS2 informa que está colaborando com fornecimento de informações à Polícia Federal e Receita Federal relativas a movimentações financeiras de um cliente. Estamos prestando todos os esclarecimentos demandados pelas autoridades competentes e reafirmamos nossa atuação em conformidade com a regulamentação vigente.

Com a palavra, o Banco Rendimento
O Banco Rendimento segue todas as regulamentações do Banco Central e órgãos competentes, também aplicadas desde o início da relação com a T10 Bank, onde todas as avaliações recomendadas foram executadas. No momento da operação realizada hoje, o Banco Rendimento já não prestava mais os serviços mencionados para a T10 Bank. O Banco Rendimento está colaborando com as investigações.