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Premier da Alemanha pede cordão sanitário após sucesso da extrema direita nas eleições regionais

A AfD, que conquistou quase um terço dos votos em dois estados orientais, exige inclusão nas negociações

O chanceler alemão, Olaf Scholz - Michele Tantussi/AFP

O chanceler e primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, pediu nesta segunda-feira que os partidos tradicionais não deem apoio ao partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que teve uma noite de grande sucesso ao conquistar no domingo quase um terço dos votos em dois estados da Alemanha Oriental, Turíngia (quase 33%) e Saxônia (31%), cujas seções foram classificadas como "extremistas confirmadas" pela inteligência interna do país. Foi o melhor desempenho desde que foi fundado como um partido eurocético há 11 anos.

Scholz, que classificou os resultados de "amargos" e "preocupantes", pediu às siglas que mantivessem um "cordão sanitário", estratégia que pretende alienar os eleitores extremistas e que tem a intenção de garantir a estabilidade democrática no governo.


O termo foi amplamente utilizado nas eleições francesas, em julho, quando o partido de extrema direita Reagrupamento Nacional (RN) despontou como um dos favoritos.

— Nosso país não pode e não deve se acostumar com isso. A AfD está prejudicando a Alemanha. Está enfraquecendo a economia, dividindo a sociedade e arruinando a reputação do nosso país — afirmou o chanceler nesta segunda-feira, e conclamou: Todos os partidos democráticos são agora chamados a formar governos estáveis sem extremistas de direita.

Os líderes do partido rebateram o apelo e exigem fazer parte das negociações de coalizão nos dois estados, uma vez que os partidos que ganharam assentos no parlamento estadual já se comprometeram a não colaborar com a extrema direita.

A vice-líder Alice Weidel afirmou que os eleitores da Turíngia e Saxônia deram ao partido um "mandato muito claro para governar" e pediu às siglas que ignorassem o apelo do premier sob o argumento de que um cordão sanitário "prejudicaria a participação democrática de grandes setores da população".

— Cordões sanitários são antidemocráticos — alegou Weidel nesta segunda-feira.

Apesar de ser simbolicamente preocupante que um partido de extrema direita tenha se saído tão bem em dois estados menos de oito décadas após o fim da Alemanha nazista, é provável que a AfD tenha um impacto limitado na política nacional.

Ainda que um número recorde de eleitores tenha comparecido às urnas nos dois estados, apenas cerca de 7% de todos os alemães estavam aptos a votar.

"Minoria de blqoueio"
Na Turíngia, o primeiro lugar da AfD pode tornar o governo do estado complicado. Björn Höcke, líder estadual do partido e que já foi multado por usar slogan nazista, anunciou que a AfD estava procurando parceiros de coalizão, o que provavelmente será uma manobra inútil mesmo que demorada.

A segunda força no estado foi a conservadora União Democrata-Cristã, ou CDU na sigla em alemão, e já deixou claro que não irá governar com a extrema direita.

A sigla, que está na oposição em Berlim desde que Angela Merkel, sua líder de longa data e ex-chanceler, não concorreu novamente ao cargo em 2021, foi o único partido tradicional a sair vitorioso no domingo. Assim, matematicamente falando, restaria aos extremistas o apoio de partidos de esquerda para uma maioria.

Mas, embora o cenário seja nada confortável a AfD, o partido provavelmente conquistou assentos suficientes na Câmara dos Deputados, podendo atuar como uma "minoria de bloqueio" para travar certas votações cruciais que exigem o consentimento de dois terços dos legisladores, inclusive para mudar a Constituição do estado e impedir a nomeação de novos juízes.

O aumento do partido também poderia pressionar os partidos tradicionais a adotarem posições associadas à extrema direita. Muitos políticos já mudaram em algumas questões, incluindo regras sobre deportações.

Na Saxônia, a CDU ficou em primeiro lugar, conquistando 42 assentos, a AfD ficou em segundo, com 41 e a novata Aliança Sahra Wagenknecht de extrema esquerda, conhecida por suas iniciais em alemão BSW, conquistou 15 assentos.

O estado é governado pelos conservadores desde 1990 (após a reunificação com a queda do Muro de Berlim um ano antes) e apenas uma aliança entre CDU, BSW — o que é desagradável para muitos dentro da sigla — e os sociais-democratas teria uma maioria.

Coalizão governista enfraquecida
O partido de Scholz, o Social Democrata, conseguiu apoio suficiente dos eleitores para permanecer em ambos os estados, mas o mesmo não pode ser dito de seus dois parceiros de governo.

Com menos do que os 5% necessários para ter assento no parlamento estadual, os Verdes e o Partido Democrático Livre, ou FDP na sigla em alemão, foram expulsos do parlamento estadual da Turíngia. O FDP também não conseguiu conquistar assentos suficientes para entrar no parlamento estadual da Saxônia.

Embora os resultados da eleição não afetem imediatamente a coalizão, eles podem fazer com que alguns membros reconsiderem sua permanência nela até a próxima eleição federal, daqui a um ano. Mas, mesmo que a coalizão se mantenha, espera-se que os resultados das eleições impeçam novas leis progressistas, já que os parceiros da coalizão ficam cada vez mais nervosos com uma reação da direita nas eleições do próximo ano.

O vice-líder do partido liberal Democratas Livres e um dos principais críticos do governo alemão, Wolfgang Kubicki, afirmou que a coalizão do premier é culpada pelos resultados.

— As pessoas têm a impressão de que essa coalizão está prejudicando o país — disse o político, acrescentando: — E certamente está prejudicando o partido Democrata Livre.

Extrema esquerda avança
A novata BSW, fundada em janeiro após se separar do partido também de extrema esquerda Linke no ano passado, teve uma noite histórica ao obter quase 16% dos votos na Turíngia e quase 12% na Saxônia.

Os resultados, somados ao fato de que ninguém está disposto a trabalhar com a AfD, significam que o partido provavelmente terá um papel em um ou ambos os governos estaduais — o que é inédito para um partido com menos de um ano de existência.

Sahra Wagenknecht, a ex-comunista que fundou a sigla, disse que não participaria de uma coalizão com partidos que apoiam o armamento da Ucrânia.

Resta saber até que ponto ela insistirá nessa posição, que é uma das principais linhas de ação de seu partido, ou se a CDU, que sempre pressionou Scholz a ajudar a Ucrânia e espera administrar os dois governos estaduais, mudará seu curso em relação ao problema.

Em ambos os casos, as eleições de domingo podem ajudar a moderar a disposição da Alemanha de apoiar militarmente a Ucrânia.

O partido, que também pede impostos mais altos para os que ganham mais e restrições à imigração, també deve ter um bom desempenho nas eleições estaduais em Brandemburgo, região ao redor de Berlim, marcadas para 22 de setembro. O mesmo é esperado da AfD.

CDU se consolida
Os resultados de domingo provavelmente beneficiarão o líder da CDU, Friedrich Merz. Analistas disseram que os resultados sugerem que, sob sua liderança mais conservadora em problemas como a imigração, o partido tem uma chance contra rivais populistas.

E, embora ainda faltem algumas semanas para que os estados formem seus governos, é provável que tanto a Turíngia quanto a Saxônia sejam lideradas por um governador da CDU, o que daria ao partido mais poder em Berlim por meio do Conselho Federal dos Estados, que compreende os líderes estaduais.

— Nós somos o baluarte — disse Carsten Linnemann, secretário-geral da CDU, aos repórteres no domingo.