Venezuela

Familiares denunciam tratamento cruel e abusos cometidos contra detentas em prisão venezuelana

ONG relata que mulheres, incluindo as presas em pós-eleição, foram deixadas apenas com a roupa do corpo e que jogaram fora o leite dos filhos que as acompanham

Manifestantes detidos, que protestavam após o dia da eleição, são transportados para outro centro de detenção em Caracas, Venezuela - AFP

Mulheres presas, incluindo aquelas detidas em meio à repressão do governo de Nicolás Maduro nos dias que sucederam as eleições presidenciais de 28 de julho, estão sofrendo abusos e tratamentos cruéis por parte das autoridades do Instituto Nacional de Orientação Feminina (INOF), em Los Teques, denunciaram familiares das vítimas ao jornal venezuelano El Nacional, após uma visita ao centro penitenciário localizado no estado de Miranda na segunda-feira.

— Foram tirados delas livros, comida, água, lençóis, cobertores. Algumas foram abusadas física e psicologicamente. Isso é horrível, algo nunca visto antes. Não sabemos porque fizeram isso — disse à imprensa a parente de uma das presas.

Segundo a ONG Justiça, Encontro e Perdão (JEP), que fez uma denúncia similar na última quinta-feira, os maus-tratos ocorreram como resultado da recente mudança de autoridades na instalação.

"Alguns familiares relatam que foram levados pertences e materiais de higiene das pessoas privadas de liberdade. Além disso, eles não estão autorizados a trazer alimentos ou quaisquer outros suprimentos de suas famílias", afirmou a ONG JEP, citada pelo Efecto Cocuyo.

Zair Mundaray, advogado que documenta violações de direitos humanos, relatou ao Efecto Cocuyo há uma semana que "a ditadura [de Nicolás Maduro] nomeou um novo diretor, um ‘funcionário’ chamado Joselyn Pérez."

— Desde a sua chegada, [Pérez] rdena buscas constantes e violentas, ameaçando presos políticos e comuns, a quem humilha permanentemente — afirmou o advogado.

Um balanço publicado pela ONG Foro Penal na semana passada mostra que pelo menos 1.780 pessoas foram presas no país no contexto pós-eleições, das quais 230 são mulheres.

A repressão recrudesceu em meio aos protestos provocados pela reeleição de Maduro, proclamado vencedor pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano.

O resultado é contestado pela oposição, liderada por María Corina Machado, e boa parte da comunidade internacional, que defender o opositor Edmundo González como o verdadeiro vencedor.

"Estão nos torturando"
De acordo com o Observatório Venezuelano de Prisões (OVP), citado pelo El Nacional, as vítimas foram deixadas apenas com a roupa do corpo e que chegaram a jogar fora o leite das crianças que estão com suas mães no centro penitenciário.

"Além do dano psicológico ao qual as prisioneiras foram submetidas, os parentes disseram que agora terão que encontrar dinheiro de onde não têm para repor tudo o que jogaram fora", afirmou a ONG no X, acrescentando que os parentes das presas descreveram a revista realizada pelo Grupo de Resposta Imediata e pela Guarda Nacional Bolivariana como "a pior e mais cruel de todas".

A ONG relatou ainda que vizinhos da penitenciária escutam diariamente gritos como "chamem a imprensa, estão nos torturando" e "liberdade, liberdade".

Em maio, a ONG chegou a descrever o instituto como um "cemitério de mulheres vivas".

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Em relação aos menores, o observatório informou que no Instituto Nacional de Orientação Feminina (INOF) eles têm direito à proteção, ao acesso a bens essenciais para seu bem-estar e desenvolvimento, e a viver em condições dignas "independente das circunstâncias de suas mães".

A ONG descreveu a situação como alarmante e inaceitável e disse que está relatando "a negligência grave por parte das autoridades e a violação flagrante" dos direitos humanos dos menores aos órgãos internacionais.

"Não basta que o regime cause danos à população de mulheres presas, mas eles também estão atacando impiedosamente crianças inocentes que são forçadas a viver o inferno com suas mães", escreveu.

Denúncias antigas
Em 15 de agosto, o observatório denunciou os tratamentos desumano sofrido pelas detentas (pelo menos 70 presas arbitrariamente, segundo a ONG) do Centro de Formação de Mulheres Acusadas "La Crisálida", também no estado de Miranda.

Segundo o observatório, as autoridades mantinham dez detentas por cela, fornecendo a elas apenas um balde com água para que pudessem atender suas necessidades básicas e de higiene.

A ONG também relatou que a diretora da penitenciária jogava água fria nas detentas e as qualificava como "terroristas".

Denúncias de tratamentos desumanos e cruéis contra detentos não são novidades no país.

Ainda em junho, os detentos de pelo menos seis unidades penitenciárias chegaram a fazer uma greve de fome para protestar contra supostas violações de seus direitos, entre eles as detentas do INOF.

Os presos exigiam "respeito aos seus direitos humanos, reduções de penas, transferências para suas prisões de origem e a concessão de medidas humanitárias", afirmou a ONG na época.

Segundo estimativas das ONGs, nas prisões venezuelanas há uma superlotação de cerca de 200%, e os presos denunciam constantemente supostos maus-tratos, atrasos processuais e ausência de proteína em sua alimentação.