CINEMA

Efeitos práticos em filmes como ''Os fantasmas ainda se divertem'' e ''Alien: Romulus'' viram trunfo

Em tempos de excesso de digitalização, isso tem sido usado como estratégia de marketing

''Os fantasmas ainda se divertem'' e ''Alien: Romulus'' são exemplos recentes do uso de efeitos práticos - Divulgação

Michael Keaton topou reviver o papel do “bioexorcista” Beetlejuice numa continuação de “Os fantasmas se divertem” com uma condição: se a produção fosse parecida com a de 1988. Ou seja, se recorresse a maquiagem, fantoches, bonecos, fios e cabos para dar vida a uma fantasia mirabolante.

Tela verde de chroma key? Fora de cogitação para o ator — e também para Tim Burton, o diretor de “Osfantasmas ainda se divertem”, que chega aos cinemas amanhã.

—Não consigo lembrar de nada de CGI (sigla em inglês para “imagens geradas por computador”) — disse Burton, em conversa via Zoom com a imprensa latino-americana. —Fizemos apenas efeitos à moda antiga, nada que não estivesse no primeiro filme. Foi importante para o espírito (da continuação) que todo mundo estivesse lá sentindo tudo, para que fosse mais emocionante, pessoal e divertido.

O uso de “efeitos à moda antiga”, chamados no meio de “efeitos práticos”, vem sendo alardeado por estúdios. Num tempo de digitalização extrema e debates sobre inteligência artificial, quando (quase) tudo pode ser feito no computador, a criação artesanal virou diferencial.

—Hoje em dia, falar que você conseguiu resolver sem computação gráfica acaba sendo uma ferramenta de marketing — diz Niko Castilho, supervisor de efeitos visuais da produtora O2. — Com a evolução que temos, é legal mostrar que o cinema ainda tem essa força.

Por “cinema” entende-se realidade palpável filmada. Foi o objetivo do diretor uruguaio Fede Álvarez ao preferir que a criatura extraterrestre protagonista de “Alien: Romulus”, que estreou dia 15 de agosto, fosse um robô e não criada em computador.

“Não é sobre superar o CGI, (mas) os benefícios dos efeitos práticos são múltiplos”, disse o diretor ao videocast “Q with Tom Power”. “Nos filmes de guerra antigos, você sabia que as explosões e as pessoas eram reais, e aquele era o espírito.”

Proprietário da Gaveta Filmes e youtuber, Anderson Gaveta costuma falar bastante do assunto em seus vídeos e compara a situação a um “hambúrguer artesanal”. Boa parte das pessoas tem a sensação de que este tem mais valor do que o industrializado — e o mesmo tem acontecido em relação ao que se vê nas telas.

—A percepção do público é: quanto mais artesanal, melhor. E o CGI vai contra isso — diz Gaveta. — Na quarta temporada de “Stranger things” (série da Netflix), falaram que o vilão Vecna estava bem feito porque havia um figurino real. Na verdade, era um misto de roupa com CGI, dois departamentos trabalhando juntos.

Não tem como fugir

Ou seja: não pense que alguém no audiovisual possa, hoje, se dar ao luxo de dispensar total e radicalmente o digital. Nem Tim Burton, afirma Niko. A turma dos efeitos pode contribuir de diversas formas, seja com os chamados “clean-ups” para “limpar”, por exemplo, um fio que apareceu sem querer, até com a criação digital de um ambiente ou elemento.

— Não existe filme que não tenha que passar pela pós-produção — diz Niko, que faz parte da equipe da série “Cangaço novo”, do Prime Video. — Você precisa da computação gráfica em “Os fantasmas ainda se divertem”, por exemplo, para apagar um cabo que segura tal personagem.

Ou “limpar” uma linha de pesca.

— Não consigo expressar o quanto é divertido olhar com rabo de olho e ver alguém puxando a cauda de um gato com uma linha — diz o ator Michael Keaton, via Zoom, sobre um dos efeitos práticos de “Os fantasmas ainda se divertem”. — É como voltar a ser criança.

Tudo é uma questão de linguagem do diretor, tempo de produção e, claro, orçamento. Supervisor de efeitos visuais e diretor de efeitos da série “Senna”, que estreia em 29 de novembro na Netflix, Marcelo Siqueira toca na questão essencial da grana.

—Para ser artesanal, com a exigência que se quer, você precisa ter orçamento — diz o profissional. — E entre o artesanal e o tosco, há uma linha tênue. A audiência sente isso.

Mas o público percebe também “tosqueiras” no mundo digital — e a lista dos exemplos não para de crescer, dando argumento para alguns diretores badalarem sua predileção por efeitos práticos. Filmes como “Deadpool & Wolverine” (2024), “The Flash” (2023), “Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania” (2023), só para citar alguns, foram massacrados nas redes pela má qualidade da computação gráfica em cenas-chave.

— Às vezes, tenho a sensação de que acabou o dinheiro e tem que entregar do jeito que está (risos) — diz Marcelo Siqueira. — Essa ânsia de precisar colocar produto no ar e orçamento estrangulado dão margem para o tosco. Obviamente, sempre sobra para a pós-produção.

O problema aparece na tela, mas realmente o cerne pode estar atrás dela: excesso de produção e falta de tempo.

— Não é que estúdios como Marvel e DC (responsáveis pelas obras mais criticadas) fizeram pior. O problema foi falta de tempo — diz Anderson Gaveta. — Eles criaram muitos filmes e séries, todos amarrados uns aos outros em universos ficcionais. Se atrasasse um, atrasava mais três ou quatro. Efeitos visuais precisam de tempo. O primeiro “Avatar”, de 2009, levou anos para ser feito e, não à toa, o resultado até hoje se mostra na tela.

E a correria do super-herói “The Flash” (sem trocadilho) também está lá para todo mundo ver. Zach Mulligan, um dos artistas de efeitos visuais do filme, que tinha Keaton no elenco como Batman, disse no TikTok: “Se um efeito visual em ‘The Flash’ parece ter sido feito em uma semana, provavelmente, foi mesmo.”

Em condições normais de tempo e dinheiro, não há como dizer que efeitos práticos ou digitais sejam melhores ou piores para o cinema, dizem especialistas. O que existem são estratégias melhores do que outras para cada produção.

— Os efeitos têm que se adaptar à linguagem do filme, e não o contrário — diz Marcelo Siqueira.

Os efeitos práticos defendidos pelos diretores Fede Álvarez e Tim Burton trazem para os filmes um aspecto de pessoalidade que impacta os atores e, por conseguinte, faz diferença para a audiência. O diretor de “Alien: Romulus” bateu muito nesta tecla ao explicar por que preferiu gastar tempo e dinheiro na construção dos robôs do filme.

“Nada supera o ator perto de uma criatura. Quando ela se aproxima e faz um som brusco perto do rosto, eles realmente acreditam na cena, muito mais do que quando há uma bola de tênis na cara deles”, disse Álvarez ao videocast “Q with Tom Power” sobre as estratégias de filmagem quando há CGI. “E, como público, quero saber que aquela criatura estava lá, perseguindo os atores. Quando sei que eles estavam fugindo do nada, é desolador.”

Para tentar trazer mais veracidade ao trabalho de atuação, uma tecnologia de imersão apelidada de “The volume” foi testada em séries como “The Mandalorian” e “Obi-Wan Kenobi”, da Disney+, e filmes como “Batman”, de Matt Reeves, de 2022. Esqueça a tela verde estática: os atores atuam num espaço semicircular, cheio de LEDs de alta definição. Ali, é projetado por todos os lados, inclusive no teto, em tempo real, o cenário digital, com a iluminação da cena já calibrada.

— Existe uma tentativa de criar um máximo de cenário possível para dar imersão do ator e do público também — diz Anderson Gaveta. — É uma mistura do pessoal da parte prática com o pessoal do efeito visual para que a gente não note o show de mágica.