Ucrânia

Ucrânia dá início à maior reforma no governo desde o início da guerra

Presidente ucraniano sinaliza que os próximos meses devem ser cruciais para o futuro do país; ataque mata quatro pessoas da mesma família em Lviv

Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky (D), ao lado do premier da Irlanda, Simon Harris - Serviço Presidencial de Imprensa da Ucrânia / AFP

A Ucrânia deu início àquela que é considerada a maior mudança de cadeiras dentro do governo de Volodymyr Zelensky desde o início da invasão russa, há quase três anos.

Ministros de postos-chave, incluindo de Relações Exteriores, apresentaram cartas de renúncia ao Parlamento, e para Zelensky, as trocas são necessárias para “fortalecer o Estado” antes de meses difíceis no conflito.

A carta de renúncia de maior destaque veio do chanceler, Dmytro Kuleba, uma das faces mais conhecidas do governo ucraniano.

Os rumores sobre sua saída não são novos, e começaram a surgir em agosto do ano passado, mas nas últimas horas a imprensa local começou a dar como certa a mudança no comando da diplomacia.

O substituto seria o vice-chanceler, Andrii Sybiha.

— Precisamos de nova energia hoje. E essas etapas (reorganização) estão relacionadas apenas ao fortalecimento do nosso Estado em vários setores. A política internacional e a diplomacia não são exceção — afirmou Zelensky, ao lado do premier da Irlanda, Simon Harris, que está em Kiev. — Não posso prever hoje o que exatamente alguns ministros farão. As respostas virão quando lhes forem oferecidas certas posições.

Além de Kuleba, outros cinco ministros e vice-primeiros-ministros apresentaram suas cartas de renúncia na terça-feira, um passo formal da reforma ministerial que já vem sendo ventilada pelo presidente há alguns meses.

Nesta quarta, o Parlamento chegou a um consenso sobre a saída de três ministros, incluindo o titular da pasta da Justiça, Denys Maliuska, e da vice-primeira-ministra para a Integração Europeia, Olha Stefanishyna. Não houve votos para aprovar as demissões do chefe do Fundo de Propriedade Estatal, Vitalii Koval, e da vice-primeira-ministra e ministra da Reintegração, Iryna Vereshchuk.

A decisão sobre o destino de Kuleba foi adiada a pedido do partido de Zelensky, o Servo do Povo, uma vez que as lideranças da bancada governista entenderam que não teriam votos suficientes.

Novas demissões, incluindo em postos de segundo e terceiro escalão, podem ser anunciadas esta semana.

— É uma grande mudança. Era esperada há muito tempo — disse ao Kyiv Post Oleksandr Merezhko,presidente da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento. — À nossa frente estão tempos difíceis, um outono e inverno difíceis. Talvez essa reforma esteja de alguma forma relacionada ao novo período de desafios para a Ucrânia.

Em comentário feito a jornalistas, o secretário de Imprensa do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que as movimentações estavam sendo "cuidadosamente monitoradas", mas que elas não teriam efeito algum sobre uma eventual negociação envolvendo os dois lados.

Diante de um terceiro ano de invasão russa que traz mais preocupações do que sinais positivos para o futuro, Zelensky tem realizado mudanças na formação do governo.

Em março, anunciou trocas em sua equipe de assessores, afastando aliados de longa data, como Serhiy Shefir, com quem trabalhou nos tempos em que era apenas um ator de comédia.

Houve mexidas no comando militar, com a saída de Valeriy Zalujny, principal general do país, em fevereiro, e de Yuri Sodol, chefe das Forças Conjuntas das Forças Armadas, em junho.

Na época, ele afirmou que mais trocas ocorreriam “em breve”.

— O outono será extremamente importante para a Ucrânia. E nossas instituições estatais devem ser organizadas de tal forma que a Ucrânia alcance todos os resultados de que precisamos, para todos nós. Para fazer isso, precisamos fortalecer algumas áreas no Governo, e decisões sobre pessoal foram preparadas — afirmou Zelensky, na terça-feira, em um de seus pronunciamentos diários.

Na fala, o presidente defendeu políticas para fortalecer a indústria de defesa, de preferência com a atração de parcerias externas, e pontuou que a diplomacia ucraniana deve intensificar o diálogo para a futura adesão à União Europeia e à Otan, a aliança militar liderada pelos EUA que é a maior parceira na luta contra os russos.

— Precisamos de um novo nível de trabalho de informação simultânea, cultural e diplomática. E um novo nível de relações com a comunidade ucraniana global. Agora é a hora de dar nova força às instituições governamentais da Ucrânia, e sou grato a todos que ajudarão — disse o líder ucraniano.

Com as trocas, Zelensky sinaliza que quer consolidar em torno de si o processo decisório sobre a guerra, no momento em que as vitórias são escassas, e diante de uma Rússia que avança com ataques cada vez mais agressivos.

Na terça-feira, 53 pessoas morreram quando mísseis atingiram um prédio militar e um hospital na cidade de Poltava, na região central do país.

Nesta quarta, o alvo foi Lviv, no Oeste ucraniano: segundo as autoridades locais, sete pessoas morreram em um ataque com drones e mísseis de cruzeiro russos, incluindo uma mulher e suas três filhas — da família, apenas o pai sobreviveu.

"Não sei que palavras dizer para apoiar Yaroslav — o pai. Hoje estamos todos com você", escreveu o prefeito de Lviv, Andriy Sadovy, em suas redes sociais. Em comunicado, a Chancelaria ucraniana perguntou "quantas famílias mais serão mortas antes que a Ucrânia tenha todos os meios e decisões para destruir a máquina de guerra da Rússia?".

De acordo com Maxim Kozitsky, chefe da administração militar de Lviv, 38 pessoas ficaram feridas, incluindo cinco crianças.

Ele afirmou ainda que nenhum alvo militar foi atingido pelos russos, mas que 50 edifícios e casas foram danificados, incluindo clínicas médicas e escolas — algumas das estruturas estavam localizadas dentro do centro histórico da cidade, que integra a lista de patrimônios culturais da humanidade da Unesco.

Ao comentar o ataque, Zelensky, além de agradecer o envio de equipamentos de defesa aérea, voltou a cobrar os aliados ocidentais para que permitam o uso de armas fornecidas por eles em ataques mais profundos dentro da Rússia.

“Cada um dos nossos parceiros no mundo que ajudam a Ucrânia na defesa aérea é um verdadeiro defensor da vida. E todos os que convencem os parceiros a dar mais autonomia à Ucrânia, a fim de responder ao terror de forma justa, trabalham para evitar tais ataques terroristas russos nas cidades ucranianas”, escreveu o presidente ucraniano no Telegram. “O terror deve ser interrompido.”