OPINIÃO

A cultura é prova de resiliência contra o etarismo

"Eu amo os atores que sabem que a única recompensa que podem ter não é o dinheiro e nem são os aplausos. É a esperança de poder rir todos os risos e chorar todos os prantos".

A frase em epígrafe é uma escrita de autoria do teatrólogo Plínio Marcos, encaixada com a devida perfeição no texto do monólogo "Não me Entrego, Não", interpretado por Othon Bastos. Extraio essa passagem, por tê-lo assistido dias atrás em teatro no Rio de Janeiro, justo numa performance inigualável. Afinal, ele soube coroar com seu talento, a trajetória profissional de quem, aos 91 anos, tem sido capaz de também se revelar como um exemplo. Alguém que dá continuidade à sua longeva carreira, como prova de que resistir é possível. E ousar, mais ainda. Portanto, para meu propósito neste texto, tomo como referência maior o ofício do verdadeiro ator, que Plínio tão bem soube descrevê-lo e reverênciá-lo. 

Nessa pegada, na qual destaco o privilégio de assistir ao trabalho de Othon, pude refletir ainda mais sobre a capacidade cognitiva e física de idosos, justo daqueles que sabem dar brilho e vigor às suas vidas. De fato, nesses últimos dias, pude acompanhar de perto outras importantes demonstrações de resiliência profissional. E trago o tema à baila, quando se tem em conta hoje uma configuração vergonhosa e explícita de práticas de etarismo. Infelizmente, reações contrárias ao papel de idosos nos mercados de trabalho têm sido rotinas frequentes.

Sem mais arrodeios, sustento aqui que não importam valores como comprometimento e experiência. Nem muito menos, a proximidade de uma evidência estatística sobre um novo perfil demográfico, ditado por um implacável envelhecimento populacional. Numa realidade hoje quase incomum, quando a gente se depara com exemplos que resistem à tal tendência, já dosada pelo preconceito, é importante que demonstrações contrárias sejam registradas e difundidas.

Diante desse contexto, valho-me aqui da mesma oportunidade que tive ao aplaudir Othon, para registrar feitos semelhantes observados pelo meu mero olhar criterioso. A propósito, vale enfatizar, fatos observados pelas lentes que diferenciam a excelência das atividades culturais que, nas suas posturas naturais de vanguarda e ousadia, atuam como focos de resistência. Assim, faço questão de expor aqui outros casos. Aliás, dignos de uma carga considerável de emoção, tal e qual vivenciei naquele monólogo.

Agora, reporto-me a outro privilégio que tive, ao prestigiar a solenidade do Prêmio Grande Otelo 2024, quando são reconhecidos pela Academia Brasileira do Cinema, os melhores de 2023. Neste evento, outro misto de emoção e resiliência, sobretudo, em dois momentos que me marcaram, profundamente. Registro aqui uma justíssima homenagem e um mérito tardio. 

A homenagem foi reservada aos remanescentes de um velho e transformador movimento artístico-cultural: o ciclo do chamado "Cinema Novo". Neste particular, não estão apenas vivos na memória os variados efeitos gerados pela "turma das ideias na cabeça e câmeras nas mãos". Assim como, aqueles jovens ousados de outrora, que trouxeram para as telas a mais pungente cara do Brasil. Causou-me emoção rever cenas e algo a mais: o entusiasmo de Ruy, Zelito, Walter, Cacá e o casal Barreto. Todos comprometidos com tudo que ainda sonham por fazer nos sets. A troca aberta de palavras entre Zelito e Ruy, que revelaram disputa entre eles para estarem no próximo Prêmio, foi mesmo emocionante, enquanto uma "disposição juvenil" para dar continuidade às suas trajetórias. Inesquecível. 

Por outro lado, também no mesmo evento, pude acompanhar o reconhecimento dos associados da Academia, ao concederem à conterrânea Arlete Sales o troféu Grande Otelo, como melhor atriz coadjuvante. A emoção não se revelou apenas ao mérito da premiação em si. Nem também pela demonstração de que Arlete pode (e deve) exercer sua carreira de atriz, com aqueles mesmos valores da citação de Plínio e da arte semelhante do competente Othon. Tão importante quanto esses valores foi ouvir dela algo que possa servir aqui como mensagem de resistência. Refiro-me à sua declaração de que aquele troféu foi o primeiro que conquistou no cinema. Incrível.

Com esses momentos na memória, tento trazer para os leitores, de todas as faixas etárias, algo que parece simples, mas que serve como indispensável alerta. Seja para os idosos marcados pelo iminência de um desalento, que embute os sonhos frustrados. Seja também para aqueles que, pouco ou nada apostam, em tudo aquilo que a sabedoria e experiência trazem com o avançar da idade.

O "não se entregar" que aqui exprimiu o título do monólogo de Othon, cabe para as duas faces da moeda.

 

*Economista e colunista da Folha de Pernambuco

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