EUA e UE denunciam envio de mísseis do Irã para a Rússia
Governo iraniano negou acusações, enquanto porta-voz do Kremlin não desmentiu
O Irã rejeitou, nesta segunda-feira (9), as acusações de países ocidentais de que Teerã havia fornecido armas à Rússia para a guerra na Ucrânia. Moscou, por sua vez, não confirmou e nem negou a informação, indicando apenas que a administração russa mantém relações com o governo iraniano “em diferentes setores”.
As declarações foram feitas após autoridades dos Estados Unidos e da Europa afirmarem, no sábado, que o Irã enviou mísseis balísticos de curto alcance para a Rússia, apesar dos avisos de Washington e de seus aliados.
O porta-voz da Presidência russa, Dmitri Peskov, afirmou que “esse tipo de informação nem sempre é verdade”. Ele se limitou a dizer que o Irã é “um parceiro importante” e que ambos mantém a cooperação “em todas as áreas possíveis, mesmo as mais sensíveis”.
O porta-voz do ministério das Relações Exteriores iraniano, Naser Kanani, por outro lado, afirmou que seu país não era uma “parte interessada” no conflito entre a Rússia e a Ucrânia, e disse que “aqueles que acusam o Irã são eles próprios os maiores exportadores de armas para uma das partes em conflito”.
Também nesta segunda-feira, a União Europeia (UE) afirmou que os aliados têm informações confiáveis sobre a entrega de mísseis balísticos do Irã à Rússia— e alertou que imporia novas sanções a Teerã caso as hipóteses fossem confirmadas.
O porta-voz da diplomacia do bloco, Peter Stano, disse que “a posição unânime dos líderes europeus sempre foi clara”, e que a UE “responderá rapidamente, inclusive tomando novas medidas restritivas significativas contra o Irã”.
Na semana passada, autoridades dos Estados Unidos e da Europa confirmaram ao Wall Street Journal que, após meses de alertas sobre sanções, o Irã enviou “vários mísseis balísticos” de curto alcance para a Rússia. Segundo especialistas, se confirmado, é esperado que os novos armamentos ajudem Moscou a intensificar seus esforços para destruir a infraestrutura civil da Ucrânia — um esforço que, de acordo com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, atualmente envolve cerca de 4 mil bombas por mês em todo o país.
Em declaração divulgada na sexta-feira pela missão permanente do Irã nas Nações Unidas, Teerã já havia negado o envolvimento. Em comunicado, a representação iraniana afirmou que o país “considera o fornecimento de assistência militar às partes envolvidas no conflito — que leva ao aumento de baixas humanas, destruição de infraestrutura e distanciamento das negociações de cessar-fogo — como desumano”.
A nota acrescentou que o governo iraniano “não apenas se abstém de se envolver em tais ações, mas também exorta outros países a cessarem o fornecimento de armas” para ambos os lados da guerra.
O Grupo dos 7 (que reúne Japão, Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, Canadá e Reino Unido) advertiu em março que aplicaria sanções coordenadas ao Irã caso a transferência de mísseis fosse realizada. O aviso foi repetido numa cúpula da Otan, a aliança militar do ocidente, em julho.
No sábado, Sean Savett, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, recusou-se a confirmar o envio de mísseis, mas sugeriu uma crescente cooperação entre Teerã e Moscou.
— Estamos alertando sobre a crescente parceria de segurança entre a Rússia e o Irã desde o início da invasão em grande escala da Ucrânia, e estamos alarmados com esses relatos — disse.
— Qualquer transferência de mísseis balísticos iranianos para a Rússia representaria uma escalada dramática no apoio do Irã à guerra da Rússia contra a Ucrânia e levaria à morte de mais civis ucranianos. Essa parceria ameaça a segurança europeia e ilustra como a influência desestabilizadora do Irã vai além do Oriente Médio e alcança o mundo todo.
Diplomacia elaborada
Apesar das ameaças e das relações tensas entre Washington e Teerã, o presidente dos EUA, Joe Biden, tem vários motivos para agir com cautela. Um deles é que o governo democrata vem realizando uma diplomacia elaborada com o Irã há meses, buscando evitar que a guerra na Faixa de Gaza se transforme num conflito regional.
Por meio de intermediários, oficiais da Casa Branca têm exortado Teerã a não lançar ataques militares contra Israel ou ordenar uma ofensiva em larga escala por meio de seu aliado no Líbano, o grupo xiita Hezbollah.
Com a campanha presidencial americana em pleno andamento, e com Biden num momento de pouca influência, um alto funcionário europeu disse ao The Times que não estava claro quão forte seria a resposta de Washington.
O mandatário americano recusou-se a atender aos pedidos de Zelensky para suspender as restrições ao uso de mísseis de longo alcance pela Ucrânia para atacar bases aéreas no interior da Rússia. A partir desses locais, Moscou pode atacar o território ucraniano com bombas pesadas.
A Ucrânia atualmente não possui armamentos com alcance suficiente para atingir essas bases aéreas.
Na sexta-feira, Zelensky foi à reunião do Grupo de Contato da Ucrânia em Ramstein, na Alemanha, para pedir mais uma vez que as restrições fossem suspensas. No mesmo dia, ele repetiu o pedido numa importante conferência sobre a Europa em Cernobbio, na Itália.
O líder ucraniano falou em “defesas aéreas para nos defendermos” e pontuou que a Ucrânia não usaria nenhum míssil fornecido pelos aliados contra alvos civis, “apenas em bases aéreas militares”.
— As pessoas têm medo de que ataquemos o Kremlin. É uma pena que não possamos — disse ele, indicando que mesmo os mísseis que ele solicitou não poderiam alcançar tão longe.
Preocupação do Irã
O Irã e a Rússia, países aliados, aceleraram a sua aproximação nos setores econômico, energético e militar desde o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022, e da imposição de sanções ocidentais contra Moscou.
O fornecimento de mísseis iranianos para a Rússia poderia levar Biden a aprovar mísseis de longo alcance para a Ucrânia, sugeriram autoridades no sábado. No entanto, o funcionário europeu afirmou ao The Times que Biden tem sido cauteloso em pressionar seu homólogo russo, Vladimir Putin, com medo de uma escalada da guerra e de um conflito direto com a Otan.
Para Andrew Weiss, especialista em Rússia no Fundo Carnegie para a Paz Internacional, a “verdadeira questão” é por que o Irã “tomou essa decisão tardia de transferir os mísseis, dado os sinais claros da Europa sobre as sanções que inevitavelmente” serão impostas.
Weiss afirmou que o Irã está especialmente preocupado com a possibilidade de uma ação punitiva por parte da Europa — que não possui tantas sanções contra Teerã como os EUA — em relação a qualquer transferência de mísseis para a Rússia.
Há também uma preocupação entre os funcionários ocidentais de não pressionar demais o novo presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, que é visto como um moderado dentro do establishment governante do país.
Eleito em julho, Pezeshkian afirmou que espera melhorar a economia doméstica garantindo alívio das sanções da Europa e dos Estados Unidos. Funcionários ocidentais também esperam que ele ajude nos esforços para restringir o programa de enriquecimento nuclear do Irã.
Rússia anuncia avanços
Ainda nesta segunda-feira, o Exército russo reivindicou a tomada de uma nova localidade no leste da Ucrânia, perto da cidade estratégica de Pokrovsk, alvo das tropas de Moscou há várias semanas.
O Ministério da Defesa russo afirmou que seus soldados conquistaram a localidade de Memrik, na região de Donetsk, a cerca de 20 quilômetros de Pokrovsk. No domingo, as tropas russas já haviam reivindicado a tomada de outro local, Novogrodivka, na mesma área.
As tropas da Rússia tentam capturar Pokrovsk há várias semanas e registraram inúmeros avanços em relação aos militares ucranianos, mais fracos em números e armamentos.
A Ucrânia lançou uma ofensiva na região russa de Kursk no dia 6 de agosto, com a expectativa de obrigar Moscou a dispersar suas tropas e frear seus avanços no leste do país. Mas a Rússia conseguiu avançar em diversas áreas, tendo registrado em agosto os seus maiores ganhos territoriais em mais de dois anos de guerra.
O presidente russo, Vladimir Putin, lembrou na quinta-feira que capturar o Donbass, região oriental da qual Donetsk faz parte, é o “objetivo prioritário” de Moscou.