SAÚDE

"Peeling de fenol é seguro", diz presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia

Em entrevista ao GLOBO, Heitor de Sá Gonçalves defende que o procedimento seja feito por médicos para garantir a segurança

Presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Heito de Sá Gonçalves - SBD/Divulgação

Em junho, após a morte de um empresário em São Paulo em decorrência de um peeling de fenol realizado por uma esteticista e influenciadora, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a comercialização de produtos que contenham a substância no Brasil. De acordo com a autarquia, o veto permanecerá vigente enquanto são conduzidas investigações sobre a segurança do fenol.

No entanto, no final de julho, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), em conjunto com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), enviaram um documento à agência em que pediram a revogação da proibição e apresentaram evidências de segurança e eficácia do fenol, desde que manuseado por médicos habilitados. Após um mês sem resposta da Anvisa, a SBD levou a questão à Justiça.

— Já tem mais de um mês que enviamos o dossiê e não obtivemos resposta. Depois de três semanas sem resposta, nós judicializamos (o tema) pela SBD. A Anvisa já foi notificada, e agora cabe (esperar) o julgamento, se a sentença será favorável ou não — conta o presidente da SBD, Heitor de Sá Gonçalves.

O peeling de fenol foi um dos grandes tema de palestras realizadas ao longo desta semana no 77º Congresso Brasileiro da SBD. Ao Globo, o presidente da entidade falou sobre o procedimento, o apelo à Anvisa e a discussão em torno da realização de outros procedimentos invasivos, como botox e preenchimentos com ácido hialurônico, por não médicos.

O peeling de fenol repercutiu bastante desde a morte do empresário em São Paulo. Na visão do senhor, o procedimento tem indicações? Ou é muito arriscado?
O peeling de fenol é um procedimento que atinge camadas mais profundas da pele chegando até a derme e provocando uma retirada das células envelhecidas e promovendo uma renovação celular acompanhada por uma indução da produção de colágeno. Isso vai melhorar rugas finas, rugas um pouco mais profundas, a textura da pele. É um peeling, do ponto de vista de rejuvenescimento, com alta eficácia.

Mas é um procedimento invasivo, já que atinge camadas mais profundas da pele. Isso significa que ele pode ter efeito sistêmico no corpo, porque na derme temos circulação sanguínea. Então aquela substância pode entrar na circulação e levar a efeitos adversos como a toxicidade cardíaca, que pode causar uma arritmia e até um óbito, se não for corretamente diagnosticado rapidamente e revertido.

Por isso, ele precisa ser uma indicação médica e aplicado por um médico que tenha treinamento, seja habilitado para utilizar o fenol. E precisa ser feito num ambiente onde ele possa monitorar antes, durante e depois do procedimento todas as funções cardíacas e renais, para ser possível detectar qualquer efeito adverso de forma rápida e revertê-lo. De preferência, deve ser realizado em ambiente hospitalar ou numa sala de pequena cirurgia que tenha essa possibilidade de monitoramento.

Como o senhor vê a proibição estabelecida pela Anvisa para os produtos de fenol?
Não concordamos. Você tem um remédio que foi um instrumento para causar um delito e, ao invés de focar em quem causou o delito, você vai proibir o remédio? A forma de corrigir é normatizar, criar regras, dizer quem pode e quem não pode usar o fenol. Cobrar isso, monitorar e fiscalizar, e esse é o papel que eu entendo ser da Anvisa. Como acreditamos que o peeling de fenol é seguro, desde que aplicado pelo profissional habilitado e da forma e ambiente corretos, mandamos para a Anvisa um dossiê de indicações do uso do fenol, que não é adotado apenas na cosmetologia, junto com as evidências de eficácia e segurança pedindo a revisão da medida.

A Anvisa deu alguma resposta? Existe algum diálogo?
Já tem mais de um mês que enviamos o dossiê e não obtivemos resposta. Depois de três semanas sem resposta, nós judicializamos (o tema) pela SBD. A Anvisa já foi notificada, e agora cabe (esperar) o julgamento, se a sentença será favorável ou não (à suspensão da proibição da Anvisa).

Hoje existe uma discussão muito forte sobre o que só pode ser feito por médicos, já que muitos conselhos de outras áreas da saúde emitem resoluções permitindo seus profissionais a realizarem procedimentos que, na visão do CFM, seriam invasivos e, portanto, restritos a profissionais da medicina. Como vê isso?
A lei do ato médico tem o artigo que diz que procedimento invasivo é um ato médico. O magistrado que não observar isso não está observando direito. Os conselhos hoje usam essa artimanha de fazer resoluções, mas você não pode fazer uma resolução que sobrepassa uma lei. Mas fazem, e o juiz invalida aquela resolução. Só que aí eles fazem outra, mudando duas, três palavras. E, com isso, vai seguindo a impunidade.

Só que o procedimento que é invasivo, ou seja, atinge a derme, entra em contato com vasos da nossa circulação sanguínea e, por isso, tem risco de efeitos colaterais sistêmicos. Por isso, só pode ser feito por quem pode diagnosticar e controlar rapidamente esses efeitos.

E o resultado também exige conhecimentos específicos. Por exemplo, a toxina botulínica, você precisa conhecer neuroanatomia muscular para saber quais músculos aquele nervo inerva e qual o movimento que ele faz para, assim, poder aplicar corretamente e ter o efeito a eficácia desejados. Quem tem esse conhecimento pela sua formação básica é o médico.

Então não é só uma questão de segurança, pelo diagnóstico e controle dos possíveis efeitos adversos, mas também pelos resultados. E aí não é só a toxina botulínica, o mesmo vale para os preenchedores, como ácido hialurônico, o PMMA, bioestimuladores, tudo deve ser restrito aos médicos.

O PMMA também tem sido alvo de polêmica, existe indicação de uso?
De novo houve um delito que, ao invés de punir o delito, fala-se em punir o produto. O PMMA realmente, por ser um procedimento definitivo, pode levar a efeitos adversos por muito tempo. E a SBD se posiciona formalmente contra para uso na cosmética por termos hoje outros procedimentos menos arriscados.

Mas há casos com indicações. Hoje há muitas pessoas que vivem com HIV que desenvolvem, devido ao tratamento, lipoatrofia, que fica com depressões imensas no rosto, na região do glúteo. E o tratamento que resolve isso é o PMMA. Existem pessoas também que têm amiotrofia, que faz o músculo do metacarpo secar, com buracos nas mãos antes dos dedos, e preenchemos com PMMA.

E um terceiro caso são pessoas que tiveram paralisia infantil, que não movimentam as pernas, e por isso desenvolveram uma atrofia grande da musculatura da panturrilha, que é corrigida com o PMMA. Então o uso em determinadas doenças nós somos favoráveis. Os custos são altos, mas o Ministério da Saúde já disponibilizou o PMMA antes para essas situações e parece que vai voltar a fornecer.

Nesse cenário de procedimentos invasivos por não médicos, tem preocupado a ocorrência de complicações?
Sim. Estamos tentando inclusive audiências com altas instâncias do Judiciário. Porque isso não é uma atitude corporativa, nem de busca de mercado. O que está em discussão é a proteção da saúde da população. Chegou ao limite, não dá mais para continuar assim. Hoje todo mundo se julga no direito de poder fazer tudo, e quem paga é a população. E as complicações vão para os médicos, que assumem a tarefa de resolver algo que não foi ele que causou.

Há um alinhamento dessa posição com as outras sociedades que estão ligadas a esse tema e com o CFM?
Temos um alinhamento muito bom com a cirurgia plástica, que é quem está mais ligado, mas também com a oftalmologia, que faz alguns procedimentos com toxina botulínica para estrabismo, por exemplo. Na medida do possível, temos todos procurado atuar em conjunto.

Tivemos mudanças recentes nas regras do CFM sobre marketing nas redes sociais, e dermatologia é uma área em que isso é bem frequente. Como vê as regras e os limites?
Muitos colegas ultrapassam os limites da ética. E é fundamental seguir as regras do Conselho. Houve avanços, porque antes não se podia nem divulgar os resultados, mas é preciso seguir esses princípios. Até porque algo muito próximo é a Lei Geral de Proteção de Dados. Eu não posso divulgar um resultado se, primeiro, você não permitir e, mesmo você permitindo, com você não tendo a consciência do que você está permitindo.

Porque às vezes você assina para agradar o médico e nem sabe o que significa. É preciso que todo médico siga esses limites, e no caso da dermatologia é muito intrincada essa questão de divulgação dos resultados, da autopromoção. Vender resultados que você sabe que não pode garantir, também é algo que não pode ser feito, são aspectos que precisam ser levados em conta.