Guerra

Líder do Hamas diz que grupo está preparado para "uma longa guerra de atrito" com Israel em Gaza

Yahya Sinwar também parabeniza ataque dos Houthis contra Estado judeu e afirma que esforços combinados dos "irmãos da resistência" provocarão a derrota dos israelenses

Yahia al-Sinwar é o líder político do Hamas - Mohammed Abed/AFP

O líder do Hamas, Yahya Sinwar, disse nesta segunda-feira que o grupo está preparado "para uma longa guerra de desgaste" contra Israel, contra quem seus combatentes travam uma guerra há quase um ano na Faixa de Gaza.

Na mensagem, uma carta enviada ao líder dos Houthis no Iêmen, Abdul-Malik al-Houthi, Sinwar também elogiou os rebeldes, que reivindicaram um ataque no domingo contra o território israelense. A investida não deixou mortos, mas intensificou as tensões na região.

"Eu os parabenizo pelo seu sucesso em fazer com que seus mísseis atingissem profundamente a entidade inimiga, ignorando todas as camadas de defesa e proteção", escreveu o líder do grupo, acrescentando que o Hamas se preparou "para uma longa guerra de atrito".

Ainda segundo Sinwar, os esforços dos rebeldes iemenitas, somados aos dos "nossos bravos irmãos na resistência" no Líbano e no Iraque, "quebrarão a vontade de Israel" e provocarão sua derrota.

O líder do Hamas, no poder em Gaza desde 2007, afirmou também que os seus combatentes "estão em uma boa posição" e que os relatórios produzidos por Israel fazem parte de uma guerra psicológica.

O oficial sênior do grupo, Osama Hamdan, disse à AFP no fim de semana que o grupo "tem uma grande capacidade de continuar" lutando apesar das perdas, observando "o recrutamento de novas gerações" para substituir os militantes mortos.

A mensagem desta segunda-feira não é a primeira do líder palestino a ser veiculada pela imprensa.

Uma carta de Sinwar ao líder do Hezbollah libanês, Hassan Nasrallah, foi publicada na última sexta-feira, na qual Sinwar reafirmou o seu compromisso de lutar contra Israel e apoiar as organizações militares financiadas pelo Irã no Oriente Médio, cuja aliança ficou conhecida como Eixo de Resistência.

Na terça-feira, o líder do grupo enviou uma mensagem de agradecimento ao presidente eleito da Argélia, Abdelmadjid Tebboune, por renovar a confiança do público nele, informou o jornal israelense Haaretz, quebrando um silêncio de quase um ano.

De acordo com Muhammad Shehada, escritor e analista de Gaza, à CNN, o público-alvo das cartas é principalmente Israel, além de uma forma de demonstração de força apesar dos amplos esforços para capturá-lo.

Há ainda um recado para o próprio Hamas, sobretudo aos "céticos de dentro do movimento ou até mesmo mediadores como o Catar, os EUA e o Egito, que duvidam que ele possa ser capaz de cumprir seu papel de liderança a partir dos túneis em Gaza".

Linha-dura e um dos homens mais procurados por Israel, Sinwar foi nomeado o novo líder do grupo no início de agosto após Ismail Haniyeh ser morto durante um ataque atribuído a Israel na capital do Irã, Teerã.

À frente do grupo no enclave desde 2017, Sinwar é apontado como o maior responsável pelo ataque terrorista em 7 de outubro, no qual quase 1,2 mil pessoas foram mortas e 251 sequestradas.

Em resposta, Israel tem perpetrado intensos bombardeios e incursões no enclave palestino, que já deixaram mais de 41 mil mortos, segundo o Ministério da Saúde.

Tensões com o Hezbollah continuam
A mensagem de Sinwar foi divulgada em meio aos combates incessantes e mortais na Faixa de Gaza.

O Ministério da Saúde do enclave afirmou que pelo menos 20 pessoas morreram e 76 ficaram feridas nas últimas 24 horas. A pasta, apesar de ser gerida pelo Hamas, é citada pela maioria das organizações internacionais e várias agências da ONU, especialmente a responsável pelos refugiados palestinos (UNRWA), que co nsideram seus números confiáveis.

Em paralelo, autoridades israelenses receberam Amos Hochstein, um dos conselheiros mais confiáveis do presidente dos EUA, Joe Biden. Hochstein desembarcou em Israel nesta segunda-feira e se encontrou com o ministro da Defesa Yoav Gallant e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, com quem abordou a questão na fronteira norte, onde Israel troca diariamente agressões com os combatentes do Hezbollah desde outubro, quando o movimento xiita lançou ataques contra o norte de Israel em solidariedade ao Hamas.

Gallant advertiu ao enviado especial que as perspectivas de interrupção dos combates com os militantes do movimento xiita libanês estavam diminuindo, o que, mais uma vez, aumentou os temores de uma conflagração regional mais ampla. "A possibilidade de um acordo está se esgotando, uma vez que o Hezbollah continua a se vincular ao Hamas e se recusa a pôr fim ao conflito", disse o ministro ao enviado, segundo comunicado do Ministério da Defesa. "Portanto, a única maneira de garantir o retorno das comunidades do norte de Israel para suas casas será por meio de ação militar", acrescentou Gallant.

Em resposta, Hochstein alegou que uma ação militar teria o efeito contrário: em vez de levar ao retorno dos israelenses deslocados, aumentaria o risco de uma guerra regional prolongada, segundo informou uma fonte familiarizada com o assunto aos repórteres, citada pelo jornal Times of Israel.

Mais cedo nesta segunda-feira, o ministério disse que Gallant entregou uma mensagem semelhante por telefone ao seu colega americano Lloyd Austin sobre estar se "esgotando" o tempo para um acordo que encerraria o conflito.

A declaração do Ministério da Defesa israelense sobre a ligação de Gallant com Austin disse que o ministro israelense "reiterou o compromisso de Israel com a remoção da presença do Hezbollah no sul do Líbano e com a possibilidade do retorno seguro das comunidades do norte de Israel para suas casas" após mais de 11 meses.

Netanyahu também afirmou ao conselheiro americano que retornar os cerca de 60 mil deslocados às suas casas "não é possível sem uma mudança fundamental na situação de segurança", segundo a imprensa israelense, citando um comunicado do seu Gabinete. O premier acrescentou que "aprecia e respeita o apoio dos EUA, mas no final fará o que for necessário para manter sua segurança e devolver os moradores do norte para suas casas em segurança".

A visita de Hochstein faz parte dos esforços do governo Biden para evitar "uma escalada e uma ampliação deste conflito", explicou John Kirby, porta-voz da Casa Branca, a repórteres na semana passada.

O conselheiro já fez pelo menos cinco viagens a Israel e ao Líbano desde que o presidente o encarregou de tentar evitar que os confrontos se expandissem para uma guerra que poderia ser ainda mais devastadora do que o conflito em Gaza.

Israel e o Hezbollah travaram uma guerra de um mês no verão de 2006 que matou mais de 1,2 mil pessoas no Líbano, a maioria civis, assim como 160 israelenses, a maioria deles soldados.

A violência transfronteiriça mais recente já matou por sua vez 624 pessoas no Líbano, a maioria combatentes, mas também pelo menos 141 civis, de acordo com uma contagem da AFP.

Do lado israelense, inclusive nas Colinas de Golã anexadas, as autoridades anunciaram a morte de pelo menos 24 soldados e 26 civis.

Autoridades do Hezbollah disseram que o grupo recuaria se um cessar-fogo em Gaza fosse alcançado, enquanto Israel insiste que não pode permitir que militantes permaneçam na área de fronteira no sul do Líbano.

O vice-chefe do Hezbollah, Naim Qassem, disse no sábado que seu grupo "não tem intenção de entrar em guerra", mas se Israel "desencadear" uma "haverá grandes perdas de ambos os lados".

Medos de uma conflagração mais ampla aumentaram desde que um ataque aéreo israelense no final de julho matou um comandante sênior do Hezbollah nos subúrbios de Beirute. O Irã ameaçou atacar Israel pelo assassinato de um líder do Hamas em seu solo logo depois disso.

Autoridades israelenses se esforçaram para enfatizar sua prontidão. Nesta segunda, o Ministério da Defesa de Israel disse que havia equipado 97 "unidades de resposta rápida" em cidades ao longo da fronteira norte com o Líbano com "equipamentos de combate e resgate, suprimentos médicos, uniformes e equipamentos de proteção".

Atritos internos
E em meio às tensões em Gaza e no norte de Israel, o governo israelense também enfrenta embates e desestabilização internamente. Os meios de comunicação israelenses disseram que Netanyahu estava considerando demitir Gallant, mas o gabinete do premir negou os relatos.

Gallant, que já havia sobrevivido a uma tentativa de Netanyahu de demiti-lo em março de 2023, está entre vários oficiais israelenses que estão em desacordo com o primeiro-ministro sobre política de guerra.

Enquanto o ministro da Defesa, um ex-general, permanece severamente comprometido em destruir o Hamas por seu ataque em outubro, ele entrou em choque com Netanyahu sobre a questão da governança pós-guerra de Gaza.

O ministro se opôs a qualquer ocupação israelense permanente de Gaza, que Israel tomou em 1967 antes de retirar tropas e colonos em 2005, impondo então um bloqueio paralisante e, após 7 de outubro, um cerco. Gallant defende que "o 'dia seguinte ao Hamas' só será alcançado com entidades palestinas assumindo o controle de Gaza, acompanhadas por atores internacionais", rejeitando a administração israelense de longo prazo do território palestino.

A mídia israelense citou Gallant no mês passado dizendo a um comitê parlamentar que um acordo para libertar reféns mantidos em Gaza "está paralisado... em parte por causa de Israel", levando o gabinete de Netanyahu a acusar Gallant de adotar uma "narrativa anti-Israel".