Como a gravidez muda o cérebro? Novo estudo detalha pela 1ª vez como certas áreas encolhem
Segundo os cientistas, pode ser um ajuste fino que ajuda as mães a se relacionarem e cuidarem de seus bebês
Pesquisas estão revelando pistas intrigantes sobre como a gravidez altera o cérebro.
Um novo estudo, publicado nesta segunda-feira (16) na revista científica Nature Neuroscience, conseguiu documentar as alterações cerebrais da ressonância magnética durante a gravidez de uma mulher.
Anteriormente, pesquisas que escanearam o cérebro de mulheres antes e depois da gravidez descobriram que certas redes cerebrais, especialmente aquelas envolvidas no processamento social e emocional, encolhem durante a gravidez, possivelmente passando por um processo de ajuste fino em preparação para a criação dos filhos.
Tais mudanças correspondem a picos de hormônios da gravidez, especialmente o estrogênio, e algumas duram pelo menos dois anos após o parto, descobriram os pesquisadores.
Já a nova pesquisa confirma os resultados anteriores e acrescenta detalhes, incluindo o fato de que as fibras da substância branca mostraram maior capacidade de transmitir sinais de forma eficiente entre as células cerebrais, uma mudança que desapareceu depois que o bebê nasceu.
— O que é muito interessante sobre esse estudo atual é que ele fornece um mapeamento tão detalhado — afirma Elseline Hoekzema, neurocientista que dirige o Laboratório de Gravidez e Cérebro do Centro Médico da Universidade de Amsterdã e ajudou a liderar estudos que analisaram exames cerebrais de mais de 100 mulheres antes e depois da gravidez.
Hoekzema, que não participou do novo estudo, afirma que ele mostrou que, juntamente com as mudanças mais duradouras na estrutura e na função do cérebro documentadas anteriormente, também ocorrem mudanças mais sutis e transitórias.
Para Ronald Dahl, diretor do Instituto de Desenvolvimento Humano da Universidade da Califórnia, Berkeley, que não participou do novo estudo, a pesquisa emergente reflete o papel fundamental dos hormônios em transições como a puberdade e a gravidez, orientando mudanças neurológicas em prioridades e motivações.
— Há uma sensação de que isso está afetando muitos desses sistemas — aponta Dahl.
A participante do estudo, Elizabeth Chrastil, é neurocientista da Universidade da Califórnia, em Irvine. Ela engravidou em 2019, aos 38 anos, após fertilização in vitro. Isso permitiu o rastreamento preciso de sua gravidez desde o início. Ela fez 26 ressonâncias magnéticas cerebrais - quatro exames antes da gravidez, que começaram três semanas antes; 15 durante a gravidez; e sete nos dois anos após o nascimento de seu filho em 2020.
— Foi muito legal poder ser neurocientista e saber o que não sabemos e poder dizer: Ei, vamos fazer isso. Estou prestes a engravidar. Acho que devemos fazer isso — conta Chrastil.
Ela disse que, durante a gravidez, não tinha conhecimento de nenhum sintoma ou efeito relacionado às alterações cerebrais.
Seu cérebro, no entanto, apresentou diferenças profundas. Na nona semana de gestação, por exemplo, 80% das 400 áreas cerebrais analisadas mostraram reduções no volume de massa cinzenta e na espessura cortical que continuaram durante a gravidez, com áreas encolhendo 4% em média.
A mudança foi particularmente acentuada na rede de modo padrão, que é fundamental para perceber os sentimentos e as perspectivas de outras pessoas.
A autora sênior do estudo, Emily Jacobs, neurocientista da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, disse que o encolhimento do cérebro durante a gravidez “não é uma coisa ruim” e provavelmente reflete a poda que “permite que o cérebro se torne mais especializado”.
— Processos semelhantes ocorrem durante a puberdade e a infância e alguns distúrbios neurológicos decorrem da poda inadequada. Como na estátua de Davi de Michelangelo, o artista começa com esse grande bloco de mármore e a beleza subjacente é revelada por meio da arte da remoção, aperfeiçoando e ajustando cuidadosamente o material. Neste estudo, disse ela, você pode ver a escultura do cérebro se desenvolver semana a semana — explica ela.
De acordo com Jacobs, a perda de volume persistiu principalmente dois anos após o parto, sugerindo que os hormônios da gravidez provocam “gravuras permanentes no cérebro”. As mudanças na substância branca, entretanto, não duraram.
Por motivos pouco claros, como aponta Chrastil, nos dois primeiros trimestres, os feixes de fibras se tornaram como estradas com pavimentação melhorada, o que faz com que as coisas andem mais suavemente, as informações podem trafegar mais facilmente.
No parto, a condição inicial da substância branca retornou.
Para fins de comparação, os pesquisadores avaliaram imagens do cérebro de oito pessoas que não estavam grávidas, incluindo dois homens.
Seus cérebros não mostraram tais alterações. Mas o escaneamento cerebral de várias mulheres após a gravidez repetiu o padrão de Chrastil, segundo Jacobs.
Hoekzema disse que o padrão era tão distinto que sua equipe mostrou que um algoritmo de computador poderia identificar se as mulheres estavam grávidas com base apenas nas alterações em seus cérebros.
— A pesquisa sugere que as alterações cerebrais durante a gravidez estão relacionadas à forma como o cérebro e o corpo da mãe reagem aos bebês, correlacionando-se com características como vínculo materno-fetal, comportamento de nidificação e a forma como a frequência cardíaca da mulher reage ao ver um bebê — acrescenta.
Dahl explica que os hormônios relacionados à gravidez podem criar “janelas de aprendizado” neurológicas que sensibilizam os indivíduos a aprender coisas adaptativas, criar vínculos e desenvolver maior experiência na resposta a um bebê.
— Portanto, fornecer apoio social e emocional durante a gravidez seria ainda mais útil, pois o cérebro está ajustado para priorizar essas informações — ressalta.
Ainda assim, as implicações para a criação dos filhos são, sem dúvida, complexas e variadas.
Por exemplo, conforme indica Jacobs, os pais adotivos, responsáveis e outros podem não vivenciar a gestação em primeira mão, mas exibem todos os comportamentos necessários para cuidar de seus filhos.
Os pesquisadores afirmam que estudar as alterações cerebrais da gravidez pode gerar informações sobre condições como depressão pós-parto e efeitos neurológicos da pré-eclâmpsia.
— Estamos apenas começando a arranhar a superfície da compreensão — conclui Chrastil.