GUERRA

Entenda como explosões coordenadas de pagers foram usadas para atacar membros do Hezbollah no Líbano

Aparelhos de comunicação que foram hackeados passaram a ser usados pela organização por medo de invasões israelenses em smartphones

Ambulâncias são cercadas por pessoas na entrada do Centro Médico da Universidade Americana de Beirute, em 17 de setembro de 2024, após explosões atingirem locais em vários redutos do Hezbollah - Anwar Amro / AFP

Uma série de explosões quase simultâneas de pagers, um dispositivo eletrônico usado para a recepção de alertas e mensagens curtas, matou oito pessoas e deixou cerca de 2.750 feridas no Líbano, incluindo centenas de membros do grupo armado Hezbollah.

Eles tinham deixado de usar smartphones para impedir violações por parte de Israel. O incidente deixou hospitais ao redor do país lotados, e a organização acredita que tenha sido provocado por Israel.

Populares nos anos 1980 e 1990 no Brasil (e em boa parte do mundo), os pagers são pequenos aparelhos de que usam sinais de rádio para receber alertas e pequenas mensagens, transmitidas por uma central de chamadas.

Segundo a Al-Jazeera, os combatentes do Hezbollah tinham parado de usar smartphones há meses, receosos de que Israel pudesse infiltrar os dispositivos. O pedido veio do líder do grupo, Hassan Nasrallah.

À agência, o analista militar e político Elijah Magnier afirmou que o Hezbollah depende dos pagers fortemente, e especulou que os dispositivos tinham sido manipulados antes mesmo de chegarem ao Hezbollah.

"Este não é um sistema novo. Foi usado no passado... então, neste caso, houve envolvimento de uma terceira parte... para permitir o acesso... para ativar as explosões remotamente," explicou.

Em comentários ao Wall Street Journal, um integrante do Hezbollah afirmou que os aparelhos que explodiram provavelmente faziam parte de um mesmo carregamento recebido pelo grupo nos últimos dias. E que pouco antes das explosões, os equipamentos esquentaram rapidamente, e que algumas pessoas conseguiram jogá-los longe.

— As explosões dos pagers pareciam tiros . Um jovem caiu na minha rua, pensamos que alguém havia atirado nele, não sabemos se houve alguma morte , mas centenas foram afetadas. Ainda há pessoas feridas que não foram resgatadas — disse ao jornal L’Orient Le Jour um morador de Haret Hreik, um subúrbio ao sul de Beirute.

Segundo a Reuters, a onda de explosões durou cerca de uma hora. Em comunicado, o Hezbollah afirmou que por volta das 15h30 (9h30 da manhã em Brasília), um número de “equipamentos de recepção de mensagens conhecidos como pagers explodiram, e que pertenciam a trabalhadores em várias unidades e instituições do grupo”.

Michael Horowitz, chefe de inteligência da empresa de segurança Le Beck International, disse ao Wall Street Journal que as explosões podem ter sido provocadas por um malware, um código ou programa instalado em equipamentos eletrônicos destinado a prejudicar o sistema ou seus usuários.

Para Horowitz, o malware pode ter provocado o superaquecimento da bateria, levando à explosão, mas ele concorda com Magnier sobre a provável infiltração na linha de montagem dos pagers.

— De qualquer forma, este é um ataque muito sofisticado — disse o especialista ao Wall Street Journal. — Particularmente se for uma violação física, pois isso significaria que Israel tem acesso ao produtor desses dispositivos. Isso pode ser parte da mensagem que está sendo enviada aqui.

Em declaração conjunta, o conselho de ministros do Líbano "denunciou veementemente a (agressão) criminosa israelense que representa uma violação significativa da segurança e soberania libanesa, e disse ter “iniciado imediatamente contatos com os países envolvidos e com a ONU para os confrontar com as suas responsabilidades contra este crime que não conhece limites”.

A Chancelaria libanesa condenou, em nota, "esta grave e deliberada escalada israelense, que acompanhou ameaças de expansão da guerra contra o Líbano”, e prometeu levar o incidente ao Conselho de Segurança da ONU "assim que todos os dados forem conhecidos”.

Ao comentar o incidente, o porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, disse que as explosões foram "muito preocupantes", e que acontecem em um momento "muito volátil".

Mais cedo, na terça-feira, Israel anunciou a expansão de seus objetivos oficiais de guerra para incluir a habilitação de israelenses que fugiram de áreas próximas à fronteira libanesa para retornarem às suas casas, ampliando sua luta de quase um ano contra o Hamas em Gaza para focar no Hezbollah.

O grupo confirmou ainda a morte de uma menina, filha de um membro do grupo, e de dois irmãos.

Entre os mortos estavam o filho de um parlamentar do Hezbollah e a filha de 10 anos de um membro do grupo.

A menina foi morta quando o pager de seu pai explodiu enquanto ela estava ao lado dele, disseram sua família e uma fonte próxima ao Hezbollah.

O Hezbollah culpou Israel pelas explosões e advertiu que haveria retaliação.

"Consideramos o inimigo israelense totalmente responsável por esta agressão criminosa", disse o grupo em um comunicado, acrescentando que Israel "certamente receberá seu justo castigo por esta agressão pecaminosa".

O Ministro da Saúde, Firass Abiad, disse que 2.750 pessoas foram feridas por pagers explosivos — "mais de 200 delas em estado crítico".

A televisão estatal iraniana informou que o embaixador de Teerã em Beirute, Mojtaba Amani, sofreu ferimentos "superficiais" em uma das explosões.

As explosões da tarde atingiram vários redutos do Hezbollah em todo o Líbano, no primeiro incidente desse tipo desde que o grupo começou a trocar fogo quase diariamente com Israel em apoio ao aliado Hamas.

"Centos de membros do Hezbollah ficaram feridos pela explosão simultânea de seus pagers" nas fortalezas do grupo nos subúrbios ao sul de Beirute, no sul do Líbano e no Vale do Bekaa, no leste, disse uma fonte do Hezbollah, pedindo anonimato.

Jornalistas da AFP viram dezenas de feridos sendo levados para hospitais em Beirute e no sul, onde dezenas de ambulâncias circulavam entre as cidades de Tiro e Sidon em ambas as direções.