EUA

Kamala culpa política antiaborto relacionada a Trump por morte na Geórgia: "É o que temíamos"

Veículo que divulgou caso de Amber Thurman, de 28 anos, classifica óbito da jovem como o primeiro no país relacionado à interrupção da gravidez que poderia ter sido evitado

Ativistas pró-direitos ao aborto se reúnem do lado de fora do Capitólio Estadual em apoio aos direitos ao aborto em Atlanta, Geórgia, em 14 de maio de 2022 - Elijah Nouvelage / AFP

A vice-presidente e candidata pelo Partido Democrata às eleições presidenciais americanas, Kamala Harris, culpou nesta terça-feira as políticas antiaborto defendidas pelo seu adversário Donald Trump e condenou as leis restritivas ao procedimento em alguns estados do país, que passaram a vigorar após a queda da Roe vs. Wade.

As críticas ocorrem na esteira da divulgação da morte de uma mulher na Geórgia devido a um atraso no atendimento médico causado pelas restrições ao procedimento no estado.

"Sobreviventes de estupro e incesto estão sendo informados de que não podem tomar decisões sobre o que acontece com seus corpos. E agora as mulheres estão morrendo. Estas são as consequências das ações de Donald Trump", afirmou Kamala em uma declaração.

O caso de Amber Nicole Thurman, uma assistente médica de 28 anos, foi divulgado pelo veículo de comunicação independente ProPublica na segunda-feira. A jovem morreu em agosto de 2022 devido a complicações raras após ingerir uma pílula abortiva para interromper uma gravidez.

Uma comissão oficial do estado da Geórgia determinou que sua morte era "evitável" se ela tivesse sido submetida a uma intervenção a tempo de salvar sua vida — a primeira morte do tipo relacionada a um aborto divulgada oficialmente nos EUA, segundo classificou o veículo.

Na época, o estado tinha acabado de aprovar uma lei que tornava crime a realização de dilatação e curetagem, que visa esvaziar o útero, com exceções médicas que os médicos alertaram serem vagas e difíceis de interpretar. "É exatamente o que temíamos quando Roe [vs. Wade] foi derrubada", afirmou a vice-presidente.

Foi sob o governo do magnata, em 2022, que a Roe vs. Wade foi revogada pela Suprema Corte dos EUA, composta por uma supermaioria conservadora formada durante o seu mandato. A decisão derrubou a proteção constitucional do direito ao aborto e deu aos estados a capacidade de legislar sobre o procedimento.

Desde então, 22 deles proibiram ou restringiram o aborto, que se tornou uma das grandes questões dos comícios antes das eleições presidenciais marcadas para novembro.

"Em mais de 20 estados, as proibições de Trump ao aborto impedem os médicos de prestar assistência médica básica", denunciou Kamala, que foi uma das principais vozes que se levantaram contra a decisão da Suprema Corte. A vice aposta na pauta como uma dos pontos mais fortes em sua campanha presidencial, liderada pelo conceito de "liberdade".

Na declaração desta terça, Kamala alertou que "mulheres estão sangrando em estacionamentos, sendo rejeitadas em salas de emergência, perdendo a capacidade de ter filhos novamente", e alertou que, se seu adversário republicano nas eleições "tiver a oportunidade, assinará uma proibição nacional do aborto".

Alertas similares foram feitos no primeiro (e talvez único) debate contra Trump, no último dia 10.

No embate, Kamala citou casos de mulheres que morrem em procedimentos ilegais e arriscados e prometeu levar ao Congresso um plano para tornar esse direito uma lei federal. A proposta voltou a ser mencionada em seu texto, no qual defedeu que "temos que aprovar legislação para restaurar a liberdade reprodutiva".

Trump, que costuma dar declarações confusas sobre o tema para atender sua base mais conservadora, mas sem perder os apoiadores mais ao centro, descreveu no debate os juízes conservadores — três indicados por ele — como "corajosos" e não quis responder se apoiaria uma proibição nacional do aborto.

Em um vídeo divulgado em abril, o magnata chegou a se descrever como "a pessoa orgulhosamente responsável" pela revogação da Roe Vs. Wade.

A declaração de Kamala foi divulgada no mesmo dia em que um relatório publicado pela ONG sem fins lucrativos Médicos pelos Direitos Humanos mostrou que as restrições ao aborto no estado americano da Flórida também levaram a atrasos ou à negação total de atendimentos em gestações complicadas, além de colocar "em perigo tanto os médicos como as pacientes grávidas no estado".

O procedimento é ilegal na Flórida após seis semanas de gestação, período em que muitas mulheres ainda nem sabem que estão grávidas. A proibição do aborto no estado, o terceiro mais populoso no país, tem algumas exceções, como casos de estupro ou incesto, perigo para a vida da mãe ou comprometimento irreversível de "uma função corporal importante" e anomalias "mortais" do feto.

No entanto, o relatório sustenta que a lei define mal as exceções, levando a atrasos ou à recusa de atendimento. Também aponta que as restrições levaram a uma assistência deficiente e tardia dos abortos espontâneos.

Os médicos que infringem a lei podem ser condenados a até cinco anos de prisão, além de multas altas e perder a licença profissional. Os que não querem arriscar problemas jurídicos acabam negando tratamento, o que prolonga o tempo de espera e pode levar a complicações.

— É uma situação difícil, é preciso fazer o que é legal, mas também o que é certo — disse um profissional de saúde.

"Sangue nas mãos"
A jovem Thurman, que já tinha um filho de seis anos, tomou a decisão de interromper uma gravidez de gêmeos para preservar sua recém-descoberta estabilidade, segundo sua melhor amiga Ricaria Baker à ProPublica.

Ela e seu filho haviam se mudado recentemente para um novo complexo de apartamentos e ela planejava se matricular na escola de enfermagem. Ela queria um aborto cirúrgico, mas a proibição de aborto de seis semanas na Geórgia a forçou a procurar atendimento em uma clínica na Carolina do Norte.

No dia do procedimento, a viagem de uma hora foi prejudicada pelo trânsito, e Thurman perdeu sua janela de consulta de 15 minutos. A clínica ofereceu um aborto medicamentoso com mifepristona e misoprostol.

Embora extremamente seguro, complicações raras podem ocorrer. A condição da jovem piorou ao longo de vários dias, transformando-se em sangramento intenso e vômito de sangue. Ela foi então levada para o Hospital Piedmont Henry em Stockbridge.

Os médicos descobriram que ela não havia expelido todo o tecido fetal de seu corpo, e Thurman foi diagnosticada com "sepse aguda grave". Mas, apesar de sua saúde se deteriorar rapidamente, o hospital atrasou o procedimento de dilatação e curetagem por 17 horas.

Quando eles operaram, a situação era tão terrível que exigiu uma cirurgia abdominal aberta. O médico realizou a operação e descobriu que uma histerectomia também era necessária — mas durante o procedimento, o coração da mulher parou. À mãe, a jovem fez um último pedido: "Prometa-me que cuidará do meu filho".

"Esta jovem mãe deveria estar viva, criando o seu filho e perseguindo seu sonho" de estudar enfermagem, destacou Kamala. O veículo ProPublica disse que planeja publicar detalhes de um segundo caso em breve.

Na segunda-feira, organizações americanas de defesa dos direitos das mulheres declararam que estas proibições devastadoras "atrasaram os cuidados de rotina que salvam vidas", protestou Mini Timmaraju, da Reproductive Freedom for All, em comunicado.

As exceções da "vida da mãe" têm se mostrado amplamente inadequadas, forçando as mulheres a cruzar as fronteiras estaduais em tentativas desesperadas por cuidados que salvam vidas.

"Ela morreu no hospital cercada por pessoal médico que poderia ter salvado sua vida. Este é o resultado da proibição do aborto", escreveu a escritora feminista Jessica Valenti na rede social X.