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Uma em cada cinco eleições entre 2020 e 2024 foi contestada por candidato derrotado ou partido

Relatório da International IDEA, com sede em Estocolmo, indica que número se refere a 'questionamentos legítimos' e 'tentativas cínicas' de minar a confiança em processos eleitorais pelo mundo

A polícia segura apoiadores do presidente dos EUA, Donald Trump, enquanto eles se reúnem em frente à Rotunda do Capitólio dos EUA - Olivier Douliery/AFP

Uma em cada cinco eleições realizadas entre 2020 e 2024 acabaram em contestações do candidato ou do partido derrotado sobre o pleito, um fator que contribuiu para a minar a confiança pública nos processos democráticos. Foi isso que concluiu um relatório da organização intergovernamental International IDEA, com sede em Estocolmo, divulgado nesta terça-feira — que também aponta sinais de erosão de pilares democráticos e recuo da participação popular na política ao redor do mundo.

O estudo analisou informações sobre processos eleitorais em 173 países, distribuídos por todos os continentes, observando fatores como a credibilidade dos pleitos realizados, o respeito ao devido processo legal no ambiente eleitoral e direitos relacionados à atividade política, como liberdade de expressão e imprensa. Quase metade dos países avaliados apresentaram "retrocesso significativo em pelo menos um critério crucial" que define uma democracia — incluindo países considerados desenvolvidos na Europa e na América.

 

O secretário-geral da organização responsável pelo relatório, Kevin Casas-Zamora, considerou que a propagação de dúvidas sobre sistemas eleitorais sólidos e confiáveis é um fenômeno mundial. Além das contestações públicas por candidatos e partidos derrotados, o estudo também identificou uma proporção igual (um em cada cinco) de processos eleitorais que viraram alvos de ao menos uma ação judicial, com a maioria das denúncias relacionadas ao sistema de votação ou à contagem de votos. Legendas de oposição ainda boicotaram uma em cada 10 eleições realizadas.

Embora todos os casos impactem na percepção e confiança do eleitorado nos processos eleitorais, enviando uma "sinalização importante aos eleitores", a pesquisa indica o universo analisado incorpora "preocupações legítimas" e o que classificadas como "tentativas cínicas de erodir a fé-pública" no resultado das urnas — mencionando o Brasil no último caso.

"Talvez mais urgentemente, a fé pública na integridade eleitoral hoje é ameaçada por falsas narrativas — frequentemente alimentadas por políticos oportunistas e frequentemente sem evidências — que buscam desacreditar as eleições. Tais ameaças podem ter impactos terríveis na confiança pública. Essas narrativas têm sido mais claramente evidentes no Brasil e nos EUA, mas também impactaram países como França e Índia", conclui o documento.

O relatório ainda destacou sobre o caso brasileiro o papel do Poder Judiciário em sancionar Bolsonaro por suas "tentativas de ilegalmente se manter no poder" e citou estudos que apontam que ideologias de extrema direita e exposição a alegações de fraude eleitoral eram fatores correlacionados aos níveis de desconfiança com o sistema democrático no país.

Sinal de alerta
Apesar do impacto na percepção sobre o processo eleitoral, o relatório aponta que há casos em que as denúncias sobre irregularidades são legítimos e pretendem alcançar uma maior transparência e lisura na eleição.

É o caso da Venezuela, onde o candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, foi forçado a buscar asilo político na Espanha após ser perseguido por denunciar fraude na reeleição de Nicolás Maduro, confirmada pelas autoridades do país sem cumprir os acordos sobre transparência predeterminados.

— Maduro decidiu transformar a Venezuela em Coreia do Norte, se isso for necessário para permanecer no poder — afimou Casas-Zamora.

Participação em queda
O movimento de lideranças políticas em desacreditar as eleições pelo mundo é acompanhado por uma queda na qualidade democrática e na participação do eleitorado. Os dados compilados de 2023 mostram que a credibilidade eleitoral piorou em 39 dos 173 países avaliados, em comparação com 2018.

A taxa global de participação eleitoral também despencou à medida que as eleições se tornaram cada vez mais contestadas, com a média global de comparecimento eleitoral diminuindo de 65,2% para 55,5% nos últimos 15 anos. Em 79 países, foram registrados mais recuos do que avanços nos fatores democráticos avaliados — incluindo em países com alto desempenho democrático em todas as regiões.

"Se as eleições devem continuar a funcionar como as pedras fundamentais dos sistemas democráticos, é fundamental reforçar a confiança pública nelas. Integrar a opinião popular nas atividades do ciclo eleitoral é um passo importante neste processo", afirma o relatório. (Com AFP)