CONFLITO

O que é o Hezbollah? Com aparato militar superior ao do Hamas, facção libanesa é alvo de Israel

Explosões de pagers e walkie-talkies no Líbano aumenta temor de escalada no Oriente Médio com conflito contra o grupo xiita, considerado por alguns analistas como a maior milícia do mundo

Combatentes do Hezbollah no funeral das pessoas que morreram em decorrência das explosões de dispositivos - Anwar Amro/ AFP

Depois de dois dias seguidos de ataques contra dispositivos de comunicação analógicos usados pelo Hezbollah, o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, anunciou nesta quarta-feira (18) que o "centro de gravidade" da guerra, iniciada na Faixa de Gaza, está se deslocando para o norte, na fronteira do país com o sul do Líbano, controlado pelo grupo xiita.

Embora as hostilidades venham crescendo na região desde 7 de outubro, quando o conflito com o Hamas eclodiu, a possibilidade de uma escalada no Oriente Médio é vista como cada vez mais próxima diante dos acontecimentos desta semana, que a milícia libanesa prometer retaliar.

A última vez que o Hezbollah travou uma guerra com Israel foi em 2006.

No entanto, desde 2013, quando a organização política e paramilitar libanesa decidiu focar no apoio ao presidente sírio Bashar al-Assad contra rebeldes sunitas, autoridades israelenses alertavam que chegaria o dia em que os seus combatentes voltariam os olhares para Israel de novo — dessa vez, com mais experiência de combate e maior armamento.

O que é o Hezbollah?
Baseado no fundamentalismo xiita, o Hezbollah é uma organização criada em 1982 cujo nome significa "partido de Deus" e hoje, além do braço militar, é parte importante da política libanesa.

Sua origem é fruto de três fatores que aconteceram no início daquela década: a ocupação israelense do sul do Líbano, a Revolução Islâmica de 1979 e a marginalização dos muçulmanos xiitas na sociedade libanesa, na época formada majoritariamente por cristãos e sunitas.

No início dos anos 1980, Israel, aliado da milícia cristã libanesa Exército do Sul do Líbano (ESL), ocupou a região, a princípio para combater grupos palestinos que operavam a partir do território libanês.

O Hezbollah, nesse sentido, surgiu como uma reação dos xiitas, majoritários naquela área do Líbano, que não só se opunham à presença de tropas israelenses, mas também eram solidários à causa palestina.

A relação com o Irã começou já naquele período, no momento em que o país persa buscava aliados xiitas no Oriente Médio após a Revolução Islâmica, que estabeleceu o domínio da vertente.

De acordo com o Departamento de Estado dos EUA, até hoje o Irã fornece ao Hezbollah "a maior parte de seu financiamento, treinamento, armas e explosivos, bem como ajuda política, diplomática, monetária e organizacional".

Ainda segundo os EUA, o grupo também obtém financiamento de fontes legais e ilegais, incluindo "contrabando de mercadorias, falsificação de passaportes, tráfico de narcóticos, lavagem de dinheiro e fraudes com cartões de crédito, imigração e bancos".

Por não integrar as Forças Armadas do Líbano, o Hezbollah pode atacar alvos israelenses e americanos sem provocar a reação que uma ação desse tipo por parte de um Estado desencadearia.

Qual o histórico de disputa entre Israel e o Hezbollah?
Os conflitos entre os dois perduraram durante as décadas de 1980 e 1990, com os israelenses mantendo sua presença no sul do Líbano e apoiando a milícia cristã ESL e o Hezbollah recebendo ajuda do Irã.

Houve momentos mais tensos, como em 1996, e outros mais calmos, até que em 2000 Israel pôs fim à ocupação no território. Parte dos membros da ESL se refugiaram em território israelense, deixando o controle do sul do Líbano nas mãos do Hezbollah.

Mesmo após o fim da ocupação, as hostilidades entre Israel e Hezbollah permaneceram, atingindo o ápice em 2006, quando o grupo xiita impetrou uma operação contra tropas israelenses na fronteira. Em resposta, Israel deu início a uma ampla ofensiva contra o Líbano, numa guerra que durou um mês e deixou mais de mil mortos.

A resolução 1.701 das Nações Unidas estabeleceu um cessar-fogo ao conflito, que nunca foi completamente respeitado, prevalecendo o que ficou conhecido como "regras do jogo": para cada ataque, haveria uma reação proporcional do outro lado.

As trocas de ataque geralmente ocorriam em zonas menos povoadas, como as Fazendas de Shebaa — região na tríplice fronteira entre Israel, Líbano e Síria que até hoje são ocupadas pelo Estado judeu, mas que a ONU considera parte do território sírio. No entanto, desde o início da guerra entre Israel e Hamas, diversas áreas do Líbano, incluindo subúrbios da capital Beirute, foram alvos de operações israelenses.

Qual o poderio militar do Hezbollah?
Financiado pelo Irã, os EUA estimam que centenas de milhões de dólares em dinheiro e armamentos tenham sido destinados ao grupo nos últimos anos.

Além de ter mantido grande parte do arsenal usado na Guerra Civil Libanesa (1975-1990), o Hezbollah se orgulha das suas dezenas de milhares de mísseis de precisão, que, segundo o grupo, têm capacidade de atingir todo o território de Israel e poderiam mirar áreas estratégias, como Haifa, Jerusalém e a capital, Tel Aviv. O Hamas, por exemplo, não tem nenhum armamento do tipo.

O grupo também possui em seu arsenal dezenas de milhares de drones e foguetes, e mostrou em um vídeo propagandista recente uma rede de túneis subterrâneos. Especula-se que alguns deles se estendam até Israel.

O poderio militar do grupo cresceu ainda mais a partir de 2012, quando juntou-se ao presidente sírio para combater os rebeldes do país, em sua maioria sunitas.

Em uma entrevista em 2021, o líder do grupo, Sayyed Hassan Nasrallah, afirmou que o abraço armado do Hezbollah tem cerca de 100 mil combatentes. Há também dezenas de milhares de reservistas que podem ser acionados em caso de invasão, além de membros da ativa que incluem as forças especiais conhecidas como Radwan. Estima-se que 400 morreram desde o início dos confrontos, em outubro.

Qual é o papel do Hezbollah no Líbano?
O Hezbollah é uma força poderosa no Líbano e a maior milícia do país, considerada a maior do mundo por alguns analistas militares.

Além do braço armado, o grupo opera uma grande rede de serviços sociais que fortalece sua base de apoio enquanto o país enfrenta a pior crise econômica das últimas décadas.

Ele também é politicamente ativo, tendo perdido a maioria no Parlamento libanês no ano passado. A aliança do Hezbollah com o movimento xiita Amal, liderado pelo presidente do Parlamento, Nabih Berri, garante que, juntos, eles representem a maior parte da comunidade xiita do país.

O Hezbollah também tem laços estreitos com o partido cristão fundado pelo ex-presidente Michel Aoun. Antes do início da guerra civil na Síria em 2011, o Hezbollah se promovia como uma força dedicada a combater Israel e defender os oprimidos, independentemente de sua origem.

Mas, desde que se envolveu no conflito sírio, passou a ser visto por muitos muçulmanos sunitas como um grupo xiita que cumpre as ordens do Irã na região.

Na prática, o Hezbollah domina não só o sul do Líbano, como também os subúrbios ao sul de Beirute e as áreas no Vale do Bekaa, perto da fronteira leste com a Síria. Em todos eles, foram registradas explosões de dispositivos eletrônicos usados pelo grupo nos últimos dois dias.

Por que o Hezbollah se envolveu na Síria?
Como o Líbano não tem fronteira com o Irã, a Síria tem servido como rota para o Hezbollah receber armamento militar do seu principal patrocinador.

Portanto, era importante para o Hezbollah ajudar al-Assad, um aliado, a manter seu poder.

O Hezbollah é um grupo terrorista?
Acredita-se que o grupo esteja por trás dos atentados suicidas com caminhões-bomba em 1983 contra a embaixada dos EUA e contra o quartel-general da Marinha dos EUA em Beirute, este último matando 241 militares.

No mesmo ano, o atentado suicida de um membro do Hezbollah contra um quartel francês na capital libanesa deixou 58 paraquedistas franceses mortos.

O ataque em 1984 contra o anexo da embaixada dos EUA em Beirute e o sequestro do voo 847 da TWA em 1985 também são atribuídos ao Hezbollah.

O líder do grupo, Hassan Nasrallah, no entanto, disse em entrevista em 2022 que tais ataques foram realizados por pessoas que não são ligadas à organização.

A Justiça da Argentina também acusa o Hezbollah, em coordenação com o Irã, pelo atentado de 1994 contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) em Buenos Aires, no qual morreram 86 pessoas.

Há acusações também de que o grupo cometeu um ataque terrorista na Bulgária. A organização paramilitar, porém, nega quais envolvimentos.

Diferentemente do Hamas e do Estado Islâmico, que reivindicam ações terroristas, esta não é uma prática do Hezbollah. No entanto, os EUA, Israel e muitos países europeus consideram o Hezbollah um grupo terrorista.