Guerra

Hezbollah ainda não usou suas armas mais sofisticadas contra Israel, e analistas especulam o motivo

Ondas de ataques aéreos israelenses mergulharam o Líbano num estado de incerteza sobre o que o Estado judeu fará, quão danificado o grupo xiita ficou e que tipo de resposta suas forças remanescentes poderiam organizar

Combatentes do Hezbollah participam de treinamento em área próxima à fronteira entre Líbano e Israel - Anwar Amro/AFP

Os ataques aéreos israelenses, que atingiram áreas no sul, leste e, pela primeira vez, o norte do país na segunda-feira, resultaram no dia mais mortal no Líbano desde 2006 — última vez em que o Hezbollah e Israel travaram uma guerra.

A tensão disparou entre os dois países após uma semana de ataques no território libanês, com explosões de pagers e walkie-talkies do grupo xiita que deixaram dezenas de mortos e milhares de feridos.

O líder da organização, Hasan Nasrallah, prometeu na última quinta uma “punição justa”, desafiando o Estado judeu a invadir o Líbano, e nesta terça, 220 foguetes foram disparados contra Israel.

Já na segunda-feira, após a investida israelense deixar pelo menos 558 mortos e 1,8 mil feridos no Líbano, o Hezbollah respondeu com cerca de 250 foguetes que foram disparados em direção ao norte de Israel — uma fração mínima do que o grupo xiita é capaz de fazer.

Embora tenha sido enfraquecido depois dos últimos ataques, o Hezbollah, que é fortemente armado e apoiado pelo Irã, ainda possui uma força poderosa.

Conforme publicado por analistas da BBC, a organização ainda não utilizou suas armas mais sofisticadas, incluindo mísseis guiados de precisão que podem atingir profundamente o território israelense.

As ondas de ataques aéreos israelenses na segunda-feira, que visaram partes do país dominadas pelo Hezbollah, mergulharam o Líbano num estado de incerteza sobre o que Israel fará, quão danificado o grupo ficou e que tipo de resposta suas forças remanescentes poderiam organizar.

Alguns especialistas disseram que o ataque de Israel deixou o Hezbollah em desordem. Outros destacaram os grandes estoques de armas do grupo e sua capacidade de se adaptar para enfrentar o Exército israelense, que é conhecido por sua alta tecnologia.

Para Hilal Khashan, professor de ciência política da Universidade Americana de Beirute especialista em Hezbollah, os ataques israelenses deixaram o grupo “sem opções”. Segundo ele, a liderança da organização e seus combatentes foram duramente atingidos, com prejuízo de sua capacidade de comunicação para coordenar uma retaliação em larga escala. Além disso, na semana passada, um “ataque direcionado” do Exército israelense em Beirute matou ao menos 10 integrantes graduados do grupo, incluindo Ibrahim Aqil, um alto comandante buscado pelos EUA por seu papel em ataques nos anos 1980.

— Agora o Hezbollah está sem liderança — disse Khashan. — Israel eliminou a liderança do Hezbollah, então a base está perdida.

Mais experiência e armamento
Outros especialistas reconheceram a gravidade dos golpes, mas foram mais cautelosos ao descartar o grupo tão rapidamente, citando seus grandes estoques de armas e sua história de adaptação para enfrentar as forças de Israel.

A última vez que o Hezbollah travou uma guerra com o Estado judeu foi em 2006. No entanto, desde 2013, quando a organização decidiu focar no apoio ao presidente sírio Bashar al-Assad contra rebeldes sunitas, autoridades israelenses alertavam que chegaria o dia em que os seus combatentes voltariam os olhares para Israel de novo — dessa vez, com mais experiência de combate e maior armamento.

Formado com a ajuda do Irã nos anos 1980 para lutar contra a ocupação israelense no sul do Líbano, o Hezbollah cresceu como representação política na região, sendo a força militar mais poderosa do país.

Os EUA estimam que centenas de milhões de dólares em dinheiro e armamento tenham sido destinados ao grupo nos últimos anos.

Além de ter mantido grande parte do arsenal usado na Guerra Civil Libanesa (1975-1990), a organização se orgulha de seus milhares de mísseis de precisão que teriam capacidade de atingir todo o território de Israel e poderiam mirar áreas estratégias, como Haifa, Jerusalém e a capital, Tel Aviv.

O grupo terrorista Hamas, por exemplo, não tem armamentos do tipo.

O grupo também possui em seu arsenal dezenas de milhares de drones e foguetes, e mostrou em um vídeo propagandista recente uma rede de túneis subterrâneos. Especula-se que alguns deles se estendam até Israel. Em uma entrevista em 2021, o líder do grupo afirmou que o braço armado do Hezbollah tem cerca de 100 mil combatentes. Há também dezenas de milhares de reservistas que podem ser acionados em caso de invasão, além de membros da ativa que incluem as forças especiais conhecidas como Radwan.

O Hezbollah lançou ataques transfronteiriços contra Israel após o início da guerra em Gaza, em outubro passado, em solidariedade ao Hamas, que também é apoiado pelo Irã. Israel respondeu atacando alvos do Hezbollah no Líbano, mas por muitos meses ambos os lados se esforçaram para manter a batalha confinada principalmente à área da fronteira. Na semana passada, porém, líderes israelenses intensificaram fortemente suas ofensivas, dizendo que remover o grupo da zona de fronteira era a única maneira de permitir que os milhares de israelenses que fugiram de suas casas na região pudessem voltar para elas.

Um diplomata com conhecimento das negociações para conter a violência, que falou com o The Times sob condição de anonimato, disse que Israel exigia que o Hezbollah aceitasse um cessar-fogo ao longo da fronteira Israel-Líbano, independentemente do que acontecesse na guerra em Gaza, e movesse suas forças e armas para longe da fronteira.

Joseph Daher, que ensina na Universidade de Lausanne, na Suíça, e escreveu um livro sobre o Hezbollah, disse que, apesar da pressão, era improvável que o Hezbollah aceitasse suas demandas. Ainda assim, ele pontuou que o grupo não parece querer uma guerra total.

— É por isso que eles estão mantendo uma reação calculada e até certo ponto moderada, embora também tenham intensificado seus ataques contra Israel — afirmou Daher.

No fim de semana, centenas de foguetes foram disparados contra o norte israelense, forçando o Estado judeu a fechar o espaço aéreo de parte do país.

E, no domingo, o grupo disparou cerca de 150 foguetes, mísseis de cruzeiro e drones, atingindo uma área civil perto de Haifa, a terceira cidade mais importante do país.

O Hezbollah mantém-se desafiador, afirmando que seus ataques a Israel continuarão até que haja um cessar-fogo em Gaza.

Israel, por sua vez, indicou que isso é apenas o começo de sua campanha, que pode incluir uma invasão terrestre ao sul do Líbano para afastar os combatentes da fronteira.