Conselho de Ética do COB encomenda parecer sobre eleição à presidência e questiona Paulo Wanderley
Em ofício, órgão explica que documento apresentado pelo atual presidente, favorável à possibilidade jurídica de reeleição, causou 'estranheza e perplexidade'
O Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil (Cecob), órgão independente dentro da estrutura da entidade esportiva, encomendou "parecer técnico/jurídico e imparcial" sobre o processo eleitoral do COB em função da candidatura de Paulo Wanderley à segunda reeleição.
De acordo com legislação brasileira, "as entidades sem fins lucrativos componentes do Sistema Nacional do Desporto, somente poderão receber recursos da administração pública federal direta e indireta caso seu presidente ou dirigente máximo tenham o mandato de até quatro anos, permitida uma única recondução" (cláusula prevista na Lei Pelé desde 2013).
O atual mandatário assumiu a presidência do COB em outubro de 2017, após a renúncia de Carlos Arthur Nuzman - o presidente eleito um ano antes, mas na época preso sob a acusação de ter intermediado a compra de votos de integrantes do Comitê Olímpíco Internacional (COI) para a eleição do Rio como sede da Olimpíada de 2016.
Mantido no cargo na votação de 2020, Wanderley entende que seu primeiro período à frente da entidade foi um mandato tampão e agora se baseia em um parecer assinado pelo jurista Lenio Streck para legitimar sua disputa por um novo mandato, que para ele seria o segundo, e não o terceiro.
Este parecer, no entanto, leva em consideração uma mudança no Estatuto do COB de 2017, posterior à eleição de 2016, que não mexeu na questão da reeleição.
O documento já estabelecia mandatos de no máximo oito anos para seus gestores eleitos desde fevereiro de 2014, portanto antes da eleição de 2016. A mudança foi registrada em 18 de fevereiro de 2014 no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro (RCPJ-RJ).
À época, o COB convocara sua Assembleia Geral justamente com o intuito de alterar seu estatuto “em atendimento à Lei Federal nº 12.868/2013”.
Ela introduziu o artigo 18-A na Lei nº 9.615/1998, também conhecida como Lei Pelé, que trata do respeito ao período de mandato de presidentes ou dirigentes eleitos antes da vigência da nova lei. E, de acordo com o documento, Paulo Wanderley esteve presente à Assembleia como presidente da Confederação Brasileira de Judô.
Questionamentos, estranheza e perplexidade
O ofício do Conselho de Ética, enviado ao diretor-geral do COB, Rogério Sampaio, na semana passada, aponta “aparente conflito de interesse”, uma vez que a análise de Streck foi encomendada pela atual gestão, cujo presidente tenta se reeleger.
O Conselho de Ética explica que o parecer favorável e a possibilidade jurídica de reeleição a Paulo Wanderley "causaram estranheza e perplexidade" e usaram a Lei Pelé e a Lei Geral do Esporte para apontar que não é uma decisão correta.
O documento diz ainda que o Conselho de Ética irá se manifestar sobre o tema após receber relatório de empresa terceirizada encomendado pelo Comitê de Integridade, que faz parte do Conselho de Ética.
E após "parecer técnico/jurídico e imparcial" do Comitê de Conformidade, também componente deste conselho. O órgão observa que quer garantir que nenhuma lei ou regulamento do estatuto do COB sejam burladas em favor de quem quer que seja na eleição e lista uma série de regras a serem seguidas e respeitadas.
"A não observância das melhores práticas de governança, incluindo, mas não se limitando, aos princípios e normas de ética e transparência, poderão ensejar a tomada de medidas administrativas deste colegiado perante, sem limitação, aos órgãos competentes", ameaçou.
O Conselho de Ética, assim como os Comitês de Integridade e de Conformidade, são independentes da administração do COB e, segundo o ofício, "desprovidos de qualquer interesse político, mantendo foco somente e tão somente em princípios e normas de ética, transparência e governança que inspiram o Movimento Olímpico Brasileiro".
O texto ainda cita que caberá ao Conselho de Administração se manifestar quanto ao posicionamento institucional quanto à elegibilidade da candidatura em questão.
Se ele for reeleito para o terceiro mandato, Wanderley ficará cerca de 12 anos na presidência do COB, desrespeitando o que prevê a legislação. Por isso, sua candidatura traz insegurança jurídica até mesmo aos seus apoiadores.
Wanderley obteve a negativa de pelo menos dois dirigentes para integrar sua chapa como vice. Há o temor de que o COB deixe de receber verba pública, principal combustível para a sobrevivência do esporte olímpico no país.
Alberto Maciel Júnior, ex-presidente a Confederação Brasileira de Taekwondo, é aliado de Wanderley nesta eleição, que acontecerá em 3 de outubro.
A outra chapa tem Marco La Porta, ex-vice presidente do COB, e a medalhista olímpica Yane Marques e ex-vice presidente da Comissão de Atletas do COB. Via nota, a chapa da oposição comentou a questão jurídica envolvendo a eleição à presidência do COB:
"Lamentamos muito toda essa discussão durante o processo eleitoral do COB. Desde o início da campanha, nossa chapa se propôs a unir os protagonistas do movimento olímpico e discutir ideias em prol da evolução do Movimento Olímpico Brasileiro. Isso será sempre a tônica da nossa gestão, sem quebrar as regras estabelecidas no Estatuto COB e na Lei".