opinião

A desterritorialização do poder

Parece-me algo quase “bizantino” ler as tensões e discussões divulgadas e postas entre os seguidores de Musk e Moraes. O fato é que já se desmontava, desde a primeira eleição de “Barack Obama”, o método de “captura” da atenção do eleitor para fins políticos e eleitorais. Dalí por diante, as redes sociais, e no Brasil em específico a partir de 2013, conseguiram mudar a forma de interação política entre eleitor e o poder. 

O que antes se resumiam a eventos físicos e no máximo televisivos, ou quando o mais, a artigos e filtros impostos pelo “Mainstream”, como na eleição e posterior Impeachment de Collor, Plano Real, Mensalão, Petrolão, Lava-jato, Impeachment de Dilma, Vaza-jato e (Des) Condenação de Lula e depois nova Eleição de Lula; agora, mais que nunca, se opera em outro ambiente cujo alcance do Estado se torna cada vez mais fluido e impotente, bem como a manutenção da interferência do “Mainstream”.

Esse fenômeno é fruto dos avanços significativos na forma através da qual negócios, governos e sociedade estão se amoldando. A questão que merece uma pergunta antecedente a tudo isso é: até que ponto as Plataformas Digitais e os Governos podem e devem interferir na sua vida? Esse é o ponto de discussão que deve merecer atenção de todos. 

Se de um lado, a sociedade abdicou de intimidades para as redes digitais, em troca de benefícios sutis que, eventualmente, são manipulados objetivando o lucro ou indução política, de outro lado, o “Estado Monitor” e observador de tudo e de todos, tal qual o “Grande Irmão Orweliano” funcionando como um “Pan-óptico de Bentham”, pode ser algo mais terrível, pois, a depender de mais ou menos democracia de alguma nação, a vítima da vez poderá ser qualquer um.

Essa queda de braço contingente pela qual passamos não merece o apoio das mentes mais sensatas, entretanto, ora por desconhecimento, ora por má fé mesmo, a discussão sobre os limites de ambos se opera ao largo, sempre ao sabor da próxima eleição. O fato é que essa medida para o equilíbrio em nossas vidas, jamais passará pelas “canetadas” desproporcionais do Ministro Moraes e muito menos pela “boa vontade” do Musk. 

Toda a celeuma hoje colocada, sejamos sinceros, advém de uma necessidade de manter sob o julgo de um grupo ou de outro, o poder sobre o cidadão que, a despeito de ter a liberdade de falar e dizer o que deseja nas redes sociais, não poderá fazer isso se, a priori, houver alguma ofensa ao aparato da vez. 

A questão é que as idas e vindas de nossa Jurisprudência no STF, quando não ilegalidade pura, como a tipificação de crime sem previsão legal, capazes de estremecer as almas dos meus Professores “Rui Antunes e Romualdo Marques” apenas jogam “gasolina” para o “fogo” de uma sociedade carente de participação efetiva, principalmente os setores conservadores que não contam com meios claros de participação na grande imprensa.

Enganam-se aqueles que se imaginam imunes a esses riscos efetivos. Principalmente Empresários que aplaudem medidas coercitivas duras e desproporcionais, assim como Políticos, Juízes e Promotores, encurralados pela burocracia da ameaça e das orientações de silêncio, como se sabe e é notório. 

De outro lado, temos a necessidade urgente de regulação das redes para que as pessoas possam ter segurança jurídica para viver e se posicionar livremente sem o temor de alguma punição advinda da ideia de crime, existente na cabeça de apenas uma pessoa. Isso serve de alerta para os donos dos veículos de imprensa, para a direita e esquerda democrática, para todo Sistema de Justiça, pois se antes o “direito de ir e vir” era garantido pela liberdade de locomoção, hoje esse mesmo direito está no direito de “navegar ou não” por onde se desejar, fazendo o que sua liberdade estabelece e sabendo quais são as “cercas” delimitadoras do direito alheio de forma clara e objetiva.

Assim como o rio que se molda ao terreno, mas segue seu curso inabalável, o poder também encontra novas paisagens e territórios. No entanto, na era digital, suas margens se tornam cada vez mais fluidas, difíceis de conter. As plataformas digitais, assim como os governos, movem-se como ventos invisíveis, redefinindo o espaço da liberdade e da autoridade.

Resta à sociedade, tal qual o marinheiro diante de águas desconhecidas, navegar com sabedoria, sempre atenta às tempestades e às sereias que possam desviar seu rumo. Afinal, o verdadeiro poder não está na força de seus comandantes, mas na habilidade de equilibrar liberdade e responsabilidade em mares tão vastos quanto incertos.

Advogado, especialista em Transformação Digital e Direito Autoral.

___
Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail cartas@folhape.com.br e passam por uma curadoria para possível publicação.