Casa Branca afirma que plano de cessar-fogo no Líbano foi "coordenado" com Israel
Gabinete do primeiro-ministro comunicou que ele não respondeu à proposta, e imprensa israelense ligou reviravolta à pressão vinda de dentro do governo
A Casa Branca afirmou que o anúncio de um plano para suspender os combates entre Israel e Hezbollah por 21 dias, feito na véspera, foi coordenado com o governo israelense, que nesta quinta-feira disse não ter “sequer respondido” à proposta.
A aparente desconexão ocorre em meio a novos bombardeios israelenses no Líbano e perto da fronteira com a Síria, uma ação que teria como objetivo impedir que armas iranianas cheguem ao grupo libanês.
Durante entrevista coletiva na Casa Branca, a secretária de Imprensa, Karina Jean-Pierre, não conseguiu esconder a certa confusão com as muitas versões que circulam nas últimas horas sobre o plano, anunciado no final da noite de quarta-feira, e que previa a pausa de 21 dias para permitir ações diplomáticas rumo a um cessar-fogo duradouro.
E ela foi clara ao apontar para o lado israelense.
— O que estamos tentando fazer com isso é um apelo claro por um cessar-fogo temporário. Queremos fornecer espaço [para o diálogo] — disse Jean-Pierre.— A declaração foi de fato coordenada com o lado israelense. Não posso falar por eles. Eles terão que falar por si mesmos. Estou apenas expondo o que sabemos, como isso aconteceu e qual é nosso objetivo final.Oficialmente, o gabinete do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, afirmou que um suposto aval aos planos de cessar-fogo, liderados por EUA e França, “era incorreto”, e que o governo israelense “sequer havia respondido” à proposta — além disso, o gabinete declarou, em comunicado, que a ordem do premier era para que o Exército “continue a lutar com força total e de acordo com os planos apresentados a ele".
Mas nos bastidores, a história é um pouco diferente. Segundo o Canal 12, Netanyahu chegou a concordar com a proposta antes de embarcar rumo aos EUA, onde discursa na Assembleia-Geral da ONU na sexta-feira.
A mudança de rumo ocorreu durante o voo: como revelou o jornal Haaretz, citando fontes no governo, o premier e o ministro de Assuntos Estratégicos, Ron Dermer, próximo a Netanyahu, cederam diante de críticas de elementos de dentro do Gabinete ministerial, que são favoráveis à expansão da guerra no Líbano.
Um deles, Itamar Ben-Gvir, que comanda a pasta da Segurança Interna, disse que entregaria o cargo e que sua coalizão deixaria o governo caso houvesse um cessar-fogo. Bezalel Smotrich, titular das Finanças, disse que só há duas escolhas: a rendição do Hezbollah ou a guerra.
Segundo o Canal 12, antes do “levante”, um discurso no qual o premier declararia que continuaria a luta contra o Hezbollah, mas louvaria a possibilidade de retorno dos civis ao norte de Israel, já estava sendo preparado.
Entre cumprir o acordado com a Casa Branca e manter seu governo (e seu cargo), a segunda opção foi vista como a mais adequada.
— O presidente dos Estados Unidos não lideraria um processo como esse sem o acordo do Primeiro-Ministro Netanyahu. Esse retrocesso destroi completamente o que resta das relações com a Administração Biden — disse um integrante do governo ao Canal 12.
Esse não foi um episódio isolado.
— Os americanos se viram diante de algo similar com Netanyahu durante as negociações sobre o acordo para os reféns em Gaza — afirmou um diplomata ocidental ao Haaretz. — Ele ficou assustado com a resistência de seu governo e deu meia-volta.
Em entrevista coletiva em Nova York, nesta quinta-feira, o secretário de Estado, Anthony Blinken evitou atacar o premier, que está cada vez mais desconectado do governo de Joe Biden, e disse que continuará a trabalhar pela diplomacia.
— Não posso falar por ele. Posso apenas dizer que o mundo está falando claramente, com praticamente todos os países-chave na Europa e na região pedindo um cessar-fogo — disse Blinken durante uma coletiva de imprensa em Nova York. — Temos mantido contato próximo com autoridades israelenses durante a semana e continuaremos trabalhando com elas e todas as partes hoje.
Netanyahu agora deixa clara sua escolha não apenas por uma guerra que pode englobar todo o Oriente Médio, mas também por posições de seus ministros mais beligerantes, que querem soluções “duradouras” para o norte do país.
O premier exige que a milícia deixe a fronteira e limite sua capacidade de atingir as cidades da área — e como disse seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, na semana passada, a solução passa por uma operação militar de grande porte, como a que está em curso hoje.
— Israel não quer uma solução temporária de cessar-fogo que não atenda às suas necessidades e signifique que, daqui a dois anos, eles terão de fazer tudo de novo — explicou Michael Stephens, especialista em Oriente Médio do Royal United Services Institute, um centro de estudos com sede em Londres, ao New York Times. — O pensamento deles é: por que negociar um cessar-fogo de 21 dias para obter boas relações públicas se isso não resolve nenhuma das preocupações de segurança que nos levaram a esse ponto?
Sem pausa nos combates, Israel ampliou os bombardeios ao redor do território libanês, incluindo na capital, Beirute, onde o chefe da unidade de drones do Hezbollah foi morto. Houve ainda ataques contra posições do grupo na fronteira com a Síria, no que as Forças Armadas dizem ter sido uma ação para conter o fluxo de armas enviadas pelo Irã ao Hezbollah — oficialmente, Teerã afirma que não tem qualquer envolvimento com o conflito, apesar de apoiar publicamente a organização, inclusive nas Nações Unidas.
— Nós agora vamos impedir qualquer possibilidade de transferência de armas do Irã, em face do que vimos até agora do Hezbollah — afirmou o chefe da Força Aérea israelense, Tomer Bar, durante uma reunião com oficiais na Base Aérea de Tel Nof — Esta é uma missão que está se tornando a primeira na ordem de prioridades.
Além dos bombardeios, unidades de reservistas foram convocadas e enviadas ao norte na quarta-feira, enquanto líderes militares pediram prontidão para uma eventual operação terrestre israelense contra o sul do Líbano.
O Hezbollah também disparou novos ataques. Ao menos 150 projéteis foram lançados contra o território de Israel. O movimento libanês disse ter mirado um complexo militar em Haifa, principal cidade no norte do país.
Até o momento, o grupo não dá sinais de que os bombardeios e as mortes de centenas de pessoas, incluindo seus comandantes, nos últimos dias tenham mudado os cálculos para o conflito.
O grupo não comentou a proposta de cessar-fogo de 21 dias de EUA e França, e suas lideranças, incluindo Hassan Nasrallah, líder da organização, afirmam que vão interromper os ataques contra o território israelense se os combates na Faixa de Gaza tiverem fim.