LUTO

Maggie Smith viveu história de idosa que morou por 15 anos numa van em frente à casa de Alan Bennett

'Lady in the van' foi sucesso no teatro, rádio e nos cinemas

Maggie Smith em 'A senhora da van' - Divulgação

Maggie Smith, que morreu nesta sexta-feira, aos 89 anos, teve com o dramaturgo Alan Bennett uma de suas mais prolíficas parcerias profissionais. E foi ela a responsável por levar aos palcos e às telas de cinema uma das personagens mais marcantes da vida de Bennett. Smith foi a protagonista de "A senhora da van" sobre uma idosa que morou por 15 anos numa van na rua onde Bennett morava, em Londres.

A idosa, que se chamava Mary Shepard, não costumava tomar banho, maltratava os vizinhos e reclamava da alegria das crianças. Não era nem de longe uma figura simpática, viveu no bairro de classe média londrino até sua morte, em 1989. Nesse período, desenvolveu uma improvável amizade com Bennett, e inspirou “Lady in the van”, celebrado trabalho do autor no teatro, rádio e cinema. O filme traz Maggie Smith no papel da protagonista e Alex Jennings vivendo o dramaturgo.

 

— O texto serve de metáfora para respondermos à pergunta sobre como um autor escolhe seu material, em que ponto ele percebe que sua melhor história está bem em frente à porta de casa — contou o diretor Nicolas Hytner ao Globo, na época do lançamento do filme, em 2015.

Conhecido por ter dirigido “As loucuras do Rei George” (1994, com roteiro de Bennett), “As Bruxas de Salém” (1996, roteiro de Arthur Miller) e “Fazendo história” (2006, roteiro novamente de Bennett) e celebradíssimo no teatro inglês, Hytner é amigo de longa data do dramaturgo, também morava na vizinhança e chegou a conhecer Mary Shepard.

— Até onde eu saiba, não há filmes e vídeos sobre ela. Há apenas fotos. Então não há muito material de arquivo, mas uma lembrança não arquivada por quem a conheceu. Era uma mulher única, politizada e que pensava seriamente que poderia ser primeira-ministra — conta Hytner. — Só que ela não era uma boa vizinha. As pessoas não davam muito atenção a ela, o que mais se lembram é de seu cheiro, muito forte. Ela também não era capaz de agradecer por nenhum favor que alguém lhe fizesse. Não era muito querida, mas a questão é que nossa vizinhança era de esquerda, ocupada por pessoas com muita consciência, que achavam que tinham mais do que mereciam. Então, sua presença era tolerada, às vezes até celebrada.

Antes, “Lady in the van” já havia sido lançado em livro (1989), novela para rádio (1990) e peça de teatro (1999), sempre com a autoria de Bennett. A versão para teatro também teve direção de Hytner e contou com Maggie Smith no papel de Mary Shepard.

No filme, a interpretação de Maggie faz da protagonista uma personagem com um leve viés cômico, com tiradas ácidas e engraçadas. Para o cenário, Hytner pôde utilizar a casa em que Bennett morava na época em que conviveu com Mary Shepard — o dramaturgo não vive mais lá, mas ainda é o proprietário do imóvel. Só teve que arrumar uma nova van amarela, porque a original se perdeu há anos.

— Usamos quatro vans no set. E Maggie deu um senso de humor para alguém que não tinha muito humor. Sua representação sugere que pensemos em como uma vida poderia ser completamente diferente se outras escolhas fossem feitas — disse Hytner. — Histórias assim me interessam. Como sou primordialmente um diretor de teatro, valorizo três elementos numa trama: sobre o que trata, quem são os personagens e como os diálogos podem ser utilizados. Eu nunca seria tecnicamente capaz de fazer uma cena de perseguição de carros ou um desses ótimos filmes que privilegiam mais as imagens do que o desenvolvimento de personalidades e linguagem.