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Como a sociedade pode colaborar com a mudança na educação?        

O termo burnout - ou esgotamento profissional - tem se tornado cada vez mais conhecido pela população. Considerada uma epidemia silenciosa, afetou 63% da população global em 2023, conforme matéria da revista Forbes, em 2024. Profissionais de diversas áreas relatam suas experiências e os motivos comuns que os levaram a essa exaustão. 

Um exemplo é a jornalista Izabella Camargo, que, após vivenciar essa experiência, decidiu escrever o livro Dá um Tempo e se especializou no tema para ajudar as pessoas a buscarem o equilíbrio em suas vidas profissional e pessoal. 

Diante desse cenário, as empresas começaram a buscar transformações em suas convicções sobre as melhores práticas para alcançar seus resultados. Áreas de "descompressão" foram criadas, e programas de cuidados com a saúde mental foram amplamente inseridos nas empresas. 

O conceito de "day off", entre outras iniciativas, é diariamente repensado para adaptar o "novo" mundo do trabalho a uma geração que inicia um movimento de reflexão sobre o que se entende por sucesso.

Até mesmo uma das maiores empresas de bebidas do Brasil, a AMBEV, conhecida historicamente por ser um celeiro de grandes líderes com excelência em resultados através de práticas, no mínimo, polêmicas, possui, desde 2020, uma diretoria de saúde mental. 

Em entrevista à revista Exame, em novembro de 2020, Marina Holanda explicou: “A gente precisa trazer um olhar para o ser humano na sua totalidade. Na companhia, já vínhamos antecipando essa conversa ao trazer atenção para características como vulnerabilidade, empatia e escuta atenta ao outro”.

Essas mudanças na vieram acompanhadas da publicação de um estudo realizado pelo Google, que concluiu, após uma década de pesquisa, que o ingrediente secreto das equipes de alta performance não é a pressão por resultados, mas a segurança psicológica do time. 

O levantamento, chamado Aristóteles, em homenagem à frase do filósofo "o todo é maior do que a soma de suas partes", analisou 180 times de engenharia e vendas, misturando indicadores de alta e baixa performance. 

“A maior parte do trabalho é feita em equipe. Existe um mito em torno dos heróis ou gênios que desenvolvem as ideias do zero, mas o trabalho real é feito pelo coletivo”, comenta Adam Leonard, que trabalha com o desenvolvimento de liderança na Google School of Leaders. Fazendo um paralelo com o nosso dia a dia, me pergunto diariamente o que será necessário para que a sociedade perceba a urgente necessidade de transformação da escola e de seu ambiente.

A Organização Mundial da Saúde revela que uma em cada seis pessoas entre 10 e 19 anos apresenta hoje problemas de saúde mental. Essa condição já é responsável por 16% da carga global de doenças e lesões em pessoas nessa faixa etária. 

Em todo o mundo, a depressão é uma das principais causas de doenças e incapacidade entre adolescentes, e o suicídio é a terceira principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos. A OMS destaca a importância da promoção da saúde mental e da prevenção de transtornos como aspectos fundamentais para o jovem prosperar.

Esse assunto se tornou ainda mais evidente nas Olimpíadas de Tóquio, quando o mundo parou para testemunhar a desistência da campeã olímpica de ginástica Simone Biles, que, segundo ela própria, alegou precisar respeitar o momento de sua saúde mental. Quatro anos depois, na recente competição Paris 2024, a atleta voltou ao pódio mais forte do que nunca.

No ambiente escolar, todas essas demandas estão chegando, e é necessário que o olhar e o cuidado de toda a comunidade sejam voltados para essas questões, como base para tudo o que se desenrola a partir da essência das pessoas. Cuidar do humano nunca foi tão necessário e vital. 

Somente após esse cuidado é que as questões pedagógicas e de aprendizagem poderão ser desenvolvidas. É comum que muitos pais e educadores se perguntem sobre o motivo do aumento das doenças emocionais na adolescência e não entendam como a pressão por resultados, que geralmente funcionou nas famílias e no estilo de escola do passado, pode afetar ainda mais a saúde mental dos estudantes na atualidade.

Lançado em maio de 2024 e figurando desde então na lista de best-sellers do The New York Times, o livro A Geração Ansiosa, do psicólogo Jonathan Haidt, investiga o colapso da saúde mental das crianças e jovens causado por celulares, redes sociais e hiperconexão que a vida digital oferece. 

O autor mostra como as taxas de ansiedade, depressão, automutilação e suicídio explodiram a partir dos anos 2010, em contraste com a estabilização e até queda desses indicadores em anos anteriores. O resultado, argumenta, foi a substituição, a partir dos anos 1980, de uma infância baseada na brincadeira por uma infância baseada no telefone.

Haidt aponta uma série de mecanismos da vida digital atual que interferem no desenvolvimento social e neurológico infantil, desde a privação do sono até a atenção fragmentada, passando por vícios, solidão, falta de controle emocional, comparação social e perfeccionismo, com efeitos mais prejudiciais sobre as meninas do que sobre os meninos.

Imagine-se agora como um adolescente inserido nesse contexto social de comparação e avaliação da própria vida consegue administrar tantos sentimentos, além da pressão acadêmica, sem apoio emocional e o olhar necessário para cuidar do ser humano que está por trás de todo esse contexto? 

O mundo mudou, a ciência nos oferece cada vez mais oportunidades de conhecimento e entendimento sobre o funcionamento cerebral, e a escola precisa incorporar esse conhecimento e torná-lo parte de sua prática diária, não como um "apêndice" em seu currículo, mas como seu DNA e sua prática.

Famílias, escolas e estudantes buscam resultados que deem acesso em uma boa universidade. No entanto, não há mais como garantir esse resultado sem cuidar da forma como esse caminho será trilhado. Nenhum ser humano é dotado de apenas uma única habilidade; não somos apenas uma nota. 

E, para alcançar notas, é necessário fortalecer a autoestima e o emocional para que esse potencial seja revelado. Se, no mercado de trabalho, as empresas estão precisando rever suas políticas e encontrar novos caminhos para alcançar altos desempenhos, como a escola ainda insiste em estabelecer uma cultura de pressão por resultados sem um olhar holístico para o ser humano?

Deixo aqui meu convite para uma reflexão que nos encoraje como sociedade a questionar um sistema acomodado em um formato que remonta à Revolução Industrial e que pouco mudou desde então. Vamos juntos transformar a educação?


Educadora e sócia-diretora da Escola Vila Aprendiz.

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