opinião

A educação e a imagética do mundo digital: a economia da atenção no consumo audiovisual

“Vivemos 24 horas de choques imagéticos, que se impõem ao sensório humano” (Cristoph Tŭrcke, filósofo alemão)

Quando me vejo contagiado no pensar ou escrever sobre a Educação, sinto que o desafio desse tema é, cada vez mais, amplo e complexo.

Não bastassem os velhos gargalos estruturais, que ainda fazem do nosso sistema educacional um fiasco, haja vista o fosso que separa promessa de realização, não há como deixar de encarar ainda os males provocados por uma modernidade que se faz avassaladora. 

De fato, quando a inovação e o avanço tecnológico atuam fora das lentes que focam no que se projeta como esperado e natural, é preciso mais rigor analítico. É que, diante do inusitado, põe-se sob risco iminente um dos compromissos vitais da educação. Justo aquele que busca a dimensão de uma formação cidadã, que se ponha menos narcisística e mais humana.

A preocupação que baliza esse ponto tem tudo a ver com a frase em epígrafe, do filósofo Cristoph Türcke. Ao se referir à dependência atual, que põe os indivíduos expostos à polivalência das telas, que se leve aqui em conta o que essa situação pode trazer de malefícios para a formação das crianças e dos adolescentes. Assim, tanto em casa como na escola, há um sinal de perigo à vista. E, recentemente, motivos não me faltaram para constatar a força desse alerta. 

Dias atrás, a Escola Eleva  aqui do Recife, onde estudam minhas netas, promoveu algumas palestras bastante oportunas sobre esse tema tão delicado, que envolve a super exposição infantojuvenil à multiplicidade de telas. Nesse evento, participaram três profissionais gabaritados para debatê-lo à exaustão, até o limite de tempo concedido. Foi uma atividade de enorme importância, pelo contexto de um exercício louvável de interação, diante do binômio escola e família. Algo que, aliás, deveria ser mais intenso na nossa rotina para a formação educacional de crianças e adolescentes.

Além de registrar o que pude extrair daqueles debates, também me vi, logo em seguida, contagiado pelas discussões que emanaram do Ministério da Educação, sobre uma dada intenção de se abolir o uso dos “smartphones”, nos ambientes escolares. Um desafio posto para a alçada da política pública, diante dos sintomas de alguns danos que têm deixado nossos jovens à mercê de abalos psicossociais. Afinal, a saúde mental precisa ser levada bem mais a sério nas estratégias políticas dos governos.

Enfim, fui provocado por duas situações que me despertaram para a urgência temática de algo novo. Uma circunstância que se impôs como questão adicional para o próprio sistema educacional. E o danado que, tudo isso, tem-se revelado como mera consequência do consumo em massa do que se gera de conteúdos no setor audiovisual. O exagero da demanda por distintos modos de conteúdos deu mais consistência ao que se rotula como a “economia da atenção”. 

Nesse contexto, o corolário que se alcança com tantas conexões em jogo revela a antítese do que se pode esperar de uma consistente formação educacional. Sobram individualismos narcisistas, reconhecimentos disfuncionais, guerrilhas ideológicas, exposições descabidas, inverdades construídas e ódios vociferantes. Uma geração sob o efeito destrutivo dessa evidência em forma de “narcose digital”, digno diagnóstico para especialistas que vão de Freud à Lacan.

Pelo visto, o que a inovação tecnológica e a criatividade humana proporcionam em ações positivas, terminam sobrepostas numa direção contrária, mesmo que através de atitudes de ofensiva negativa. Afinal, os aviões que no ar encurtam distâncias e aproximam as pessoas, costumam ser os mesmos veículos que transportam e acionam bombas e mísseis. Portanto, tudo isso ajuda a explicar que os excessos é que são capazes de trazer consequências indesejadas.

No âmbito de uma sociedade que, por desconhecimento, desinformação e desleixo, não reconhece a dimensão econômica do audiovisual, é duro admitir que seu consumo desmesurado pode ser viciante. A luta paralela por se conservar a energia emocional que cada ser humano carrega consigo, bem define o estabelecimento de limites. Talvez até uma decisão impositiva, por abolir na sua inteireza o acesso às telas em salas de aulas, possa ser também um exagero, se visto por lentes postas ao contrário. 


As virtudes imagéticas também precisam estar em pauta. Mas, no ver o peso, visto de modo realista, a balança tem pendido para o lado mais  vulnerável do ser humano. Justo aquele que absorve e revela o traço doentio do vício e todas suas mazelas associadas. Por isso, vale refletir sobre o velho recado de Sócrates: “sábio mesmo é quem sabe reconhecer os limites da sua própria ignorância”. Taí o desafio de quem acha que estar inserido na “economia da atenção” é simplesmente tudo.


* Economista e colunista desta Folha de PE.

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