Brasil

Tributação mínima de multinacionais pode impactar investimentos no país, avaliam especialistas

E aumento da arrecadação previsto já a partir do próximo ano terá de ser confirmado na prática

Fernando Haddad - Roverna Rosa

O efeito em arrecadação que vai resultar da tributação mínima de 15% sobre o lucro de multinacionais ainda é difícil de mensurar, segundo especialistas em tributação.

Eles avaliam que não é claro que a taxação do lucro vá se restringir a um efeito nos acionistas e em dividendos, podendo restringir investimentos, pressionar salários de funcionários e alta de preço de produtos e serviços.

Luis Henrique Costa, sócio de Direito Tributário do BMA Advogados, explica que o corte abraça empresas dos mais diversos setores, desde que sejam multinacionais e tenham receita superior a € 750 milhões, abraçando setores tão diferentes quanto tecnologia, construção civil e automotivo.

— De forma integrada global, não é que a empresa vai pagar mais. O que muda é que, se estiver pagando menos de 15%, vai pagar essa diferença aqui. Então, vai ter aumento de carga para as empresas que contam com algum benefício, principalmente. Isso vai reduzir o lucro pós-impostos. Encarece a lucratividade da empresa e isso alcança todos os stakeholders — diz o especialista.

Ele ressalta que a medida provisória assinada ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva já traz uma série de mitigadores a esse efeito, exceções a regra, tomando como referência um piso em investimentos ou em tamanho da folha de pagamento das companhias. Mas efeitos adversos poderiam ser sentidos:

— Poderia inibir contratações. Pode ter um efeito porque é um aumento de tributação. Olhando para o investimento, quando a tributação não é neutra, impacta na economia. O investidor vai olhar se o setor tem algum benefício fiscal ou não e vai botar isso na equação — argumenta.

Aumento de custo

As regras valem para multinacionais de forma geral, e por ser uma regra que segue a estabelecida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), inclui as brasileiras, como Embraer e Petrobras, por exemplo.

Para Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, mirar nas grandes empresas faz sentido porque existe um alto custo de conformidade fiscal envolvido em todo o processo de tributação.

— Para as empresas é um custo de conformidade gigante, e que gera insegurança porque a medida é muito subjetiva e há poucos mecanismos de resolução de conflito na esfera da fiscalização. E isso pode aumentar ainda mais o contencioso — destaca.

O efeito, contudo, avalia a tributarista, vai um pouco além, podendo repassar o custo de um aumento de tributação sobre o lucro a funcionários e consumidores das empresas impactadas.

Vanessa explica que estudos elaborados por instituições como a americana Tax Foundation mostram que aumentos recentes na taxação via Imposto de Renda sobre o lucro das empresas não reduzem necessariamente o lucro do acionista.

— No mundo ideal, a taxa reduziria o lucro do empresário. Mas não é óbvio que quem vai pagar esse aumento é o acionista. Vamos ter de ver na prática. Estudos mostram que essas medidas reduzem investimento, salários de funcionários ou trazem aumento de preço de produtos e serviços — diz ela. — Por isso, vai levar mais tempo para sabermos o efeito na arrecadação.

'Cereja num bolo estragado'

Os especialistas entendem ainda que a medida, ainda que esteja sendo adotada para colocar o Brasil em conformidade com a orientação da OCDE e ter potencial de aumento em arrecadação, tem um efeito negativo no já atrasado processo de reforma do Imposto de Renda.

— É uma cereja num bolo estragado. Temos uma legislação de IR muito ruim. A regra é muito velha, há uma série de mudanças há tempos recomendadas pela OCDE que não foram feitas. E isso é importante como planejamento de longo prazo, de melhora de ambiente de negócios e geração de empregos — defende a especialista do Insper.

Um ponto central nesse debate, continua Vanessa, é que a medida quase não tem efeito em competitividade para as companhias de países desenvolvidos porque são “exportadoras de capital”. Na direção oposta, o Brasil é importador de capital, se tornando mais caro para o investidor.