Putin desistiu de acordo com Kiev após incursão em Kursk e prometeu ''destruir Ucrânia''
Segundo o veículo independente Poyasnitelnaya Zapiska, invasão do território foi considerada 'humilhante' pelo presidente, e defensores do diálogo são minoria no Kremlin
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, abandonou qualquer plano de diálogo com Kiev após a incursão ucraniana na região russa de Kursk, em agosto, e agora defende a “destruição do Estado ucraniano”. As revelações, feitas pelo veículo independente russo Poyasnitelnaya Zapiska (Nota Explicativa), confirmam ainda que militares dos dois lados estavam perto de um cessar-fogo parcial, e havia até mesmo uma data para a assinatura do acordo.
Segundo o relato do Poyasnitelnaya Zapiska, o Kremlin começou a perceber, em meados de julho, sinais de abrandamento da retórica em Kiev, com o presidente Volodymyr Zelensky se mostrando disposto a aceitar um diálogo com Moscou — um exemplo foi o chamado para que russos participassem de uma nova conferência de paz, após terem sido deixados de fora de uma reunião em junho, na Suíça. A troca de prisioneiros entre Rússia e os EUA, em agosto, também confirmou que qualquer iniciativa diplomática poderia ter o apoio e a pressão do Ocidente por resultados concretos.
Nos bastidores, os esforços já estavam em andamento, e como revelou ainda em agosto o jornal Washington Post, Kiev e Moscou estavam perto de fechar um acordo sobre um cessar-fogo parcial, que pouparia instalações de energia e petrolíferas de ataques.
"Seria uma situação boa para todos. Na Rússia, cerca de 15-20% do refino de petróleo estão avariados e ambos os países têm o inverno pela frente", disse uma fonte no alto escalão do governo russo ao Poyasnitelnaya Zapiska, em caráter de anonimato.
Havia até data e local para a assinatura do acordo: 22 e 23 de agosto, no Catar. Mas a incursão ucraniana na região de Kursk, no dia 6 de agosto, mudou todos os cálculos e parece ter enterrado não apenas esta, mas qualquer iniciativa diplomática a curto e médio prazo. Putin passou a acreditar que Kiev usou as negociações como uma cortina de fumaça para mascarar seus planos para invadir o território russo — o presidente, afirmam os interlocutores, considerou a ação uma “humilhação”, e descartou o diálogo com os ucranianos.
"Os líderes do regime de Kiev não só cometem crimes contra o povo russo, mas, de fato, embarcaram no caminho do extermínio dos próprios ucranianos, do povo ucraniano, que, aparentemente, já não consideram seu", disse Putin, durante reunião em agosto, dias depois do início da incursão.
"O inimigo certamente receberá uma resposta digna e todos os objetivos que enfrentamos serão, sem dúvida, alcançados."
Longe das câmeras, o discurso de Putin era ainda mais incisivo.
"O Kremlin concluiu: destruiremos o Estado da Ucrânia. Agora cheira a uma luta sem regras, ambos os lados estão pensando em como piorar um ao outro", declarou uma fonte do governo à publicação.
"É difícil sequer mencionar a paz; estas vozes serão suprimidas."
Se antes da incursão, que ainda não foi repelida completamente, havia uma pressão por parte da elite por um cessar-fogo, agora, afirma o Poyasnitelnaya Zapiska, as opiniões são favoráveis à expansão do conflito. A eventual autorização ocidental para que os ucranianos usem suas armas em ataques mais profundos em território russo apenas confirmaria essa posição pró-guerra nos altos escalões do país.
"Foi longe demais. Não acredito em nenhum processo de paz. Até que a Ucrânia desmorone, nada terá fim”, afirmou à publicação o chefe de uma grande empresa estatal que se reúne regularmente com Putin.
Putin alega que uma autorização seria encarada como a entrada da Otan, a principal aliança militar do Ocidente, na guerra, e tem feito movimentos preocupantes sobre o arsenal nuclear: no fim de setembro, ele anunciou mudanças na doutrina sobre o uso desses armamentos, flexibilizando as condições em que poderiam ser empregados. Segundo o Poyasnitelnaya Zapiska, a portas fechadas Putin é um pouco mais cauteloso, mas um aliado acredita que ele “ficará de olho no botão nuclear” se as suas ameaças não forem levadas a sério.
Na semana passada, o governo revelou um aumento de quase 30% nos gastos com defesa em 2025, sugerindo que uma guerra longa está em seus planos. O sucesso (a um elevado custo humano e militar) no leste ucraniano, onde os russos estão perto de conquistar a região de Donetsk, servem como incentivo ao comando militar, e a possibilidade do retorno de Donald Trump à Casa Branca é vista como um caminho para um cessar-fogo em termos favoráveis a Putin. Até lá, a disposição é seguir lutando “pelo tempo que for necessário”.
"As forças da Ucrânia estão esgotadas. O Kremlin pode travar uma guerra como esta durante décadas, mas a Ucrânia vai se degradar mais rapidamente", disse uma fonte do governo à publicação.