SÃO PAULO

Três anos após polêmica, criador do Touro de Ouro vende esculturas de até R$ 500 mil e dá guinada

Desde que a réplica dourada de um macho bovino foi instalada na capital paulista, bois gigantes avançam, em diferentes cores, pelo país

Touro de ouro - Divulgação

Há mais ou menos dois anos, um touro avermelhado não arreda as patas de uma esquina da principal avenida de Teresina, no Piauí. O bicho de uma tonelada e três metros de comprimento — uma escultura em fibra de vidro, com estrutura metálica — é o cartão de visitas de uma unidade da rede de farmácias Toureiro, concorrente de outras três drogarias em quarteirões adjacentes, numa pequena área que cobre a distância de 450 metros.

"A proposta é transformar o símbolo do grupo num ponto turístico", afirmou um dos diretores da empresa à época da inauguração pomposa da peça. O homem não escondia de ninguém o orgulho de pôr no mundo um dos "filhotes" mais vistosos do Touro de Ouro, maneira pela qual foi apelidada a estátua de um boi anabolizado que gerou polêmica, em 2021, em São Paulo.

Sim, acredite: desde que a tal réplica dourada de um macho bovino foi instalada, e logo removida, no Centro da capital paulista — em iniciativa promovida, há três anos, pela B3, a Bolsa de Valores de São Paulo —, esculturas de touros gigantes avançam, em diferentes cores, pelos rincões do país. Rafael Brancatelli, o criador do Touro de Ouro, abandonou uma consolidada carreira de arquiteto para viver da arte de esculpir bichos. Hoje, vende esculturas de bois (e também de elefantes, araras, jacarés, onças...) por valores entre R$ 15 mil e R$ 500 mil para uma turma encabeçada por empresários e fazendeiros. A demanda é crescente.

Entre os proprietários das esculturas, figuram nomes como o jogador Ronaldo Fenômeno, o apresentador Álvaro Garnero e o empresário João Adibe Marques, CEO da farmacêutica Cimed, todos donos de miniaturas colecionáveis e limitadas do Touro de Ouro. O mamífero também pode ser visto — verde e gigante — na sede de uma empresa especializada em produção de sêmen bovino, em Itatinga (SP), ou — em versão igualmente imensa, mas em cor preta — no meio do jardim da mansão do pecuarista Junior Friboi, dono da empresa JBJ.

— Há duas coisas interessantes que descobri nesse processo: a primeira é que as pessoas, de um modo geral, têm um magnetismo com as figuras dos animais, por conta dos arquétipos e tal, e se identificam com eles; a segunda coisa é que existe um número muito grande de marcas com animais como símbolos ou logotipos. Contabilizei mais de 300 empresas de médio e grande porte apenas no Brasil — conta Brancatelli. — Por conta desse volume, pude passar a viver de arte, meu sonho desde a infância. E assim, de repente, o advento do touro me proporcionou isso. Finalmente.

Paulista que cresceu na Mooca, na zona leste da capital paulista, o profissional diz que recebeu ameaças de morte no período em que o Touro de Ouro foi alvo de manifestações — uma semana após ser instalada na Rua 15 de Novembro, a peça mobilizou uma denúncia do Ministério Público e precisou ser resguardada numa das salas que acolhe o acervo da B3, onde segue até hoje.

Instituições diversas e movimentos sociais criticaram o valor estético da obra e classificaram a presença da criatura dourada numa via pública, em frente à Bolsa de Valores de São Paulo, como um contrassenso num Brasil marcado pela pobreza e por uma grave crise econômica e social.

"Você cavou uma catástrofe na sua vida", Brancatelli ouviu, no fim de 2021, de um familiar próximo. Naquele período, achou que estaria fadado à zombaria e, pior, ao esquecimento.

— Se eu fosse uma pessoa mais assustada e desequilibrada, o impacto teria sido maior — ele aponta.

O arquiteto pondera que havia idealizado a obra movido pela simples intenção de estimular o turismo no Centro paulistano ("Conversei com algumas instituições, e a B3 logo falou: 'Opa, isso aqui é meu, quero esse projeto'. E aí, pronto, virou isso tudo", rememora).

Novato no universo das artes plásticas, Brancatelli considera que está "aprendendo, aos poucos, como o mercado se comporta". Mas já identifica, com clareza, um ponto largo e comprido nesse cenário: ele sabe que a própria produção não é reconhecida pela grandíssima parte de seus pares. O assunto é "um pouco polêmico", o escultor opina, ao se colocar como uma figura "não convencional". Moldar bichos gigantes e coloridos, ele sugere, ainda é confundido com um negócio puramente mercadológico, algo que ele refuta.

— Por enquanto, me sinto uma exceção. Já fucei bastante, mas não encontrei outros artistas parecidos comigo e com quem eu conseguisse trocar figurinhas — lastima o artista, que produz as obras num ateliê próprio, com o auxílio de aplicativos para modelagem digital em 3D.

Quando questionado sobre suas principais referências, Brancatelli silencia. E logo volta a reforçar que não conhece artistas que, como ele, se dediquem a esculturas de animais em larga escala. Lá pelas tantas, cita um vídeo em que o espanhol Pablo Picasso (1881-1972) aparece desenhando touros (da série de litografias intitulada "El Toro") — e volta, então, a divagar acerca da universalidade e da atemporalidade do bicho. O que ele persegue está aí, no campo do "natural", como indica:

— Sinto que há uma preferência, entre galerias e museus, por obras que contem uma história polêmica ou dramática. Acredito, porém, que a arte não é só isso. Pode-se, sim, usá-la para defender determinada causa. Mas ela pode ser simplesmente uma manifestação estética. No meu caso, é uma homenagem à natureza — discorre ele, que recentemente produziu as estátuas de um urso gigante instalada no convés de um barco particular; de uma onça também imensa, que adorna um hotel em Foz do Iguaçu (PR); de dois cavalos, atualmente numa praça em Jaguariúna (SP), considerada a Capital Nacional dos Cavalos.

A assinatura artística se mantém, como ele se defende, mesmo nessas obras encomendadas — a maior parte delas —, todas produzidas a partir de exigências estabelecidas pelos compradores:

— Represento a minha visão dos animais, e gosto de fazer algo belo. E não é ruim querer só representar o belo, né? Esse negócio de sempre ter que contar uma história está ficando cansativo, a meu ver. Acho que a coisa pode ser mais leve — ressalta. — Talvez eu esteja um pouco na contramão desse movimento de sempre ter que sustentar uma narrativa. Prefiro simplesmente manifestar minha visão artística com a melhor estética possível, e de forma declarada.