Milagre

Irmã Dulce: confira entrevista com José Maurício, miraculado da santa brasileira em 2014

José Maurício Moreira, que mora no Recife, voltou a enxergar quando rezou para Irmã Dulce - Foto: Juana Carvalho/Folha de Pernambuco.

No “cronos”, o “tempo dos humanos”, foram 14 anos de espera. Mas no “kairós”, no “tempo divino”, durou o intervalo de liderar um coral. O prazo necessário para ser inspiração para os jovens. A exata duração para conhecer o amor da vida. José Maurício Moreira já foi exemplo de superação ao descobrir um novo dom após perder a visão. Hoje, é símbolo de um milagre. Não por força de expressão, mas sim um reconhecido pela Igreja Católica. Protagonizado pela primeira santa nascida no Brasil, a Irmã Dulce. Uma oração para a santidade e, três meses depois, a visão foi recuperada. Visão "humana", diga-se, já que a divina nunca foi perdida.

Descoberta

Todo final feliz precisa de um “era uma vez”. O dele não é diferente. O baiano descobriu que era míope aos 12 anos. Aos 23, foi diagnosticado com glaucoma. A doença evoluiu, afetou o nervo óptico. Pouco a pouco, foi diminuindo o campo de visão de José Maurício. Mesmo após duas cirurgias, o quadro não teve melhora. Aos 31 anos, em 2000, durante um voo de volta ao Recife, o mundo escureceu. Para a ciência, seria definitivamente - mas não foi.

"Quando estava no avião, comecei a perder a visão total. Precisei ser amparado pelos comissários. Minha irmã foi me buscar no aeroporto. Chorei muito. Dali por diante, o médico falou que era hora de comprar uma bengala e fazer um curso de braile porque eu viveria o resto da vida assim. Não tinha mais o que a medicina fazer", contou.

Adaptação

Trabalhando anteriormente na área de informática, José Maurício precisou mudar de carreira. “Meus pais eram seresteiros e, desde os 11 anos, eu tocava violão. Quando perdi a visão, decidi começar um curso de música para me tornar um maestro. Eu me especializei em formar corais de cegos em empresas”, disse.

Foi assim que, pouco tempo depois de perder a visão, o agora músico ganhou outra paixão: Marize Mendonça, a atual esposa. “Ela trabalhava em uma empresa em que eu era maestro de um coral. Ela viajava para dar palestras e foi assim que nos conhecemos. Daí, começamos a namorar, mas era ela no Recife e eu em Salvador. Quando a saudade apertou, eu decidi morar com ela em Pernambuco”, apontou.

Irmã Dulce

A linha do tempo precisa ser corrigida aqui para esclarecer um fato. A relação de José Maurício e Irmã Dulce começou bem antes do milagre.

“Meu avô fazia doações para as obras sociais dela lá na Bahia, dando dinheiro e material de construção. Meus pais depois também. Quando criança, eu via Irmã Dulce passando na porta de casa. Ajudava a atravessar a rua”, relembrou.

‘Depois, quando eu era adolescente, fizemos uma excursão para ver o trabalho dela com as pessoas de rua. Ela tocou até sanfona para gente. Mas o que eu me lembro mesmo é de um dia quando ela foi autografar um livro sobre as obras sociais dela. Eu me recordo que, em um rompante de ousadia, eu segurei a mão dela e dei um beijo. Eu disse: ‘desculpe, mas eu morria de vontade de fazer isso’. Em vez dela soltar a minha mão, ela puxou e me deu um beijo também. Eu disse que ficaria três dias sem lavar”, brincou.

Milagre

Já morando no Recife com a então noiva Marize, José Maurício foi acometido por uma conjuntivite. “Eu me recordo que estava com os olhos inchados, muita dor. Tive de suspender as apresentações de Natal que faria. Na madrugada do dia 10 de dezembro de 2014, eu peguei a imagem de Irmã Dulce que ficava na minha cabeceira, coloquei nos olhos e orei baixo, pedindo para ela interceder junto a Deus para curar minha conjuntivite e me dar um sono de paz”, citou.

“Quatro horas depois, eu acordei e minha esposa saiu de casa para ir ao banco. Eu tinha colocado gelo no olho quando percebi que via minha mão se aproximando do papel. Peguei o telefone, liguei para Marize e disse chorando: ‘volta logo que eu estou começando a ver’. Vi uma foto que tínhamos em casa e percebi que, em todos esses anos juntos, eu nunca tinha visto o rosto dela. Era muito linda. Quando ela chegou em casa, choramos juntos de emoção porque o sonho dela era que eu pudesse vê-la também”.

Ao retornar ao médico, o músico recebeu o mesmo diagnóstico de sempre. “Ele falou que eu permanecia sem nervo óptico. Disse que eu deveria reunir os vizinhos, amigos, viajar e fazer tudo porque não sabia se isso duraria mais um dia. Durou bem mais. Tem durado. Em três meses, José Maurício recuperou a visão completa. “Eu voltei a enxergar no Carnaval, vendo o Galo da Madrugada pela primeira vez”, citou.

A esposa do músico descreveu todo o ocorrido para um site dedicado à Irmã Dulce. O relato chegou até o Vaticano, que investigou por três anos a história. Após reunir todas as informações, veio o veredito: José Maurício era clinicamente cego. O que tinha acontecido, aos olhos (recuperados) do baiano e da Igreja Católica, era um milagre. O segundo reconhecido da brasileira. Suficiente para torná-la santa.

Em 13 de outubro de 2019, com a presença de José Maurício, no Vaticano, o Papa Francisco fez Irmã Dulce ser oficialmente santificada.

“Antes mesmo dela ser santa, eu já a considerava assim. O recado que dou às pessoas é que nunca percam a fé. O nosso tempo é diferente do de Deus. Foram 14 anos para mim, mas foi o tempo que ele achou certo. Durante esse período, eu ensinei pessoas a cantar, fiz o bem, conheci minha esposa, que casou comigo poucos dias depois de eu começar a enxergar. Deus sabe o que faz. Ele está lá em todos os momentos. Mesmo quando a gente não vê”.