MC Cabelinho roda filme na favela em que foi criado: ''A gente está furando uma bolha muito grande''
Trapper do Pavão-Pavãozinho, na Zona Sul carioca, atua em 'Confia Sonho de cria', dos estúdios Globo, que estará em painel no Festival do Rio
Seria mais um show na carreira de MC Cabelinho se a apresentação daquela noite não fosse a cena final de um filme. E um filme no qual o músico é o grande protagonista. “Confia; Sonho de cria” é uma aposta cinematográfica dos Estúdios Globo para o ano que vem ao colocar uma das maiores sensações do trap nacional no centro de uma narrativa voltada a espectadores jovens. Agora, além de milhões de streams (no Spotify, são 9,3 milhões de ouvintes por mês), o jovem de 28 anos tem também uma comédia romântica, ainda sem data fechada de estreia, para chamar de sua.
"A gente está furando uma bolha muito grande com essa oportunidade", disse o artista, que estará nesta quinta-feira (10), às 18h, no Armazém Utopia, durante o Festival do Rio, para apresentar o trailer e falar sobre o projeto, cuja primeira reunião lhe espantou.
"Quando cheguei na sala, simplesmente estava a minha cara muito grande na televisão e disseram que eu ia ser o protagonista. Falei: “Sério isso?” Me surpreendi. Achei que ia fazer só uma participação, uma cena, talvez duas."
Um dia no set
Fez cenas para caramba, tanto nos Estúdios Globo, onde a reportagem esteve para acompanhar o fim das filmagens, quanto em Copacabana, mais especificamente no conjunto de favelas Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, onde o jovem, cujo nome é Victor Hugo Oliveira do Nascimento, de 28 anos, foi criado. Ele rodou por todo canto numa motocicleta no papel de Nando, entregador de uma lanchonete que sonha em virar cantor. No corre do dia a dia, conhece Jaque (Malía), trambiqueira que tenta ajudá-lo. É ela, inclusive, a responsável pela organização do tal show final.
"Gostei muito da história porque quem cuidou do Nando foi a avó dele, e eu fui criado pela minha avó", contou.
"Ele tem o sonho de ser músico, algo que sempre tive. Também é de favela. Temos essas coincidências. Pensei: “Parece até a história da minha vida.” Isso me emocionou bastante."
A ideia de colocar Cabelinho como protagonista de uma história cheia de semelhanças com a realidade veio de Fabrício Santiago, Pedro Alvarenga e Renata Sofia, alguns dos colaboradores de Rosane Svartman, autora da novela “Vai na fé”, sucesso do horário das 19h da TV Globo em 2023. O cantor participou da trama como Hugo, do núcleo de Piedade, justamente a parte que mais cabia ao trio de roteiristas. Vale anotar: Pedro e Renata, além de Malía e do diretor do longa, Fabio Rodrigo, também falarão sobre “Confia” no Armazém da Utopia, juntamente com o músico e ator.
"A gente escutava muito que “Vai na fé” era “a novela do Cabelinho”, sendo que o personagem dele era muito pequeno", disse Renata, de 37 anos, hoje colaboradora da novela das 18h “Rancho fundo”.
"De um lado, vimos o apelo com o público; de outro, como íamos muito às gravações, víamos como ele era dedicado, estudava, propunha."
Misturados talento e sucesso dele junto ao público, principalmente jovem, mais a vontade dos escritores de emplacar um projeto autoral, deu no que deu.
"A gente já tinha trabalhado junto, se gostava e se admirava como profissionais", disse Fabrício, de 36 anos, que também é ator e está no elenco de “Confia”.
"Acreditamos muito no coletivo. Então, falamos: “Vamos nos juntar e fazer acontecer.”
Quem deu o sinal verde para a produção foi Patricia Pedrosa, diretora da divisão de gênero humor dos Estúdios Globo, que não custou a comprar a proposta, afinal, Cabelinho é figura “emblemática”. Mas não só ele. A executiva descreve os jovens autores como “corajosos”, com abordagens autênticas, requisitos indispensáveis para os planos do Núcleo de Filmes dos Estúdios Globo.
"Criamos essa divisão para ampliar a oferta de conteúdo brasileiro nas nossas plataformas", disse Amauri Soares, diretor executivo dos Estúdios Globo e da TV Globo.
"Com as encomendas já confirmadas da TV aberta e do Globoplay, temos que entregar um filme por mês em 2025. É uma grande oportunidade para toda a nossa comunidade criativa."
Sem olhar de elite
Cada um dos três entrou na “comunidade criativa” por diferentes vias, em momentos distintos. O carioca Fabricio estreou em 2014, depois de trabalhar como ator na própria Globo. Jornalista de formação, Renata saiu da área digital da emissora em 2017 e voltou depois para a dramaturgia. O mineiro Pedro, de Divinópolis, mudou para o Rio com 17 anos para estudar Cinema e entrou como assistente de roteiro na TV em 2017.
"Somos crias da classe trabalhadora e nós somos dessa classe trabalhadora", disse Renata.
"A gente sai do olhar de elite, de quem escreve por hobby. Então, temos esse olhar de afeto."
Por isso, garantiu Pedro, não vai ter espetacularização da pobreza nas histórias que eles pretendem contar.
"O Nando é um cara favelado, a avó dele é uma salgadeira, mas uma coisa que nunca houve, na vida dele, é precariedade. Ele é cercado de afeto, tem base moral, com uma vida material estável. E essa é uma parte importante da nossa proposta. Não é um filme de favela, não vamos falar: “Coitado desse menino pobre."