Furacão Milton

Furacão Milton: vídeos falsos e teorias da conspiração invadem as redes sociais

Vídeos de tempestades antigas e de produções de Hollywood são compartilhados como se fossem atuais, e governo se prepara para nova onda de desinformação

Apartamentos danificados pela passagem do furacão Helene aguardam a chegada do furacão Milton em St. Petersburg, na Flórida - Bryan R. Smith/AFP

Diante da iminente chegada do furacão Milton à Flórida, no que pode ser a maior tempestade a atingir o estado em mais de um século, moradores da região apontam para um aumento do número de vídeos ampliando teorias da conspiração e informações falsas sobre a tormenta e sobre as medidas para amenizar os impactos de outro furacão, o Helene, que deixou mais de 200 mortes nos EUA.

Em publicação no Instagram, o brasileiro Rodrigo Veroneze afirma que vídeos de tempestades passadas e até de filmes estão sendo compartilhados em redes sociais como sendo do furacão Milton. Ao mesmo tempo, em que reitera a necessidade de prevenção, ele diz que as informações falsas podem semear pânico desnecessário em áreas que não são de risco, e atrapalhar operações de retirada e resgate.

— Para você que faz esse tipo de vídeo, tenha a consciência de que temos familiares no Brasil que estão super preocupados e achando que aqui está acabando o mundo — afirmou o brasileiro, que está em Orlando. — Não é isso que está acontecendo, a ordem de evacuação é para a costa.

Milton é considerado uma "bomba atmosférica", que ganhou força de maneira assustadora, e já reescreveu a história dos furacões: existe a possibilidade de que, por causa de sua força, seja adicionada mais uma categoria à escala Saffir-Simpson, que hoje vai até 5 — os ventos poderiam chegar a até 307 km/h.

E com previsões de ampla destruição e perdas humanas, as teorias da conspiração, como citou o brasileiro, se multiplicam nas redes.

Uma delas atribui a “criação” da tempestade a um programa do governo americano conhecido como Haarp, sigla em inglês para “Programa de Investigação de Aurora Ativa de Alta Frequência”, associado não apenas ao Milton, mas a eventos catastróficos nos EUA e no mundo, incluindo o terremoto no Haiti de 2010 e as chuvas no Rio Grande do Sul.

Segundo os vídeos conspiracionistas, o Haarp é capaz de controlar o clima e criar desastres com o apertar de um botão, algo que não passa sequer perto de seu real propósito, que é estudar as camadas superiores da atmosfera.

“As ondas de rádio nas faixas de frequência que o HAARP transmite não são absorvidas nem na troposfera nem na estratosfera, os dois níveis da atmosfera que produzem o clima da Terra. Como não há interação, não há como controlar o clima”, afirma o operador do sistema em sua página de perguntas e respostas.

Não são apenas contas de cidadãos comuns no Telegram, X, Reddit e Truth Social que divulgam esse tipo de desinformação.

"Sim, eles podem controlar o clima", escreveu a deputada republicana Marjorie Taylor Greene no X, durante o furacão Helene. "É ridículo alguém mentir e dizer que isso não pode ser feito."

Segundo Greene e outros conspiracionistas, o objetivo seria “matar o máximo possível” de republicanos na Florida e em outros estados do sul dos EUA, região que tem votado com o partido nas últimas eleições.

— Se os meteorologistas pudessem parar os furacões, nós pararíamos os furacões — Kristen Corbosiero, professora de ciências atmosféricas e ambientais na Universidade de Albany, em entrevista ao site Euronews. — Se pudéssemos controlar o clima, não desejaríamos o tipo de morte e destruição que aconteceu.

Os deepfakes — imagens criadas ou alteradas por Inteligência Artificial (IA)— também ganham força antes da chegada de Milton. Em artigo publicado nesta terça-feira, a revista Forbes apresenta a imagem de uma menina supostamente resgatada na Carolina do Norte.

Ela aparece chorando com um filhote de cachorro nos braços, a bordo de um bote, em meio à inundação. Mas um detalhe denunciou a mentira: a criança tinha muitos dedos (um erro comum de imagens geradas por IA).

— As fotos do furacão demonstram os desafios atuais com a desinformação e as mídias sociais — afirmou Cayce Myers, especialista em mídia e professor da Universidade Virginia Tech, em entrevista ao site da instituição. — O problema é que essas imagens falsas influenciam a percepção das pessoas sobre a realidade, e as mídias sociais alimentam a disseminação dessa desinformação. O efeito final pode ser prejudicial à sociedade, especialmente ao lidar com questões importantes como democracia e saúde pública.

Os fakes vêm de todos os campos do espectro político: durante as inundações causadas pelo Helene, imagens do presidente dos EUA, Joe Biden, e do ex-presidente Donald Trump resgatando pessoas e animais receberam muitos likes e foram compartilhadas milhares de vezes. Obviamente, ambas eram falsas, e foram criadas por IA.

— Sempre veremos um nível de desinformação ou confusão quando estamos em uma resposta enorme como essa. Essa é apenas a natureza do jogo e do desastre. Obviamente, este ano está nas alturas — disse a diretora regional de comunicações da Cruz Vermelha Americana, Catie Ballenger, em entrevista ao site Decrypt.

As autoridades federais já se preparam para uma nova onda de rumores sobre a ajuda às areas atingidas pelo novo furacão. Durante a passagem do Helene, Trump disse que o dinheiro estava sendo usado para “abrigar imigrantes ilegais” — segundo a agência, tal realocação de verbas não aconteceu.

Já em 2019, quando o republicano estava na Casa Branca, US$ 38 milhões do Fundo de Assistência a Desastres da Fema foram destinados ao serviço de imigração e alfândega do país.

Além de Trump, seu candidato a vice, J.D. Vance, insistiu na narrativa, acusando o governo do presidente Joe Biden de negligenciar o envio de ajuda e de “desviar o foco de sua principal função de ajudar os cidadãos americanos em momentos de necessidade”.

— É francamente decepcionante termos que lidar com essa narrativa, o fato de haver alguns líderes tendo dificuldade em diferenciar fato de ficção está criando um impedimento à nossa capacidade de realmente levar às pessoas a ajuda de que precisam — disse Deanne Criswell, administradora da Fema, à MSNBC na segunda-feira. A agência ainda criou um site destinado a combater rumores, boatos e ideias conspiratórias.