TECNOLOGIA

EUA consideram pedir cisão do Google após Justiça avaliar que empresa tem monopólio ilegal

Governo americano enviou lista de recomendações ao tribunal e, entre medidas demandadas para ampliar a concorrência nas buscas online, está o desmembramento entre Chrome e Android

Google - Josh Edelson/AFP

Na noite de terça-feira, o Departamento de Justiça americano informou que considera pedir a um tribunal federal que obrigue o Google a dividir a empresa em partes ou alterar suas práticas para por fim ao monopólio no mercado de buscas on-line, medidas que poderiam redefinir o negócio central da empresa avaliada em US$ 2 trilhões.

Em um documento, o governo disse que poderia solicitar ao tribunal que exigisse que o Google disponibilizasse os dados subjacentes que alimentam seu motor de busca para concorrentes.

O governo afirmou que estava considerando pedir mudanças “estruturais” no Google para impedir que a empresa se valesse da força do navegador Chrome, do sistema operacional Android ou da loja de aplicativos Google Play para beneficiar seu negócio de buscas. No entanto, não especificou quais mudanças poderiam ser.

“A conduta anticompetitiva do Google resultou em danos interligados e perniciosos que apresentam complexidades sem precedentes em um conjunto de mercados altamente dinâmicos”, disse o governo no processo apresentado no Tribunal Distrital dos EUA no Distrito de Colúmbia.

E acrescentou: “Esses mercados são indispensáveis para a vida de todos os americanos, seja como indivíduos ou proprietários de negócios, e a importância de liberar esses mercados de forma eficaz e restaurar a competição não pode ser subestimada”.

'Monopolista'
Lee-Anne Mulholland, vice-presidente de Assuntos Regulatórios do Google, afirmou em uma postagem em resposta ao processo que a empresa estava preocupada com o fato de que o Departamento de Justiça estava “sinalizando fazer pedidos que vão muito além das questões legais específicas deste caso”.

Em uma decisão histórica em agosto, o juiz desse tribunal, Amit P. Mehta, afirmou que o Google “é um monopolista, e atuou como tal para manter seu monopólio”. O Google passou dos limites ao pagar a empresas como Apple e Samsung bilhões de dólares para ser o mecanismo de busca padrão em navegadores da web e de smartphones, decidiu Mehta no caso EUA contra o Google.

O pedido do Departamento de Justiça americano é o primeiro passo formal em um processo que pode durar meses e que poderia reformular uma empresa que se tornou sinônimo de busca por respostas on-line. Qualquer limitação ao negócio de buscas do Google poderia ajudar a redefinir a competição on-line com rivais como Microsoft e o chatbot ChatGPT da OpenAI.

Além de pedir ao Google que libere alguns dos dados que distinguem sua fórmula secreta para alcançar os resultados de busca, a opção mais extrema exigiria que o Google desmembrasse completamente partes do seu negócio de buscas. Isso o colocaria em uma pequena lista de empresas, incluindo AT&T e Standard Oil, que se dividiram após uma dura batalha com o governo dos EUA.

A decisão de Mehta sobre como resolver as preocupações relacionadas ao comportamento monopolista do Google, esperada para o próximo ano, fornecerá um sinal da força dos esforços do governo para controlar gigantes tecnológicos que influenciam como compramos, consumimos informações e nos comunicamos on-line.

Autoridades federais já processaram Apple, Amazon e Meta, dona de Facebook e Instagram. Elas também processaram o Google uma segunda vez sobre seu negócio de tecnologia de anúncios, sobre o qual um juiz federal deve decidir em breve. Além disso, os reguladores federais estão voltando sua atenção para outro grupo de empresas especializadas em inteligência artificial, abrindo investigações sobre Microsoft, OpenAI e Nvidia.

Google vai recorrer da decisão contra monopólio

Em novembro, o Departamento de Justiça apresentará seu pedido final sobre como resolver o monopólio do Google por meio de “remédios”. Em dezembro, o Google terá a oportunidade de propor sua própria solução a Mehta. A empresa também planeja recorrer da decisão que declarou ilegal a manutenção de seu monopólio de buscas.

O caso está tramitando nos tribunais há anos. O Departamento de Justiça, sob o governo do ex-presidente americano Donald Trump, junto a vários estados, processou o Google em 2020 por seu negócio de buscas, alegando que o gigante da internet eliminou concorrentes desse mercado, inclusive pagando outras empresas para tornar sua tecnologia a opção padrão para seus usuários.

O governo argumentou durante um julgamento de dez semanas no ano passado que esses acordos enviaram mais consultas de busca para o Google do que para seus concorrentes. O Google conseguiu usar esses dados para aumentar a diferença entre seu produto e os de rivais como o Bing, da Microsoft, e o DuckDuckGo, afirmou o governo.


O Google alegou que enfrentava muita concorrência em buscas, inclusive de aplicativos de mídia social como TikTok e Instagram, sites de compras como Amazon e chatbots de inteligência artificial como o ChatGPT.

Mehta concordou com o governo, dizendo que o Google fomentou um ciclo de dominação que era impossível de ser rompido, mesmo por concorrentes bem financiados.

No documento de terça-feira, o Departamento de Justiça detalhou várias formas pelas quais poderia pedir ao tribunal para quebrar esse ciclo. Além de sugerir a possibilidade de obrigar o Google a compartilhar seus dados, o governo afirmou que poderia pedir ao tribunal que impedisse a empresa de fazer acordos para ser o mecanismo de busca padrão em smartphones e navegadores da web.

O governo sinalizou que vinha acompanhando de perto os avanços em inteligência artificial, que empresas como o Google têm se apressado para integrar em seus produtos de busca.

“A capacidade do Google de aproveitar seu poder de monopólio para alimentar recursos de inteligência artificial é uma barreira emergente à competição e pode fortalecer ainda mais a dominação do Google”, afirmou o governo.

Ele disse que poderia pedir ao tribunal que permitisse que sites optassem por não ter seu conteúdo utilizado para treinar os modelos de IA do Google. O governo também sugeriu que poderia pedir ao tribunal para impedir o Google de “usar contratos ou outras práticas para prejudicar o acesso de rivais ao conteúdo da web”.

O governo terá que evitar pedir muito e alienar a atuação de Mehta, disse Rebecca Haw Allensworth, professora da escola de direito de Vanderbilt que estuda questões antitruste.

"Então, você pede algo muito grande, como um desmembramento, sabendo que isso é como lutar contra moinhos de vento e muito improvável de ser concedido pelo juiz?", questionou.

Há pressões vindas de fora do Departamento de Justiça para que ele liga esse caminho. Tim Wu, professor de Direito da Universidade de Columbia, que atuou na Casa Branca durante o governo Biden, defende que o governo peça ao juiz que obrigue o Google a desmembrar seu navegador Chrome ou o sistema operacional Android para smartphones.

Ele afirmou, em entrevista, que o governo deveria instar Mehta a considerar soluções antitruste agressivas de décadas passadas. Isso inclui a divisão da Standard Oil, a empresa que gerou a fortuna da família Rockefeller, e um acordo de 1956 entre o governo e a AT&T que forçou a empresa a licenciar muitas de suas inovações tecnológicas gratuitamente, o que, segundo defensores dos esforços antitruste, ajudou a criar a indústria moderna de semicondutores.

"Acho que eles precisam convencer o juiz a olhar para o histórico mais amplo de ações antitruste", disse Wu.