CONFLITO

Rússia anuncia retomada de dois vilarejos em Kursk; Zelensky vê "oportunidade" para fim da guerra

Comando militar russo relata combates intensos em localides comandadas pelos ucranianos; Kiev está refazendo seu 'plano de vitória'

O exército ucraniano entrou na região russa de Kursk em 6 de agosto, capturando dezenas de assentamentos na maior ofensiva de um exército estrangeiro em solo russo desde a Segunda Guerra Mundial - Roman Pilipey / AFP

Moscou anunciou ter recuperado dois vilarejos na região russa de Kursk, alvo de uma ofensiva ucraniana iniciada em agosto, e que chegou a ocupar mais de mil quilômetros quadrados. Ao contrário do que esperava Kiev, a Rússia não tem feito grandes esforços para retomar essas terras, e concentrado suas forças na ofensiva no leste ucraniano. Mas segundo o presidente da Ucrânia, a situação atual dos combates traz uma "oportunidade" para o fim da guerra no ano que vem.

Segundo o Ministério da Defesa russo, os assentamentos de Novaya Sorochina e Pokrovsky foram recuperados pelas forças russas, e houve combates intensos em Darino, Lyubimovka, Novy Put e Plekhovo — até agora, 14 vilarejos voltaram ao controle de Moscou. Imagens divulgadas pelo ministério mostram uma ampla destruição na área, similar à vista em áreas de combate na Ucrânia.

Os militares confirmaram ainda ataques aéreos contra posições ucranianas em Sumy, base para a incursão ucraniana.

A invasão das forças de Kiev em Kursk — a primeira incursão terrestre de um outro Estado na Rússia desde a Segunda Guerra Mundial — tinha como objetivo central atrasar o avanço russo no leste do país, em áreas como Pokrovsk, um importante centro de transportes em Donetsk, e Vuhledar, cidade na mesma região que está sob controle russo desde a semana passada.

Os ucranianos chegaram a ocupar uma área de mais de mil quilômetros quadrados, incluindo uma cidade por onde passa o único gasoduto ainda em funcionamento que liga a Rússia ao resto da Europa. Contudo, a aposta não funcionou: a Rússia intensificou os combates em Donetsk, e destacou forças de outros locais, incluindo mercenários que atuavam na África, para a defesa de seu território.

Fontes citadas pela imprensa russa dizem que o ataque a Kursk também minou conversas entre os militares dos dois países para poupar determinados alvos, como instalações petrolíferas e de geração de energia. Na reportagem, o site independente Poyasnitelnaya Zapiska (Nota Explicativa) diz que, após o ataque, o presidente Vladimir Putin afastou qualquer possibilidade de diálogo e passou a defender “a destruição do Estado ucraniano”, contando com um apoio ainda mais amplo para a guerra.

Se Putin parece mais resoluto a manter a guerra, o líder da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, dá sinais de flexibilização. Segundo a Bloomberg, citando fontes da Otan,embora o presidente e seus assessores em público neguem estar dispostos a barganhas, incluindo territoriais, a portas fechadas o cenário de um conflito congelado está sobre a mesa — na prática, a ideia seria pausar os combates, nas linhas atuais, e permitir o início de negociações diplomáticas.

Contudo, afirma a Bloomberg, Kiev exige que a Otan, a principal aliança militar do Ocidente, abra as portas para que o país se torne membro pleno, algo que lideranças ocidentais e EUA não parecem dispostas no momento. Além dos riscos de incluir um país que está em guerra, Moscou afirma que tal passo seria uma linha vermelha importante demais para ignorar. E com eleições nos EUA a menos de um mês, as chances de decisões cruciais virem de Washington são quase nulas.

Um sinal disso foi o cancelamento da visita do presidente dos EUA, Joe Biden, de sua participação em uma reunião com Zelensky e países da aliança na Alemanha, na qual o ucraniano teria mais uma chance de apresentar o que chama de “plano de vitória”.

No mês passado, a proposta foi mostrada a Biden na Casa Branca, e integrantes do governo americano pediram que ela fosse revista, e detalhasse melhor o que planejava atingir, e o que precisava para atingir seus objetivos. Zelensky, contudo, permanece confiante em uma sucesso a curto prazo contra a Rússia, e até estabeleceu um prazo.

— Em outubro, novembro e dezembro temos a oportunidade de avançar em direção à paz e à estabilidade duradoura. A situação no campo de batalha cria a oportunidade de fazer esta escolha, uma escolha por uma ação decisiva para acabar com a guerra o mais tardar em 2025 — disse Zelensky, falando em uma reunião de cúpula da Ucrânia e de países do Leste Europeu, na Croácia, sem detalhar como o conflito terminaria.

No campo de batalha, a Ucrânia afirmou ter atingido um depósito de armas norte-coreanas em Bryansk, na fronteira entre os dois países. Segundo o comando militar ucraniano, drones foram usados na ação, e imagens publicadas em redes sociais mostram um grande incêndio na mesma área.

"O arsenal armazenava munição para sistemas de mísseis e artilharia, incluindo aqueles entregues pela Coreia do Norte, assim como bombas planadoras. Grande parte da munição era armazenada a céu aberto", disse o Estado-Maior ucraniano, em comunicado.

A Rússia não se pronunciou. Oficialmente, Moscou nega ter comprado armas como foguetes e munição de artilharia da Coreia do Norte, o que seria uma violação de sanções internacionais, mas os dois países têm intensificado os laços, e imagens de satélite mostram intensas movimentações de navios e trens na fronteira entre os países.

Também nesta terça-feira, uma reportagem do site russo Vyorstka traçou um perfil dos homens que estão se voluntariando para combater pelo Exército russo. Segundo a publicação, a idade média deles beira os 50 anos, e mais da metade tem mais de 45 anos.

Os números refletem em boa parte o impacto econômico dos incentivos oferecidos pelo governo: em julho, Putin assinou um decreto estipulando que todos que se voluntariassem receberão, imediatamente, um pagamento de 400 mil rublos (R$ 23.078,43), e o salário mensal não seria menor do que 204 mil rublos, ou pouco mais de R$ 11 mil, e incluiria bônus por ofensivas e operações especiais. O salário mínimo em Moscou é, em 2024, de 29.389 rublos, ou R$ 1.695,63.

Mas a mudança nas tropas não agradou a todos. "Eles estão todos doentes", disse um soldado (mais jovem) ao Vyorstka. "Suas pernas doem, suas cabeças doem, e eles são lentos".