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O desafio do reconhecimento de paternidade no Brasil e suas implicações sociais

O reconhecimento de paternidade no Brasil representa um dos grandes desafios sociais e legais enfrentados pelas famílias brasileiras. De acordo com dados divulgados pelo Portal da Transparência de Registro Civil, no período de janeiro a setembro deste ano, de 1,8 milhão de registros de nascimentos, apenas 26,4 mil crianças tiveram o nome do pai registrado como genitor na certidão. Esse número alarmante revela não apenas uma questão de ordem legal, mas também o impacto profundo que a ausência paterna tem sobre a formação social e psicológica dessas crianças.

A realidade por trás desses números é complexa. Fatores como a falta de informação sobre direitos e deveres parentais, o machismo estrutural, as condições socioeconômicas adversas e o difícil acesso à justiça contribuem para a perpetuação desse problema. Muitas vezes, homens se esquivam da responsabilidade paterna por ignorância ou negligência, e as mães, por sua vez, enfrentam uma batalha judicial, muitas vezes desgastante emocionalmente e financeiramente também, com todas as custas envolvidas. O resultado é uma geração de crianças que crescem sem a presença paterna formalmente reconhecida, o que impacta diretamente o seu desenvolvimento emocional e social.

A ausência do nome do pai na certidão de nascimento pode gerar processos judiciais, como a investigação de paternidade. Neste processo, mesmo que o homem se recuse a fazer o teste de DNA, a justiça pode presumir a paternidade mesmo com a sua resistência em colaborar. Essa presunção é uma forma de garantir que as crianças não sejam prejudicadas pela omissão paterna, possibilitando que o nome do pai seja inserido na certidão de nascimento.

É sensível, contudo, quando se descobre que aquele homem na certidão não é o pai biológico. Sobretudo em casos nos quais o homem já está pagando pensão. O que pode ser feito? Cabe devolução dos valores pagos? A resposta é não! Pois os alimentos têm caráter consumível e irrepetível, ou seja, serve para a manutenção do alimentante, então a pensão não pode ser devolvida.

Essa realidade jurídica e social aponta para a necessidade de uma revisão no sistema de reconhecimento de paternidade no Brasil. Embora existam mecanismos legais para garantir que o nome do pai no registro, o processo ainda é moroso e, em muitos casos, inacessível para famílias de baixa renda. Além disso, o impacto psicológico e emocional da ausência do reconhecimento paterno vai muito além da esfera legal, afetando diretamente a autoestima e o sentimento de pertencimento da criança.

Enfim, o reconhecimento de paternidade no Brasil é mais do que uma questão jurídica, é uma questão social de grande relevância. O país precisa avançar em termos de políticas públicas que facilitem o acesso à justiça, promovam a conscientização sobre os direitos parentais e, sobretudo, garantam que todas as crianças tenham o direito de conhecer sua origem e receber o apoio necessário para seu desenvolvimento pleno.

Advogada, mediadora, sócia do Bahia, Lins e Lessa – sociedade de advogadas.

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